Marina Silva: a evangélica que busca o desenvolvimento sustentável

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Quem quer ser presidente

Marina Silva: a evangélica que busca o desenvolvimento sustentável

Na série de apresentação dos presidenciáveis para 2018, a VICE conta a trajetória de Marina Silva, da Rede.

Ela poderia ter morrido vítima das doenças tropicais que ainda assolam os moradores da Amazônia. Poderia estar retirando borracha de seringueiras no meio da floresta. Poderia ter virado freira. A aparência frágil engana: dentro de um corpo miúdo, Marina Silva conta uma história improvável, de alguém que superou incontáveis batalhas e agora se apresenta pela terceira vez diante do desafio de chegar à Presidência da República e comandar o Brasil.

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Marina nasceu em Rio Branco, capital do Acre, então apenas um território federal. E não na zona urbana, mas num seringal chamado Bagaço. Lá, desde cedo acompanhou os pais na atividade de retirar o látex das seringueiras, mas sofria com a fragilidade da saúde: teve malária cinco vezes, além de leishmaniose e uma hepatite, que a levou a se mudar para o centro de Rio Branco em busca de tratamento.

Na cidade, aproveitou para realizar o sonho infantil de virar freira. Primeiro, matriculou-se no Mobral, o instituto criado pelo regime militar para a alfabetização de jovens e adultos. Depois, entrou no pré-noviciado. E foi lá que, indiretamente, sua vida política começou: na igreja, viu, num certo dia, um cartaz convidando para um curso de formação sindical que seria ministrado por um padre, chamado Clodovis Boff, e um seringueiro, Chico Mendes.

Clodovis é o irmão mais comportado de Leonardo Boff, o idealizador da Teologia da Libertação, uma tentativa de aproximar a religião católica dos pobres. Leonardo Boff acabaria sendo censurado pela Igreja por seus escritos e se afastaria do sacerdócio na década de 90. Clodovis, que então acompanhava as ideias do irmão, renegaria a Teologia da Libertação num texto escrito em 2007 em que endossava a visão do cardeal Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, nas críticas a essa linha religiosa. O texto foi imediatamente rebatido por Leonardo, que fora condenado ao “silêncio obsequioso” justamente por Ratzinger.

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Chico Mendes começava a se firmar entre os seringueiros como um líder, reivindicando melhores condições de trabalho e proteção à Floresta Amazônica. Tornou-se mundialmente conhecido nos anos 80 e foi assassinado em 1988 com tiros de escopeta no peito, num crime que chocou o planeta, dias depois de denunciar na imprensa que vinha sendo ameaçado de morte.

Influenciada pelas ideias de Chico e Boff, Marina deixou o convento e passou a dedicar-se à luta política e social, ao mesmo tempo em que trabalhava como empregada doméstica para pagar as contas. Formou-se em História, trabalhou como professora, filiou-se ao PT e participou da fundação da regional acreana da CUT (Central Única dos Trabalhadores), em 1984 – era vice-coordenadora, abaixo apenas de Chico Mendes na hierarquia.

Sua primeira eleição foi em 1986. Candidatou-se a deputada federal e foi a quinta mais votada no Estado, mas o PT não atingiu o quociente eleitoral e ela ficou fora da Constituinte. Dois anos depois, elegeu-se vereadora em Rio Branco com a maior votação da cidade e em 1990 foi eleita deputada estadual – no primeiro ano de mandato, precisou se afastar para tratar uma nova doença, causada por contaminação por metais pesados durante o tratamento da leishmaniose. Em 1994, elegeu-se a mais jovem senadora do Brasil, aos 36 anos.

No Senado, tornou-se conhecida nacionalmente pela defesa da causa do meio ambiente. Era o principal nome do PT na área. Reeleita em 2002, foi a escolha óbvia do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para o Ministério do Meio Ambiente – e aí começou o período de inferno astral que a levou a deixar o partido.

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O governo Lula apostou numa agenda desenvolvimentista, que pregava a realização de grandes obras, algumas delas com forte impacto ambiental, como a transposição do Rio São Francisco e a construção de usinas hidrelétricas. Acusada de travar algumas obras em função da demora do IBAMA para conceder licenças ambientais, Marina deixou o governo e o PT em 2008, lamentando que o governo petista não conseguisse pensar em desenvolvimento sustentável. Ficaram conhecidas suas disputas internas com a poderosa ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, que se tornaria a escolhida de Lula para sucedê-lo, principalmente em relação à construção da Usina de Belo Monte.

Filiou-se então ao PV e disputou pelo partido pela primeira vez a eleição à Presidência em 2010. Recebeu 19.636.359 votos, terminou em terceiro lugar e se firmou como uma espécie de “terceira via” na oposição entre PT e PSDB. Mas apresentou, também, uma característica que adversários têm usado para miná-la desde então: Marina, segundo eles, se esconde entre os períodos eleitorais, deixando de opinar em assuntos relevantes e perdendo espaço na mídia. Em 2011, deixou o PV para envolver-se na criação de um novo partido, a Rede Sustentabilidade, construído sob seus princípios de que é possível conciliar o desenvolvimento da economia com o respeito à natureza.

Mas Marina teve dificuldades para registrar o partido junto à Justiça Eleitoral. Em 2014, às vésperas da eleição, acertou-se com o então governador de Pernambuco, Eduardo Campos, líder do PSB, para ser candidata a vice em sua chapa. Campos, aliado de Lula, negociara para ser vice de Dilma em 2014, mas queria a garantia de receber o apoio do PT nas eleições de 2018. Sem sentir firmeza, antecipou a ideia de se candidatar e se juntou a Marina, que aceitou ser sua vice e se filiou de forma emergencial ao PSB.

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A história deu um de seus famosos giros na manhã de 13 de agosto, quando o avião em que Campos viajava caiu em Santos, no litoral paulista. Marina assumiu a candidatura e disparou na liderança das pesquisas, virando alvo das campanhas de Dilma Rousseff e, em menor escala, de Aécio Neves (PSDB). Terminou novamente em terceiro, aumentando sua votação em quase 15%: foram 22.154.707 votos. No segundo turno, deu um apoio quase constrangido a Aécio, que seria derrotado por Dilma.

No ano seguinte, Marina deixou o PSB e enfim conseguiu registrar a Rede, que ganhou a adesão inicial de diversos políticos de esquerda descontentes em suas legendas, como Heloisa Helena e Randolfe Rodrigues, do PSOL, Alessandro Molon, do PT, Alfredo Sirkis e Ricardo Young, do PV. De forma discreta, apoiou o impeachment de Dilma, defendendo com mais rigor a cassação da chapa Dilma-Michel Temer por crime eleitoral – eles foram absolvidos pelo TSE, em votação feita um ano após o afastamento da presidenta.

Em sua campanha atual, Marina mantém a bandeira do desenvolvimento sustentável e a postura de ser uma “terceira via”, o que lhe rende críticas dos dois lados – na direita, é chamada de “melancia”, “verde por fora e vermelha por dentro”, por sua origem ligada ao PT e ao movimento sindical; a esquerda a acusa de “traição” por ter relação próxima com banqueiros e empresários e por adotar algumas ideias conservadoras, como ser contra o direito ao aborto. Seu plano de governo, de forma genérica, defende um Brasil “justo, ético, próspero e sustentável”, e promete restaurar a confiança dos brasileiros na política. No Datafolha desta quarta-feira, Marina aparece com 7% das intenções de voto.

Maria Osmarina Marina da Silva Vaz de Lima
Formação: Licenciatura em História pela Universidade Federal do Acre
Idade: 60
Patrimônio: R$ 118.835,13
Trajetória (partidos): PT-PV-PSB-Rede
Vice: Eduardo Jorge (PV)

Acompanhe as trajetórias de todos os presidenciáveis na série Quem quer ser presidente . Novos perfis toda segunda, quarta e sexta.

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