O chão liso, coberto e de dimensões amplas da marquise do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, já era pico perfeito para a prática do skate nos anos 1980. Uma pena que, bem nessa época, quando o skate brasileiro vivia o seu ápice de popularidade, um infeliz episódio mostrou como pode ser perigosa a delegação de poder. O então prefeito da cidade, Jânio Quadros, proibiu que se andasse de skate não só no parque, onde ficava a sede da Prefeitura, mas em toda a cidade. O motivo, dos mais banais, atrasou o lado de toda uma galera amante do carrinho: Jânio baniu o esporte hoje olímpico em 19 de maio de 88 irritado com skatistas andando próximos à janela de seu gabinete.
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“O próprio Jânio Quadros, da janela de seu gabinete, onde tinha uma rampinha, aquelas de jump, que a gente colocou na parede do Ibirapuera, disse que ia proibir o skate”, relembra Álvaro Porquê?, skater das antigas.Ele hoje conta com humor. “Três amigos e eu estávamos andando na parede. Aí eu olhei assim, pra janelinha do gabinete, e vi ele apontando pra mim", diz. "O Jânio tinha acabado de criar a Guarda Municipal. Os guardas vieram e confiscaram a minha rampa e os skates de todo mundo. Meu pai era advogado, e voltou lá com a gente para resgatar os skates e a rampa, pois aquilo era contra a lei. O prefeito então se enfezou e decidiu tornar lei.” Revoltados, os skatistas organizaram uma marcha sobre rodas no dia 23 de junho, com direito a faixas e megafone, com a presença de cerca de 200 participantes.A marcha partia do metrô Paraíso com destino ao interior do Parque do Ibirapuera. Lá, os skatistas entregariam ao prefeito uma carta com mais de 6 mil assinaturas formalizando o pedido de revogação da proibição, bem como a construção de uma pista no local ou em outra área pública. A pequena massa, no entanto, foi barrada ao encontrar os portões fechados. “Isso foi uma afronta para nós skatistas”, relembra Rui Muleque.“Resolvemos nos reunir. O programa Grito da Rua encabeçando o movimento, e saímos em passeata da Av. Henrique Schaumann até o Parque do Ibiraquera. Foi muito massa, toda aquela galera de skate fechando uma das principais avenidas de São Paulo em forma de protesto. Tínhamos certeza de que ele voltaria atrás e liberaria o parque para o skate", conta Muleque. "O tiro saiu pela culatra”.
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Jânio Quadros não dialogava com skatistas. Muito pelo contrário: em vez de liberar a prática ou construir uma pista, decidiu proibir o skate em todas as ruas da cidade. Um memorando enviado ao secretário municipal dos Transportes, o coronel reformado da PM Geraldo Penteado, solicitava a detenção de, segundo matéria da Folha de S. Paulo, “todos aqueles que praticarem esse esporte, no leito das ruas e nos logradouros públicos”.“Da noite pro dia você já não podia mais andar de skate em nenhum lugar da cidade”, conta Muleque. “Eu e o Beto Or Die andávamos todo dia no Centro de São Paulo. Eu me sentia um criminoso, porque tinha que me esconder da polícia. Colava adesivo com os dizeres ‘Skate Não É Crime’ nos picos de skate, as delegacias com salas lotadas de skate até o teto. Era cômico, para não dizer trágico”.O skatista Jorge Kuge acrescenta que, numa das das reuniões da ASSUAPI (Associação de Usuários e Amigos do Parque do Ibirapuera), ele e amigos apresentaram um projeto de pista de skate. O documento ficou tramitando por anos e acabou sendo arquivado. "A cidade de São Paulo levou anos para ter espaços públicos para a prática", diz Kuge. "A pista de São Bernardo do Campo era a única opção de skatepark pública do estado, inaugurada 14 de fevereiro de 1982”.
Casos de polícia
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Na opinião de Luciano Kid, o primeiro campeão brasileiro de street profissional, a perseguição ao skate pelas autoridades era um ato contra a cultura underground. “O que aconteceu na época foi simplesmente um ato político. Com toda a influência que o skate tinha na cultura, na moda, música e comportamento, atraiu uma grande massa de jovens sedentos por algo que desce motivação a eles num país tão escasso de recursos e diversão. Isto assustou a classe política da época”, analisa ele.“Proibiram o skate por pura repressão moralista. Mas todo movimento jovem com boa finalidade acaba vencendo a repressão e até se unindo contra os poderosos. Hoje temos aí o espelho de tudo aquilo pelo que lutei”, conclui.
A origem do "Skate não é crime"
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Foi necessário a chegada de uma prefeita de 53 anos, nordestina, defensora da reforma agrária, marxista, solteira e tudo o mais imprevisível ao senso comum dos especialistas em política, para a revogação da primitiva Lei 25.871. Quando Erundina venceu Jânio em 15 de novembro de 88, ela já havia se comprometido com a causa dos skatistas. Um grupo de jovens a procurou pedindo apoio antes mesmo das eleições municipais. “Esta é uma reivindicação natural da juventude, uma disputa de espaço que tem sentido”, declarou ela à época, dando a sua palavra de que legalizaria o skate na maior cidade do país.
Logo na primeira semana de mandato, ela não só liberou o skate como deu permissão aos ambulantes retornarem ao Centro. Erundina era tão boa praça que chegou até a tentar subir em cima de um skate, como mostra uma imagem clicada em 90, na reabertura do parque aos skatistas. “A prefeita que ama o skate”, deu na Folha da Tarde. “Acho que, por causa dessa minha cara de avó, acabei criando um vínculo muito forte com a juventude e as crianças. Então, os skatistas me pediram para liberar o Ibirapuera. Muita gente não gostou, mas eles adoraram. A partir daí começou o nosso amor com os skatistas da cidade”, declarou ela ao veículo.“A Erundina conseguiu um bom número de votos dos skatistas”, elogia Ratones. Porém, critica: “Ela poderia ter feito algo a mais pelo skate, mas ficou somente na liberação. As marcas de skate comemoraram, só que por pouco tempo. No começo dos anos 90, houve uma reforma econômica que desestabilizou o mercado e a maioria das marcas fecharam suas portas”.Ele se refere a uma medida do então presidente Fernando Collor, caso abordado especificamente no documentário Dirty Money (2010). “O mercado brasileiro de skate sofreu uma queda imensa, empresários foram para outros investimentos, e skatistas pararam ou tiveram que arranjar um trabalho paralelo a fim de manter o seu skate”.
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