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Uma análise do porquê não é boa ideia construir robôs com pernas

Rodas são a solução ideal para a maioria dos nossos problemas de deslocamento. Por que enfiar nas máquinas algo tão complexo quanto uma perninha?

Talvez você nunca tenha notado, mas não existem muitas rodas na natureza. O melhor exemplo de rodinhas naturais talvez sejam os tatuzinhos-de-jardim, os nossos tatu-bola, aqueles artrópodes engraçadinhos que se embolam quando ameaçados.

O fato de não existirem rodas na natureza faz todo o sentido. Afinal, para girar de forma independente, as rodas precisam funcionar à parte do seu todo — e seres vivos não funcionam assim.

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Robôs, por outro lado, não estão sujeitos a essas leis biológicas. Por motivos óbvios, é muito mais fácil colocar rodas num robô do que pernas ou asas. No geral, rodas são uma forma mais simples de garantir a locomoção de robôs. Robôs com rodas não têm juntas ou dobradiças, e por isso é mais fácil garantir seu equilíbrio.

Mesmo assim, imaginamos — e construímos — robôs com pernas. A maioria dos robôs tem rodas, mas isso costuma ser mais questão de conveniência do que escolha de design. Quando pensamos em robôs com pernas, lembramos imediatamente do assustador Big Dog e dos monstruosos super-soldados da Boston Dynamics. Outro exemplo são os robôs andantes da Agility Robotics, desenvolvidos para entregar pacotes e ajudar idosos.

Pernas robóticas são um desafio de engenharia. Para início de conversa, a textura do solo é muito mais relevante para criaturas com pernas do que para máquinas com rodas. Em relação a isso, zoólogos estão compartilhando descobertas feitas em pesquisas sobre a locomoção de baratas com a comunidade robótica. Este é o caso de um novo artigo publicado na Frontiers in Zoology; nele, os pesquisadores relatam que, quando baratas andam sobre superfícies escorregadias, sua marcha torna-se dessincronizada, passando da estabilização estática para a estabilização dinâmica.

Além de ressaltar as dificuldades relacionadas à criação de robôs com pernas, essa informação nos traz uma pergunta: por que ainda insistimos em criar robôs com pernas?

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O exército quer pernas

Os robôs da Boston Dynamics são financiados pelo exército americano. O Big Dog, o robô quadrúpede que inspirou milhares de memes, foi construído a pedido da DARPA, que queria um robô capaz de substituir soldados humanos em certos empreendimentos militares. O Atlas, o robô humanoide da Boston Dynamics, também foi criado a pedido do exército.

Quando o assunto é a escolha entre rodas ou pernas, deve-se ter em mente o relevo do terreno. Nossa configuração biomecânica faz com que nós, seres humanos, tenhamos facilidade em andar por terrenos desnivelados. Muitos de nós escalam montanhas e paredões de pedra por lazer. Nós não somos tão rápidos quanto outros animais, nem temos habilidades impressionantes como dedos super-aderentes, mas somos muito versáteis.

A invenção da roda não foi apenas uma nova tecnologia: com ela, vieram as estradas. Uma parte essencial de qualquer operação militar é a construção de delas. Para guerrear, é preciso transportar tropas e suprimentos, o que só é possível usando rodas, que, por sua vez, só funcionam em superfícies adequadas. Quando o exército americano se preparava para a Guerra do Vietnã, em 1965, a construção de estradas era uma de suas maiores prioridades, atrás apenas das pistas de pouso.

O que se seguiu foi um pesadelo de engenharia. O terreno era coberto por areia, o que dificultava a locomoção de equipamentos pesados — a areia aumenta o risco de atolamentos. Para construir uma nova malha rodoviária, os engenheiros do exército americano decidiram usar pedras. Essas toneladas de pedras tinham que ser mineradas em pedreiras, quebradas por máquinas colossais e então transportadas pela areia. "A gente só falava sobre pedras", disse um comandante citado em uma análise de engenharia feita após o fim da guerra. "Eu acordava dizendo: 'Pedra, pedra, pedra'".

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Pernas podem andar sobre a areia. Na verdade, podem andar sobre vários terrenos: superfícies íngremes, campos recém-bombardeados, bordas de precipícios. Essa capacidade de andar em superfícies íngremes e acidentadas é crucial, assim como passar por cima de objetos como minas, raízes ou detritos de um campo de batalha. Quando se trata de atravessar ou saltar obstáculos, robôs com rodas têm limitação óbvia: caso o obstáculo sejas duas vezes maior do que a roda dianteira do robô, ele não conseguirá ultrapassá-lo. Veículos com lagartas como tanques são um pouco mais versáteis, mas não muito.

A resposta da Boston Dynamics a esse problema é seu pouco conhecido (e mais antigo) modelo RHex — no site da Boston Dynamics, o robô é descrito como capaz de "atravessar qualquer superfície desnivelada" —, cujas seis pernas semi-circulares permitem que ele escale obstáculos com uma fluidez quase humana.

Mas rodas são rápidas e baratas

Rodas deixam qualquer deslocamento mais rápido. A força motriz é transmitida de um motor para um eixo de forma simples e eficiente. Além disso, manter um robô de quatro rodas em pé não requer algoritmos complicados. Se você equipá-lo com alguns amortecedores e suspensão dinâmica, seu robô poderá, exceto no caso das restrições citadas acima, andar por terrenos desnivelados.

É justo dizer, portanto, que rodas são a solução ideal para a maioria dos nossos problemas de deslocamento.

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"A roda sempre foi a forma mais fácil de dar mobilidade a um veículo, além do método de viagem mais rápido", afirma um artigo escrito por três pesquisadores da Universidade de Mälardalen, na Suécia. "Em relação à velocidade, as rodas têm a maior eficiência energética. A implementação é simples, e não é preciso usar técnicas avançadas como controles de vetores ou articulações adicionais para garantir o movimento do robô."

Pernas representam um desafio para os programadores. Essa dificuldade está ligada a um detalhe conhecido como "marcha livre", que significa que cada perna de um robô ou veículo deve se mover de forma independente. Para que cada perna funcione como deve, são precisos cálculos minuciosos. Cada uma das quatro pernas do Big Dog tem quatro atuadores hidráulicos e dois sensores. Segundo o artigo publicado pelos pesquisadroes de Mälardalen, para ser mais eficiente que uma roda, uma perna robótica precisa ter pelo menos três atuadores.

Além disso, há a questão da força necessária para movimentar cada perna. Uma melhoria apresentada pelo Big Dog em relação a modelos anteriores é o uso de atuadores hidráulicos em vez de motores elétricos independentes em cada articulação. Isso torna as pernas do robô mais fortes, mas também o obriga a andar por aí com um motorzinho para recarregar seus atuadores hidráulicos. O robô Atlas, o parente bípede do Big Dog, tem 28 atuadores que eram, inicialmente, alimentados à cabo. A versão mais atual do Atlas carrega consigo uma bateria de íon-lítio. Isso é o suficiente para apenas uma hora de movimento.

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E se usássemos os dois, rodas e pernas?

E por que não? Essa é a ideia por trás do último robô da Boston Dynamics, o Handle. Ele é um pouco mais prático do que seus antecessores — e bem menos assustador. O Handle é basicamente um robô com patins: suas duas pernas rudimentares (ao menos quando comparadas às pernas do Atlas) desembocam em duas rodas. Ele corre até 14 km/h e pode pular até 1,2 m. Essas duas habilidades podem vir à calhar durante uma competição de parkour.

Em geral, o Handle ainda precisa de estradas para se locomover. Ele não é capaz de subir e descer encostas cobertas de árvores ou atravessar campos de batalha, por exemplo. No vídeo acima, fica claro que o Handle usa seus braços para criar o contrapeso necessário para se manter em pé.

O vídeo também mostra que o Handle faz muito mais do que oferecer um meio-termo entre rodas e pernas. Sua forma de mobilidade é mais do que a soma de suas partes: ela representa um tipo de movimento fundamentalmente diferente, pelo menos para um robô.

"Esse robô está usando o momento linear do seu próprio corpo. Não estamos acostumados a ver robôs fazendo movimentos tão dinâmicos", disse Vikash Kumar, especialista em robótica, à Recode no início do ano. "Outros robôs têm o equipamento necessário para fazer algo parecido, mas do ponto de vista da programação, nós ainda não conseguimos controlar esses recursos de forma completa".

A natureza não nos deu rodas, mas isso não significa que ela não tenha muito a nos ensinar sobre mobilidade. A locomoção das baratas é apenas o início do que a natureza pode ensinar aos pesquisadores de robótica.

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