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Sexo

O racismo que pessoas não-brancas enfrentam na hora do flerte

“Você é a primeira garota negra que já beijei", “não sou racista, só não sinto atração por marroquinos" ou "você não é como os outros caras negros" são alguns exemplos.
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Traduzido por Marina Schnoor

Matéria originalmente publicada pela VICE Holanda.

Como alguém de família egípcia morando na Holanda, sou constantemente obrigado a rir de tentativas toscas de paquera focadas na minha raça. “Árabes me dão tanto tesão – ouvi que vocês são muito dominantes e agressivos na cama”, por exemplo. “Você é bem bonito pra um marroquino”, é outra.

Fica claro para mim que, para algumas pessoas, transar comigo seria só outra experiência exótica para riscar da sua lista, como fazer wakeboarding ou aulas de salsa. Do outro lado dessa fetichização estão caras que não saem comigo puramente por causa das minhas raízes; uma pessoa já disse na minha cara que não sentia atração por “estrangeiros”. Esse tipo de exclusão baseada em raça está por toda parte – como no Grindr, onde incontáveis perfis mostram termos como “não quero asiáticos” ou “nada de negros”.

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Fiquei curioso em saber se experimentar racismo na cena dos encontros românticos é tão comum quanto parece, então falei com sete pessoas não-brancas da Holanda sobre o papel da raça quando elas estão paquerando, saindo com alguém ou nas suas vidas sexuais.

Sarah, 22 anos, estudante

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Foto via Sarah

VICE: Oi, Sarah, você já teve que lidar com comentários sexuais desagradáveis baseados na sua raça?
Sarah: Sim, toda hora. Caras vivem perguntando se minha vagina é rosa ou não. Geralmente, eles nem estão tentando ser engraçados. E geralmente ouço “piadas” racistas quando estou em bares e clubes, como “Não te vi aí, você é muito escura”. Também ouço comentários que pretendiam ser simpáticos mas são incrivelmente ignorantes. “Você é tão bonita para uma menina negra”, ou “Você é a primeira garota negra que já beijei”. Isso já estragou muitos primeiros encontros, porque não quero me sentir um experimento. Não sou uma fruta exótica que você pode experimentar e jogar fora se não gostar.

Como você responde a comentários assim?
Geralmente digo para a pessoa que não é legal dizer coisas assim. Dá muita raiva quando estou flertando com um cara e do nada, ele faz uma piada sobre a cor da minha pele. Mas tenho que manter a calma, né, ou corro o risco de ser rotulada como “aquela mina negra nervosa”.

Também tenho que tomar cuidado com o que uso para não ser vista automaticamente como “a garota do gueto bunduda que provavelmente adora twerk”, como um cara me descreveu uma vez. Tenho orgulho das minhas raízes na África Ocidental, mas não quero que as pessoas me vejam só por isso.

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Você já foi ignorada por causa disso?
Com certeza, e é muito irritante. Muitas vezes, quando saio com amigas brancas, sou a única que não recebe atenção dos caras.

Myrna, 21 anos, estilista

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Foto cortesia de Myrna.

VICE: Você pode dar um exemplo de comentário racista que já ouviu que pretendia ser sexy?
Myrna: Recentemente, um cara chegou pra mim e disse que eu parecia “exoticamente sexy”. Em bares, sempre ouço comentários sobre meu cabelo cacheado com a intenção de ser paquera, mas que na verdade são intimidadores.

É sempre ruim?
Bom, caras já me disseram que sou mais excitante que garotas brancas, o que considero um elogio em vez de um insulto racista, então nem sempre é ruim. O problema para mim são o preconceito e a exclusão que vêm de alguns comentários.

Como assim?
Já notei que muitos caras brancos acham que eu nunca me interessaria por eles, porque acham que só gosto de garotos marroquinos ou turcos, por exemplo. Na verdade meu namorado é branco, e algumas pessoas ficam chocadas quando descobrem. Também não é muito divertido quando saio com amigas e sou a única sendo ignorada pelos caras.

Shamiro, 32 anos, planejador de eventos

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Foto cortesia de Shamiro.

VICE: Você já teve que lidar com comentários sexuais baseados na sua raça?
Shamiro: Tenho certeza que quase toda pessoa negra já passou por isso, sim. Um amigo me contou uma vez que tem festas de sexo onde homens negros são tratados como ouro em pó, porque são vistos como máquinas de sexo selvagens. Mulheres começam a falar do meu cabelo, me dizem que tenho um cheiro de coco “exótico” e ficam curiosas sobre o que tenho nas calças.

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Quais são as suposições que as pessoas fazem sobre homens negros?
Que somos infiéis, que temos paus enormes e estamos sempre com tesão. Uma garota uma vez me disse que não queria sair comigo porque suspeitava que meu pênis era grande demais para ela, enquanto muitas garotas brancas que conheço dizem que “não sou como os outros caras negros”, mesmo nunca tendo namorado negros. Elas simplesmente supõem que homens negros não tratam mulheres muito bem.

Às vezes você se sente excluído da cena de encontros por causa da cor da sua pele?
Sim – às vezes mulheres me dizem de cara que não sentem atração por negros. E quando eu era mais novo, tive uma namorada que não queria me apresentar para os pais dela porque achava que eles não aceitariam o fato de que estávamos juntos.

Você atrai certos tipos?
Tem garotas brancas que se orgulham de sentir atração por homens negros, e ficam falando sobre toda a cultura negra que consomem. Elas dizem que adoram o Kanye West, como se eu devesse me impressionar com isso.

Elia*, 25 anos, refugiado do Marrocos

VICE: Oi, Elia. Com que tipo de comentários você tem que lidar quando tenta se envolver com pessoas na Holanda?
Elia: No Grindr, muitos homens começam as conversas me chamando de “mestre”, porque homens árabes são vistos como dominantes na cama. Por isso decidi não transar mais com brancos, porque estou cansado de ser fetichizado e sentir que só estou ali para realizar as fantasias sexuais deles. E não vou mais a bares gays, porque nunca me senti confortável. Quando eu tinha acabado de chegar a Holanda, fui para um bar gay e um grupo de caras mais velhos achou que eu estava disposto a tudo. Eles ficavam me pagando bebidas, me tocando, exigindo que eu fosse para a casa deles – não quero mais estar numa situação assim.

Qual a coisa mais estranha que você já experimentou?
Quando eu morava num centro de refugiados no nordeste da Holanda, homens brancos mais velhos vinham regularmente ao acampamento tentar transar com os refugiados. Fui assediado por um cara lá por causa disso.

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Uau. E você também já sofreu rejeição por causa da sua raça?
Ah, sim, com certeza. As pessoas dizem coisas como “Não sou racista, só não sinto atração por marroquinos”.

Linh*, 24 anos, estudante

VICE: Com que frequência as pessoas fazem suposições sobre a sua sexualidade com base na sua raça?
Linh: O tempo todo. Os homens acham que sou selvagem ou submissa na cama, ou acham que sou algum tipo de personagem de hentai japonês. Nem sou japonesa. Uma vez, no Tinder, esse cara tinha literalmente o termo “febre amarela” no perfil dele e não me deixava em paz. E muitos caras não têm vergonha de dizer que querem transar comigo porque acham que eu tenho uma “vagina mais apertada”.

Você sempre acha esses comentários irritantes?
Sim – adoro receber um elogio sobre mim como indivíduo, mas ser rotulada por sua etnia nunca é divertido. Não quero ouvir “Você é muito linda para uma asiática” nem nada assim. Uma vez, quando eu disse para alguém numa festa que achava o DJ bonito, a resposta foi que o DJ provavelmente “não gostava de rolinho primavera”.

Você atrai certos tipos?
Atraio pessoas que parecem achar que transar comigo é riscar alguma coisa de uma lista. Um cara com quem transei disse ao amigo que tinha ficado com “uma garota vietnamita”, como se fosse só um experimento pra ele.

Loubna*, 27 anos

VICE: Você já teve que lidar com comentários sexuais desagradáveis por causa da sua raça?
Loubna: Quando eu ainda usava o véu, os caras tentavam me intimidar com olhares, ou perguntando se eu era virgem. Ou me diziam que eu provavelmente seria mais atraente sem o véu. Um cara uma vez me perguntou se eu era boa em sexo anal, porque tinha ouvido que garotas marroquinas fazem isso para continuar virgens até o casamento. Agora não é mais tão ruim porque não uso mais o véu, mas ainda me dizem que pareço exótica, ou que o sonho deles é transar com uma garota árabe.

Como você reage a esse tipo de comentário?
Eu era muito tímida, então nunca dizia nada e me sentia suja. Sou um pouco mais confiante agora e falo se acho algo inapropriado. Mas também não presto muita atenção nisso. Sei que algumas garotas acham que precisam adotar uma persona “exótica, submissa” para conseguir atenção. Não quero julgá-las, mas pessoalmente não gosto – isso só encoraja certos preconceitos.

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Você sente às vezes que caras não flertam com você por causa da sua origem?
Acho que há dois extremos – homens brancos que não te dão atenção porque acham que você está prometida num casamento arranjado, ou só vão atrás de garotas muçulmanas. E tem os caras que acham que garotas árabes estão desesperadas por qualquer homem, e acham que podem agir do jeito que bem entenderem com a gente.

Reza, 30 anos, DJ

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Foto cortesia de Reza.

VICE: Com que tipos de comentários você tem que lidar sendo um iraniano na cena de encontros holandesa?
Reza: As pessoas estão sempre me perguntando se sou circuncidado, e como é isso. Não há tanto preconceito assim com homens iranianos. Algumas pessoas acham que todos nós tratamos mulheres mal, porque acham que as consideramos inferiores na minha cultura.

E como você responde a isso?
A pergunta da circuncisão é estranha – não posso comparar isso com nada, então o que devo dizer? Geralmente só rio e tento mudar de assunto. Quando se trata de mulheres achando que inevitavelmente vou tratá-las mal, dou tudo de mim para provar que elas estão erradas.

Então algumas mulheres não sairiam com você só por causa da sua raça?
Sim – algumas dizem abertamente que não estão interessadas em homens do Oriente Médio, mas não me importo. Para algumas pessoas, você nunca vai ser bom o suficiente, não importa quanto tente. Não posso obrigar ninguém a gostar de mim.

*Os nomes foram mudados para proteger a identidade dos entrevistados.

Tradução do inglês por Marina Schnoor.