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O metrô de São Paulo marcará sua cara para vender anúncios

Na capital paulista, linha instalará portas com reconhecimento facial para melhorar publicidade direcionada. Isso não é algo legal.

Reconhecimento biométrico sempre foi assunto delicado quando o papo é segurança e privacidade. Já foi provado que confiar na sua impressão digital ou outro dado corporal não é uma boa ideia — pode ser mais fácil hackear do que uma senha numérica. Quando o assunto é invasão de nossa vida privada, então, a questão se torna mais complicada.

A prova disso ocorreu na última quinta-feira, 12, quando a ViaQuatro, concessionária responsável pela Linha 4 do Metrô de São Paulo, anunciou a instalação de “portas interativas digitais”. A ideia, diz a concessionária, é “divulgar campanhas interativas e expor marcas e produtos, com monitoramento da audiência em tempo real”.

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Na prática, serão instalados quatro aparelhos, com câmeras, nas áreas centrais das estações. Eles terão capacidade para contabilizar quantas pessoas passaram em frente ao dispositivo — discriminando se a mesma pessoa passou mais de uma vez por ali. Como bônus, o mecanismo da tal porta interativa terá capacidade de mensurar as reações dos que estiverem na plataforma, isto é, se olham e como reagem ao anúncio que será exibido.

Na nota distribuída pela empresa, o presidente da ViaQuatro, Harald Zwetkoff, apontou a iniciativa como inovadora. Para ele, o reconhecimento facial já é uma realidade na área de comunicação e marketing. “Com recursos sofisticados, podem colaborar na criação de novas estratégias para públicos específicos, visando mais efetividade na troca de mensagens importantes ou mesmo o incremento em vendas”, diz.

Este entusiasmo, porém, não foi compartilhado pelo público, menos ainda por estudiosos da área de segurança da informação. Em sua conta de Twitter, a coordenadora de privacidade e vigilância do InternetLab, Jacqueline Abreu, apontou a iniciativa como uma forma de “interceptação ambiental com processamento automático de dado pessoal sensível feita sem base jurídica por concessionária de serviço público para a exploração de terceiros”.

Procurada pelo Motherboard, ela explicou que a ação da empresa é bastante problemática. “Esta é uma informação relacionada a uma pessoa natural e identificável, ou seja, um dado pessoal como reconhecido em qualquer lei de proteção de dados”, disse. Ela destaca que muitas leis internacionais consideram este um dado sensível. “É um tipo especial de dado único que eu não posso mudar, é minha face”, observou.

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Ela aponta que a questão central que está em jogo na ação é a autodeterminação informativa: o direito que se busca garantir que o controle sobre seus dados seja de cada pessoa.

Perguntada em relação ao funcionamento do sistemas e de tratamento dos dados coletados, a ViaQuatro respondeu por meio de sua assessoria de imprensa que “tecnologia não faz recolhimento de dados dos passageiros, nem reconhecimento de identificação pessoal” e que “não grava, armazena imagens ou faz cruzamento de dados do indivíduo, uma vez que não tem informações para isso. Os dados gerados são identificação de expressão de emoções (raiva, alegria, neutralidade) e características gerais, que podem indicar se é um rosto feminino ou masculino.”

Jaqueline Abreu destaca que a defesa de que esses painéis não são ilegais porque não identificam pessoas no processo é fruto de uma cultura jurídica rasa no que diz respeito à proteção de dados pessoais. Ela diz que falta conhecimento sobre os riscos associados a essas práticas — entre eles o de vazamentos e uso indevido dessas informações.

A preocupação quanto a esses dados biométricos não são exclusividade paulistana. Reconhecimento facial é amplamente utilizado no próprio Facebook e tem causado desconforto em muitos usuários. A prova disso foi que, nesta semana, um juiz da Califórnia, nos EUA, anunciou que haverá julgamento de uma ação coletiva de usuários que tiveram sua privacidade biométrica violada pela ferramenta de reconhecimento facial da companhia. A mesma tecnologia foi suspensa em 2012 na Europa por pressão de usuários e órgãos ligados à privacidade.

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