A vida secreta dos trabalhadores sexuais
Ryan: "Explosão alternativa". Todas as fotos por Lindsay Irene; legendas tiradas dos anúncios dos trabalhadores sexuais.

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Viagem

A vida secreta dos trabalhadores sexuais

A fotógrafa Lindsay Irene documenta as rotinas de acompanhantes, strippers e camgirls na esperança de mudar a perspectiva do público sobre a indústria.
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor

Lindsay Irene, 32 anos, é uma fotógrafa que vive em Ottawa, no Canadá. As fotos que ela tira aparecem nos anúncios online e sites de trabalhadores sexuais. É um trabalho que está cada vez mais em risco com a aprovação da SESTA-FOSTA – uma nova lei norte-americana que visa atacar atividades de tráfico sexual na internet, mas que críticos dizem que acaba promovendo censura e colocando em perigo trabalhadores sexuais consensuais. Os profissionais da área dizem que a SESTA-FOSTA pode literalmente matá-los.

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Algumas semanas atrás, Lindsay embarcou num projeto que espera ajudar a humanizar acompanhantes, strippers, camgirls e demais trabalhadores do setor. Ela planeja viajar pelo Canadá documentando a vida caseira deles.

“Sempre que a mídia fala sobre trabalhadores sexuais, eles sempre usam aquela foto padrão da garota numa esquina usando meia arrastão”, explica Lindsay. “Acho que se o público realmente pudesse ver um rosto humano, ele perceberia que essas são pessoas reais que vivem entre nós – e talvez isso possa mudar a percepção que muita gente tem.”

Atualmente ela está levantando fundos para a viagem pelo Canadá para o projeto “Home Lives of Sex Workers in Canada”, e procura mais trabalhadores para incluir em seus retratos.

VICE: Você mencionou que as imagens que a mídia mostra de trabalhadores sexuais muitas vezes são fotos clichês, o que é um problema considerando que essas imagens tendem a ser ridículas e afetam a percepção do público.

Lindsay Irene: É ridículo mesmo. Sinto que há muito a ser feito para mudar a imagem dos trabalhadores sexuais. Mas isso não é fácil, porque um grande problema, pelo menos pra mim, é encontrar temas. Porque as pessoas que aceitam já têm que ser muito assumidas como trabalhadores sexuais.

O que você espera trazer para esse projeto para pessoas que não entendem o trabalho sexual?

Sempre que converso com alguém de fora da indústria, a pessoa geralmente vai ter uma imagem muito negativa dessa ocupação. Todo mundo supõe que essas pessoas estão sendo obrigadas a trabalhar nisso contra sua vontade… Todo mundo que conheço faz isso porque quer, porque gosta ou porque é financeiramente lucrativo. Além disso, essas pessoas são gente. São pessoas com um grande coração e que são complexas… Outra coisa que notei é que muitas delas são defensoras dos animais, o que acho muito legal. A principal coisa é mostrar que eles são pessoas que dão duro, que merecem direitos como todo mundo.

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Você disse que notou que muitos desses trabalhadores têm animais de estimação. O que mais você notou nas casas de trabalhadores sexuais até agora no seu projeto?

As casas são muito diferentes. Alguns têm colegas de apartamento. Há muita diversidade: já estive num apartamento no porão, com uma garota que tem uma cobertura de dois quartos… Muitas casas refletem a personalidade do dono; por exemplo, uma garota que tem um apartamento cheio de coisas Star Trek. Todas as casas têm um brilho pessoal. Algumas pessoas têm um quarto separado para o trabalho, e algumas usam o próprio quarto. Não há nada em comum entre as casas. Todas são muito diferentes.

Sienna: “Elegância retrô com um toque moderno”.

Em Toronto, sei que é cada vez mais comum trabalhadores sexuais atuarem em apartamentos. Você pode falar sobre esse cenário?

É muito comum. Em Toronto, já ouvi que um problema é que muitos prédios têm porteiro. Então muitos trabalhadores sexuais são expostos por que as pessoas começam a suspeitar. Mas também é muito comum trabalhadores dividirem acomodações… Em Montreal, visitei um lugar onde cerca de 50 trabalhadores dividem um prédio. Mas outros trabalhadores são mais protetores de seu espaço e preferem não dividir, porque investiram muito nele. Mas é muito legal ver a camaradagem de grandes grupos se juntando e compartilhando recursos.

Owen e Vivienne: “Uma sensação do strip-tease no coração de Toronto” e “Aquele ruiva safada sobre a qual sua mãe te avisou”.

Em uma das fotos, você tem duas pessoas sentadas numa mesa. Você pode falar um pouco mais sobre eles?

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Os dois são trabalhadores sexuais! Acho isso muito incrível.

Já notei que, às vezes, clientes ou fãs ficam irritados quando descobrem que um trabalhador sexual está namorando alguém na vida pessoal.

Eu sei, é muito ridículo! Acho tão estranho quando os clientes ficam putos com isso. Esses dois se chamam de “parceiros” – ela acabou de se mudar do prédio deles, ele continua morando lá… Ela se sentia insegura com alguns vizinhos. Ela se mudou algumas semanas atrás. Eles estão juntos há alguns anos, e são muito carinhosos e apoiam muito um ao outro. Vivienne (na direita na foto) é uma artista muito talentosa e estuda moda. Ela planeja transformar seu apartamento num espaço de arte para exibir artistas locais.

Alguém uma vez viu uma das minhas fotos e disse: “Ah, ela nunca vai poder ter um namorado com esse trabalho”. E eu disse “Não, ela tem um namorado, ele estava segurando o refletor enquanto eu tirava a foto”. É muito frustrante. Muita gente que entrevistei para o projeto tem parceiros, seja em relacionamentos abertos ou monogâmicos. Claro, não é uma ocupação para todo mundo, mas trabalhadores sexuais tratam isso como um emprego – e seus parceiros sabem disso. Alguns dão mais apoio que outros, claro.

Muitos trabalhadores sexuais não tornam sua ocupação pública. Você pode falar por que isso representa um desafio para uma representação apropriada?

Estou no começo do meu projeto ainda, então espero descobrir mais diversidade. O que estou fazendo é encontrar trabalhadores sexuais que já mostram seu rosto na internet e mando mensagem para eles. É difícil encontrar pessoas não brancas que mostram o rosto. Falei com algumas delas sobre isso, algumas para quem fiz as fotos profissionais, e elas disseram que têm medo de virar alvo de violência. Além disso, para algumas é uma questão de não expôr suas famílias e suas culturas.

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Chloe: “Acompanhante anã independente”.

Qual a história por trás de algumas fotos que você gostaria de compartilhar?

A Chloe. Eu já a conhecia porque ela me contratou para tirar as fotos dela. Ela foi uma das primeiras pessoas que pedi para participar do projeto, e ela me deu muito apoio. Fui até a casa dela, que ela comprou sozinha… Ela trabalha como acompanhante, mas também como atendente de disque sexo e num salão de massagem. Ela tem um gato muito fofo. Ela chegou a perseguir um cliente no estacionamento do salão de massagem quando o cara se recusou a pagar uma garota que era iniciante.

A Madison é uma garota muito legal, com cabelo loiro comprido. Ela parece saída de um comercial de loja de departamentos… Ela provavelmente é a pessoa de coração mais puro que já conheci. Ela é muito positiva, sempre sorrindo. Na verdade, ela largou uma carreira com finanças para fazer trabalho sexual, e tem muito sucesso nisso. Ela mora num apartamento de cobertura. Falei com ela e, alguns dias depois, ela viajou para os EUA a trabalho. Na fronteira, eles a pararam. Mesmo nunca tendo mostrado o rosto [na internet a trabalho], eles a identificaram emparelhando fotos do Twitter [de sua conta profissional] com fotos do Instagram privado dela. Eles conseguiram ligar ela ao trabalho sexual, e a proibiram de entrar nos EUA para sempre… Depois disso, ela disse foda-se e decidiu mostrar o rosto na internet. Ela provavelmente é uma das pessoas mais abertas e orgulhosas de ser uma trabalhadora sexual. Já fiz duas sessões de fotos com ela desde então, já que ela queria mostrar o rosto.

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Madison: “Sua garota da porta ao lado”.

Vamos falar sobre a SESTA-FOSTA. Por que é tão importante, agora em particular, mostrar para todo mundo que trabalhadores sexuais são pessoas comuns?

Quando a maioria ouve sobre o SESTA-FOSTA, as pessoas não entendem como isso prejudica trabalhadores sexuais. Elas acham que a lei vai ajudá-los, o que não poderia estar mais longe da verdade agora. Tratar todos os trabalhadores sexuais como vítimas não ajuda a situação deles. Eles são pessoas tentando fazer seu trabalho, e agora seus recursos estão sendo tirados deles – como poder fazer uma análise apropriada dos clientes. O que você espera que trabalhadores sexuais façam se você tirar a fonte de renda deles? É ridículo. Sinto que se o público pudesse ver o tipo de pessoa que está sendo afetada por isso… Eu estava em Toronto quando aprovaram a FOSTA. Os trabalhadores estavam surtando. É uma época muito tumultuada agora. Sei que eles vão superar isso – trabalhadores sexuais são algumas das pessoas mais resilientes que existem. Eles não vão desaparecer. Eles vão ter que encontrar outros meios para anunciar seus serviços. Mas acho que o público precisa entender a verdade.

Saiba mais sobre o projeto da Lindsay “Home Lives of Sex Workers in Canada” visitando a página dela no Kickstarter .

A entrevista foi editada e condensada para maior clareza.

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