João Carlos Holland Barcellos deitando em uma cama
João Carlos Holland Barcellos, que engravidou pelo menos 49 mulheres. Foto: Larissa Zaidan/VICE

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reportagem

Este brasileiro busca a imortalidade inseminando desconhecidas

Com ajuda da esposa, João Carlos, 61, engravidou pelo menos 49 mulheres.

Foi no Dia das Mães de 2016 que a contadora Júlia Oliveira, 28 anos, recebeu a notícia que mudaria sua vida para sempre: ela seria mãe. Pietro, que hoje tem dois anos, foi fruto de uma inseminação caseira (IC) – procedimento não muito comum no Brasil, mas que ganhou força nos últimos anos com a ajuda das redes sociais.

Eu sempre quis ser mãe. De uma forma ou de outra isso ia acontecer na minha vida”, conta Júlia. A única coisa que ela não esperava era conseguir realizar esse sonho de uma forma tão mais prática e fácil do que imaginou.

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Filha única e lésbica assumida desde muito nova, ela sempre nutriu o sonho de ter um filho com a ajuda de um doador de sêmen não-anônimo. “Eu descobri um grupo no Facebook e um método totalmente diferente e sem custos. Nesse grupo, o João era um dos doadores com mais credibilidade entre as tentantes [nome dado a mulheres que tentam engravidar através da IC]”, revela à VICE.

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Júlia e o filho Pietro, fruto da inseminação caseira com o Jocax. Foto: Larissa Zaidan/VICE

O João, ao qual Júlia se refere, é o cientista da computação João Carlos Holland Barcellos, de 61 anos. Desde 2015 ele e a esposa, Luíza, disponibilizam quartos da própria casa, na Zona Oeste de São Paulo, para mulheres que desejam passar pelo procedimento em que Jocax, como prefere ser chamado, é o doador de espermatozóides.

Do imóvel, três cômodos são utilizados para que as ICs aconteçam. O recinto é bem simples: paredes verde-claras, iluminação amarelada, uma cama, alguns móveis, almofadas, ventilador e cobertores. O casal alugou uma casa maior justamente para poder receber mais de uma tentante por dia. Por R$ 100 a mulher que se submeterá ao procedimento e sua acompanhante têm direito a banho, internet, café da manhã, almoço e janta. Mas é lá pelas 21h que o segundo andar do sobrado fica mais agitado.

Como tudo acontece

As tentantes são orientadas por ele, por meio de um grupo do Facebook e WhatsApp, a identificarem o período fértil e o dia de ovulação. É nesse momento que elas entram em contato com o casal e marcam o melhor dia para que a fecundação aconteça.

A vida das mães solo

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Em algum momento oportuno da noite Jocax e Luíza transam. Após o ato, ela coleta o sêmen do marido e leva a um dos quartos localizados na parte de trás da casa. Quando tem mais de uma tentante na mesma noite, uma só ejaculação é suficiente para até três mulheres. O líquido é injetado no útero das tentantes por elas mesmas ou com ajuda da própria Luíza, com o auxílio de um espéculo, uma pipeta (usada também para inseminações caninas) e uma seringa.

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Três cômodos da casa são usados pelas tentantes para realizar o procedimento. Foto: Larissa Zaidan/VICE

Após o procedimento, 30 minutos com os pés para cima são suficientes. O teste de gravidez positivo deve chegar em duas semanas, indicando o sucesso do procedimento. As inseminações caseiras realizadas pelo casal já renderam pelo menos 99 testes de gravidez positivos em mulheres espalhadas por todo o Brasil e 49 bebês já nascidos. Na vida pessoal, Jocax é pai de outras 15 crianças.

O doador se isenta de qualquer direito ou dever a respeito das crianças fruto da inseminação e, apenas se a mãe quiser, pode ser feito um contrato alegando que ele apenas doa o sêmen para que a gravidez aconteça. Do contrário, é tudo feito na base da confiança.

As mulheres que buscam o procedimento são em grande maioria homoafetivas, mas João Carlos revela que heterossexuais também já engravidaram por meio do método. “A gente só não deixa o homem entrar em casa, mas a tentante pode vir com a mãe, irmã, amiga, tanto faz.”

Genética e Genismo

Conforme descrito em seu site, Jocax é loiro grisalho, tem olhos azuis, 1.80 de altura, 80kg e sangue O negativo, além de carregar os genes das ascendências portuguesa, inglesa, alemã e índia. É lá também que ele fornece seus exames de sangue, feitos anualmente, para tranquilizar as mulheres.

Na plataforma online (minimalista, de cores e fontes simples) ele conta sobre o método que desenvolveu para explicar a reprodução humana, o Genismo. Ateu militante, como o próprio se descreve, ele diz que o ideal por trás do termo tem como objetivo imputar a ideia consciente de que os genes são importantes. “Para mim, filho é uma forma de imortalidade. Eu vou morrer mas meus genes ainda vão continuar por aqui através deles”, explica.

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Foto: Larissa Zaidan/VICE

Para Jocax, o principal motivo para a procura da inseminação caseira é o valor. “Clínica é muito caro. Enquanto lá chega a R$ 10 mil, aqui é só o valor do quarto”, disse à VICE. “Outro ponto positivo é conhecer o doador. Na clínica você não sabe se o cara é retardado, se é muito feio. O cara pode ser um ex-presidiário e você não tá sabendo. É um tiro no escuro.”

Júlia, mãe do Pietro, considera o valor o maior diferencial, mas a sua procura por um doador não-anônimo também tinha outro motivo. “Perguntei qual seria a reação dele se algum dia meu filho quisesse conviver com ele e ele respondeu ‘É o seguinte: se a mãe quiser contato, é óbvio que eu quero. É meu filho’. Então aquilo me deixou com o coração muito feliz porque meu maior medo era o Pietro crescer e eu ter que esconder a história dele”, conta.

Após conferir os exames de Jocax e se certificar que estava tudo certo na saúde de ambos, foram quatro ciclos de tentativas no espaço de mais ou menos um ano até a contadora conseguir engravidar. Três delas foram com o João Carlos e a outra com um doador búlgaro. “Todos os negativos foram importante para não pensar em desistir. Eu vi que realmente precisava passar por aquilo para ter ainda mais força e acreditar que meu sonho poderia se realizar.”

Com o resultado do teste de gravidez positivo, a contadora teve uma gravidez tranquila e, ao contrário do que alguns médicos diziam, o Pietro nasceu totalmente saudável. “Eu me orgulho muito do método e, se necessário, faria tudo de novo para tê-lo. O João Carlos é um anjo.”

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Pietro, 2, encontra constantemente João Carlos e também seus meio-irmãos. Foto: Larissa Zaidan/VICE

O primeiro contato do casal com o Pietro foi três meses após seu nascimento e, apesar de ser o 9º bebê nascido pelo método, foi a primeira vez em que a mãe decidiu manter contato com o casal. “Pelo menos uma vez a cada três meses eu tento encontrá-los, e também converso com algumas mães dos meio-irmãos dele. E é incrível porque, mesmo sem entender ainda, ele já chama o João de papai.”

Agora, Júlia está em busca de um irmão ou irmã para o filho. “Eu sempre tive na minha cabeça que queria ter dois filhos e agora estou em busca do meu segundo positivo. Fiz a primeira tentativa esse mês e vou tentar até dar certo”, completa.

Ilegalidade

A advogada criminalista Carla Rahal explica que o método não é reconhecido no Brasil como uma forma legal de filiação e paternidade e, por isso, os direitos e deveres são os mesmos de uma gravidez comum. “A mulher pode cobrar pensão, uma vez que a paternidade seja reconhecida pelo exame de DNA, e o doador pode pedir a guarda compartilhada da criança de igual maneira”, pontua.

Quanto ao contrato feito com algumas mães, a criminalista explica que a validade jurídica é julgada em particular, dependendo da situação, já que envolve menores de idade e o procedimento não é regulamentado.

Sob os olhares da medicina, a técnica também não é nem um pouco bem vista. Segundo o ginecologista e diretor de Reprodução Humana do Hospital Pérola Byington, Mario Cavagna, o método não deve ser feito e nem incentivado. “A inseminação tem momento certo de ser feita, tem que ter um controle de ovulação. Isso exige uma monitorização médica, eventualmente até o uso de algumas medicações. A prática caseira chega a ser criminosa”, fala.

Segundo Cavagna, o Sistema Único de Saúde oferece tratamentos totalmente gratuitos para mulheres que querem engravidar. “Conseguimos fazer de 50 a 100 ciclos de inseminação por ano, o que é um número muito menor do que a oferta. Teríamos que fazer dez vezes mais para atender toda a procura. A demanda reprimida é realmente grande e isso dá margem para procedimentos ilegais”, explica.

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