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Criador de 'Detroit: Become Human' diz que os androides vão roubar o seu emprego

Conversamos com David Cage, de 'Heavy Rain' e 'Beyond: Two Souls', sobre as ideias por trás do seu novo jogo de androides.
Todas as imagem: Quantic Dream/Reprodução

Esta matéria foi originalmente publicada no Waypoint.

David Cage é uma figura controversa na indústria dos games há anos. Quando Indigo Prophecy foi lançado em 2005, parecia um grande passo pras narrativas interativas nos jogos. Afinal, o jogo era um thriller tecnológico sobrenatural, mas cheio de momentos sutis incrivelmente maduros (pro Austin de 20 anos, pelo menos). Claro, o roteiro tinha buracos e diálogos ruins, mas parecia uma promessa pro futuro dos videogames.

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Mas os lançamentos seguintes da Quantic Dream (Heavy Rain em 2010 e Beyond: Two Souls em 2013) não conseguiram realmente cumprir a promessa. Gostei dos dois jogos até certo ponto, mas o aumento do realismo só serviu para destacar ainda mais os seus problemas. Quando os personagens pixelados de Indigo Prophecy soltavam monólogos fracos era uma coisa, mas era muito diferente quando essas palavras vinham de uma Ellen Page virtual reproduzida em alta fidelidade (isso sem mencionar os elementos mais desafinados desses jogos).

Agora Cage e a Quantic Dream têm um novo jogo no horizonte. O game de aventura que rola num futuro próximo, Detroit: Become Human, imagina um mundo de policiais, escravos e revolucionários androides. Na E3, tivemos a chance de assistir à apresentação fechada de uma cena em que o androide abolicionista Markus (dublado por Jesse Williams) liberta dezenas de outros androides do cativeiro de uma loja e os lidera numa "revolta" nas ruas vazias da cidade. Depois da demo, o Waypoint se encontrou com David Cage para falar um pouco sobre o que vimos.

Waypoint: A coisa mais impressionante sobre a demo de hoje de Detroit: Become Human é como ela foi diferente da demo do ano passado . A demo na E3 2016 mostrou algo que já tínhamos visto em certo sentido da Quantic Dream; uma história de detetive, um mistério. O jogo parecia ser principalmente sobre resolver um problema através de uma coleção de pistas, com um pouco de ação no final.

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Mas aqui vimos algo que é descaradamente político. Não no subtexto, diretamente: esses androides são pessoas oprimidas que estão tentando se libertar. Qual foi a inspiração para entrar nesse espaço em vez de fazer apenas outro mistério de assassinato ou algo puramente sobrenatural?
David Cage: [Risos] OK! Sabe, você nunca começa um projeto pensando "Quero fazer isso, ou quero fazer aquilo". É uma história que você quer contar e que te leva a algum lugar, e às vezes você percebe onde isso te levou e pensa "Uau! Espera um minuto…" Foi mais ou menos isso que aconteceu com Detroit, acho.

Agora, sinto que com Indigo Prophecy e até mais com Heavy Rain queríamos ver como poderíamos lidar com emoções numa experiência interativa. E Heavy Rain fez isso corretamente até certo ponto, acho. Com Detroit percebemos que queríamos criar uma experiência que pudesse ser significativa.

Ainda queremos a emoção, ainda queremos que as pessoas se sintam emocionalmente mergulhadas nesse mundo, mas, ao mesmo tempo, acreditamos que temos uma história com que as pessoas podem se identificar num nível diferente. E talvez dizer algo sobre a nossa sociedade e o mundo em que vivemos. Os medos, as esperanças que temos – mas num nível diferente.

Para mim, a questão é: podemos, com Detroit, criar uma experiência que seja significativa?

E para fazer isso vocês têm três personagens: Um deles é um detetive – Connor – mas hoje vimos Markus, dublado por Jesse Williams. Desde quando Jesse estava envolvido no projeto?
Bem no começo. Provavelmente uns dois ou três anos atrás, talvez até antes. Então – antes que você pergunte – não foi o discurso dele no BET Awards que desencadeou isso.

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[Risos] Foi um bom discurso mesmo! E apesar de ter vindo depois do envolvimento dele no jogo, o jeito como esse discurso se alinha a Detroit é muito interessante, certo?
Claro. Conhecíamos o Jesse de seu trabalho como ator, mas sabíamos que ele era ativista. Sentimos que ele tinha o carisma que um líder como Markus precisava ter, que foi o que realmente desencadeou a colaboração.

Como você disse, Jesse Williams é um ativista. Ele trabalha com o Black Lives Matter e tem apoiado várias organizações. E não está sozinho: por várias razões, protestos políticos e sociais e ativismo estão ressurgindo agora nos EUA, com muito debate sobre como isso deve parecer.

E o trecho de Detroit que vimos hoje parece se resumir a uma escolha: Esse personagem deve protestar com violência ou pacificamente? Você pode falar um pouco sobre como vocês decidiram o que contava como "pacífico" e "violento"? Não estava sempre claro para mim, antes da decisão ser tomada, se a ação seria "pacifista" ou "violenta" – danos a propriedade aparecem nas duas opções, por exemplo.
Bom, a primeira coisa que você precisa saber é que essa é apenas uma cena no arco do Markus. Então há coisas que acontecem antes – isso não vem do nada. Essa não é a primeira cena dele, ele tem uma longa história antes desse ponto. E a história continua muito além. Essa cena provavelmente está no meio do arco dele. Há condições para começar a cena, e há várias maneiras dela se desenrolar, por isso temos consequências diferentes.

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Mas queríamos fazer uma pergunta interessante ao jogador com essa cena: o que você acha que é certo fazer quando luta pelos seus direitos? E eu não queria dar uma resposta, o que era algo muito importante para mim. Eu não queria entregar uma mensagem pra humanidade com esse jogo. Só quero fazer perguntas.

Mas antes de realizar a ação violenta, Markus diz "As pessoas terão medo de nós depois disso". Essa será uma história com uma resposta boa e outra ruim no final?
Essa é sua decisão como jogador. Muitas coisas podem acontecer. Não é algo binário.

Não quero que vejam essa situação em branco e preto, onde "se eu fizer isso será bom, se fizer aquilo será ruim". É muito mais complexo que isso. Eu não queria algo binário porque acho que a vida é um pouco mais complexa. Às vezes você faz uma coisa ruim que acaba em algo bom, e às vezes faz algo bom que acaba numa coisa ruim.

Tentamos manter essa complexidade. Qual será o impacto na mídia? Como os humanos vão reagir? Como seu povo vai reagir a isso? É complexo.

Mas para muitos jogos as decisões dos jogadores são claramente divididas entre boas e ruins. Você já recebeu respostas dos jogadores de teste para essas questões mais complexas, algo tipo "ei, não é justo, fiz a coisa boa, então deveria ter um resultado bom"?
Bom, eu quero ser justo com as pessoas. Quero perguntar aos jogadores: "O que você faria se fosse o Markus? Qual seria sua decisão? O que você acha que é justo?" E não é uma resposta óbvia como "Ah! A coisa certa a fazer é essa, a coisa errada é essa!" O contexto é "O que eu faria se isso estivesse acontecendo comigo".

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Esse sempre foi o meu truque desde quando comecei a fazer esses jogos. Eu queria fazer essas perguntas, te deixar responder, e te fazer lidar com as consequências.

A narrativa do mundo de Detroit: Become Human é, basicamente, androides foram desenvolvidos e como são uma mão de obra muito barata, tiraram o trabalho de muitos humanos. A principal divisão que vimos nessas apresentações é entre humanos e androides, mas estou curioso sobre o que aconteceu com as divisões que já existem na nossa sociedade.

No nosso mundo temos divisões entre linhas raciais, classes, gênero, sexualidade, nacionalidade, etnia… Mas aqui, só vimos esse momento de tensão entre androides e humanos. E isso está acontecendo em Detroit, uma cidade que tem um histórico de enfrentamento entre raças e classes.

Penso nisso e tenho muitas perguntas: Você acha que essas coisas se perdem no fundo em Detroit? Um androide negro tem uma vida diferente de um androide branco, ou são considerados diferentes pela sociedade? E quanto aos humanos? Ainda há humanos pobres nesse ponto, que vivem diferente de pessoas de classe média? Ou tudo isso não é o foco da história de Detroit?
É sim. Há um fundo social no jogo. Esse é um dos focos do roteiro, e em como eu queria apresentar esse mundo.

Esse jogo não é apenas uma fantasia. Estamos tentando imaginar como será mesmo o mundo daqui 20 anos. O que vai significar ter androides sendo jornalistas em vez de você. Porque você sabe, eles não dormem, nunca ficam doentes, não reclamam, não precisam ser pagos e nunca falham. Eles nunca fazem nada de errado.

Então o que vai acontecer daqui 20 anos é que você provavelmente terá que arrumar outro emprego, porque um androide estará fazendo o que você faz.

Tradução: Marina Schnoor.

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