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Não existe vício em smartphone

Para pesquisador, nosso vício é em interação social. O problema é o acesso excessivo a algo que desejamos muito.
Tony Lam Hong/ Unsplash

Metade dos adolescentes americanos se diz viciada em smartphones. No Brasil, suspeitamos, o índice deve ser maior. Para onde olhamos, não importa a cidade, vemos um jovem cyborg com a tela grudada nas mãos. A coisa tá tão grave que investidores da Apple pediram à empresa que faça algo para diminuir essa porcentagem. A questão é séria entre os médicos: estudos mostram que o uso excessivo dos aparelhos pode desequilibrar a química do cérebro. Abusar da telinha tem o potencial de causar danos à atenção e mudanças na cognição social entre outros problemas. Mais: o uso do Facebook foi ligado a transtornos como depressão, ansiedade, uso de álcool e distorção da imagem corporal. Além disso, ficar grudado no telefone pode causar danos ao pescoço e à coluna - hérnias, inclusive.

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Mas um pesquisador da Universidade McGill, no Canadá, tem um diagnóstico diferente a respeito da nossa fissura. Segundo Samuel Veissière, especialista em antropologia cognitiva, a atração incessante pelas telas luminosas é um vício social, não um vício em tecnologia.

A antropologia cognitiva, explica, é o campo que estuda como a mente humana evoluiu. De acordo com sua pesquisa, o desejo de estar conectado é um traço evolutivo antigo. Ele revisou dezenas de estudos a respeito do vício em smartphones e chegou à conclusão de que a fixação está no aspecto social dos aparelhos. (E, claro, as marcas se aproveitam disso.)

A pergunta central da abordagem de Veissière é construída em torno "de qual é a função adaptativa" do uso de smartphones. A resposta soa óbvia, mas às vezes a esquecemos: aumentar a conexão social entre os seres humanos. "Gostamos de nos comparar, de saber [da vida dos outros], de competir", diz. O problema, explica, é que a tecnologia nos dá acesso "excessivo a algo que desejamos muito".

Em um artigo a ser publicado na revista Frontiers in Psychology, Samuel Veissière e sua colega Moriah Stendel argumentam que a pronta disponibilidade é um problema também em outros domínios da vida. "Em ambientes pós-industriais onde os alimentos são abundantes e prontamente disponíveis, nossos desejos de gordura e açúcar esculpidos por pressões evolutivas distantes podem entrar facilmente em overdrive insaciável e levar a obesidade, diabetes e doenças cardíacas", dizem. "As necessidades e recompensas pró-sociais podem ser igualmente seqüestrados para produzir um teatro maníaco de monitoramento hiper-social."

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Outras tecnologias têm efeitos negativos semelhantes, argumenta Veissière. Isso mostra que o problema não está no aparelho em si, mas no uso. Um estudo recente mostrou que jogadores de games de ação têm menos matéria cinzenta no hipocampo. Essa característica está associada com o risco de desenvolvimento de depressão, esquizofrenia e Alzheimer. O uso de GPS, indica Veissière, também causa mudanças prejudiciais na fisiologia do cérebro, conforme mostram estudos recentes.

A mudança no foco do smartphone para o aspecto social é "uma ótima notícia", segundo o pesquisador. "É completamente normal ser viciado em [vida social]" e isso mostra que não há nada de errado com o cérebro das pessoas, afirma Veissière. Isso não quer dizer, no entanto, que as pessoas não devam usar menos seus telefones. "É necessário encontrar maneiras de reconquistar o controle", diz.

Para ele, é preciso que exista um movimento "slow tech" (em referência ao slow food), que incentive as pessoas a ficar menos vidradas nas tecnologias. Algumas maneiras eficazes de fazer isso são, segundo o pesquisador, desligar as notificações do celular e criar "políticas de comunicação" com a família e os amigos, ou seja, limitar o número de situações e assuntos que podem ser discutidos virtualmente e aumentar o número de encontros reais.

Resumindo: se você é viciado no seu smartphone, isso provavelmente quer dizer que, na verdade, seu desejo é por conexões humanas, por interações sociais. Às vezes, porém, você pode deixar de lado a espera por likes e notificações e ir encontrar alguém na vida real.

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