Colombian anti-narcotics police 7th Co., burning down a cocaine lab in the early 90s.
Drogas

Suas drogas estão destruindo o planeta

O mercado ilegal de drogas vem com um custo ambiental significativo, mas não precisava ser assim.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez

A legalização da maconha está ganhando ritmo no mundo todo. Quantidades sem precedentes de cocaína, MDMA e heroína são produzidas atualmente na Colômbia, Holanda e Afeganistão, enquanto laboratórios na China estão bombeando uma sopa de letrinhas de drogas sintéticas no mundo. A demanda global por drogas – são 275 milhões de usuários no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde – continua inabalável, enquanto a capacidade de produção cresce a cada ano.

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Sabemos os custos humanos do tráfico de drogas, como criminalidade, vício e morte. Mas enquanto as narrativas tradicionais da mídia sobre drogas focam em violência, elas muitas vezes ignoram outra armadilha do comércio ilegal de drogas: o impacto ambiental de uma indústria underground gigante sem regulamentação operando no mundo todo. Aqui você lê as maneiras como nosso uso de cannabis, cocaína, MDMA e heroína – e a guerra contra elas – estão fodendo o planeta.

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Uma fazenda de cannabis na Inglaterra. Foto: Stuart Boulton / Alamy Stock Photo

CANNABIS

A droga ilegal mais popular do mundo, a cannabis, cresce em quase qualquer lugar. Certas variedades da planta podem até ser usadas para limpar solo poluído: cânhamo industrial (que não vale a pena fumar, mas é parte da família da cannabis) foi plantado ao redor do reator destruído de Chernobyl na antiga União Soviética nos anos 90, para ajudar a sugar os poluentes radioativos. Em 2017, fazendeiros no sudeste da Itália usaram cânhamo para descontaminar o solo de poluentes emitidos por uma siderúrgica próxima.

Mas a produção de cannabis tem uma grande pegada de carbono. Em parte porque a planta é cultivada em ambientes fechados, já que a maioria dos produtores do mundo querem evitar os olhos das autoridades.

Segundo Dan Sutton do Tantalus Labs, uma firma canadense que produz cannabis natural em estufas, a energia exigida para cultivar 1 quilo de cannabis indoor cria 4.660 quilos de CO2 – a mesma quantidade que você teria se cruzasse os EUA de carro 11 vezes. Ele disse que, apesar do aumento da legalização, cerca de 90% de toda a cannabis americana é cultivada indoor. Pesquisas mostraram que o cultivo de cannabis em ambientes fechados nos EUA representa 1% do total de uso de eletricidade no país, o equivalente a um ano de energia para 1,7 milhão de casas. Segundo pesquisadores da Universidade de Swansea, isso gera 15 milhões de toneladas de gases-estufa anualmente.

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Geoff*, uma das muitas pessoas no mundo que cultivam cannabis secretamente na própria casa, tem uma plantação com nove plantas em Londres – na Inglaterra, quase 10 mil fazendas ilegais de cannabis foram invadidas pela polícia em 2016.

“Cultivo as plantas no porão sob luzes de 1.000 watts”, disse Geoff. “As luzes ficam acesas 24 horas por dia por 60% do ano, o que aquece a sala. Então tenho que refrigerá-la usando ar-condicionado. Mas isso deixa o ar muito seco, então tenho que usar um umidificador. E às vezes um desumidificador. Tenho que filtrar o ar para que a casa não fique fedendo, e tenho que extrair esse ar e também puxar ar fresco. Produzo só 16 quilos por ano. Mas se eu pudesse cultivar mais plantas, legalmente, numa estufa no meu jardim, acho que poderia produzir o dobro disso com zero energia.”

Nos EUA e Canadá, o cultivo legal usando mais de 1 milhão de watts agora é comum. Cultivo de cannabis em estufas ou a céu aberto não apenas eliminam as emissões de carbono do cultivo indoor, mas as plantas funcionam como uma rede que absorve carbono, fixando CO2 nas plantas.

Passar o cultivo de cannabis indoor para céu aberto claramente reduziria a pegada de carbono criada pela uso global de cannabis, disse Sutton. “Se os produtores americanos trocassem para estufas, a energia poupada poderia abastecer todas as casas de Seattle, Portland e São Francisco – juntas – por um ano”, ele disse. “Se você trocasse todo o cultivo de cannabis da Califórnia por cultivo a céu aberto, isso pouparia o dobro de energia do que é produzido por todos os painéis solares do estado – em dobro.”

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Mas esse processo precisa ser regulamentado para minimizar danos para a vida selvagem e reservas de água. Alguns dos produtores de maconha mais renomados dos EUA cultivam no Triângulo Esmeralda na Califórnia, que engloba os condados de Humboldt, Mendocino e Trinity. Produtores de cannabis sem licença a céu aberto usam herbicidas e pesticidas proibidos, matando animais e poluindo o suprimento de água local. Eles também estão roubando esses suprimentos públicos de água: chuva na Califórnia durante a temporada de cultivo, de maio a setembro, é mínima, significando que irrigação precisa ser desviada de córregos e rios. Cannabis também é uma planta sedenta: em 2018, pesquisadores da Universidade Swansea relataram que plantas de cannabis precisam do dobro de água diariamente do que uvas de vinho, e apontaram que os incêndios florestais na Califórnia em 2017 foram exacerbados pelas secas. E em 2015, pesquisadores da Public Library of Science da Califórnia atribuíram as secas recentes a um pico do cultivo sem licença.


Assista: Baseado em Fatos: a legalização da Cannabis no Brasil


O mesmo estudo da Public Library of Science descobriu que cultivo sem licença no estado causou “fragmentação de habitats sensíveis através de desmatamento ilegal [para o plantio de cannabis]; enterro de córregos; entrega de sedimentos, nutrientes, produtos de petróleo e pesticida em córregos; desvio de água da superfície para irrigação, resultando em redução de fluxo e secagem completa de córregos, e mortalidade de vida selvagem terrestre por ingestão de pesticidas”.

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Sutton argumenta que regulamentação é a resposta, dizendo que “um mercado formal e legal como o que temos no Canadá cria empregos, reduz o crime e pode ajudar o meio ambiente”, porque a fotossíntese usa a energia da luz do sol para converter CO2 e água em açúcar e oxigênio. “Como empresa, estamos sempre voltando para a natureza – atualmente usamos plantio compartilhado, minhocas, nematoides, permacultura e reciclagem. A melhor cannabis, para nós e para o meio ambiente, é a cannabis natural”, ele disse.

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Uma fazenda colombiana de coca. Foto: William Meyer / Alamy Stock Photo

COCAÍNA

A Colômbia é a fábrica de cocaína do mundo, produzindo, segundo estimativas da ONU, 1.379 toneladas da droga em 2017, um aumento de quase um terço para 2016. O país tradicionalmente age processando a folha em pasta e pó, além de na exportação – graças em parte a sua longa história de guerra civil, que deixou grandes porções do país sob controle de guerrilhas e paramilitares, com instituições do estado enfraquecidas e corrupção desenfreada.

Quando as folhas de coca são colhidas (geralmente por crianças, cujos dedos rápidos podem fazer $1,50 por dia), a pasta de cocaína e feita em laboratórios na selva, onde os trabalhadores colocam toneladas de folhas em grandes poços cheios de químicos tóxicos, incluindo cal, ácido sulfúrico, mais tarde acrescentando querosene e amônia. Acetona, éter e ácido clorídrico são usados para transformar a pasta em cocaína em pó. Todos esses produtos são jogados fora indiscriminadamente, matando flora e fauna.

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Há pouquíssimos dados sobre isso, já que trabalho de campo é perigoso demais nessas áreas remotas e sem lei. Em 2017, a UNODC estimou as quantidades de químicos envolvidos, num estudo intitulado: Disposal of Chemicals Used in the Illicit Manufacture of Drugs. “Apesar da falta de evidências científicas sobre o impacto exato desse processo no meio ambiente, a cada ano provavelmente milhões de toneladas de resíduos perigosos da produção de cocaína são liberados na natureza”, diz o relatório.

Segundo um projeto de 40 meses financiado pela União Europeia que foi até 2016, quando as colheitas eram menores, a produção anual de cocaína na Colômbia exigia 200 milhões de galões de querosene, 8 milhões de galões de solventes, 2 milhões de galões de ácido sulfúrico, 1 milhão de galões de ácido clorídrico e 25 mil galões de amônia. Tudo despejado ilegalmente em florestas, ralos, no mar ou rios, matando flora, fauna e contaminando o solo.

Num mundo diferente, folhas de coca para cocaína poderiam facilmente ser cultivadas em plantações éticas com padrões ambientais apropriados, similar ao que acontece com o café. Os lucros poderiam ir para produtores e governos, para desenvolver essas regiões com escolas e saúde pública que faltam hoje. Cocaína poderia até ser sintetizada em laboratório do zero.

Um dos impactos mais significativos do cultivo de coca é causado por produtores fugindo de equipes de erradicação e plantando em áreas isoladas de grande biodiversidade, disse a professora Lilliana Davalos, professora de ecologia e evolução da Stony Brook Univesity de Nova York. A Colômbia é um dos países mais biologicamente diversos do mundo, lar de 10% das espécies do mundo. Mas as autoridades empurram os produtores para áreas reclusas e inacessíveis, prejudicando a biodiversidade de jeitos que ainda não foram quantificados. “Se os cocaleros [produtores de folha de coca] pudessem plantar sem ter que se esconder, eles não seriam obrigados a entrar em áreas frágeis de grande biodiversidade”, disse Davalos.

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Mas alguns dos impactos do comércio de cocaína no planeta têm sido exagerados. Em 2008, Francisco Santos Calderón, então vice-presidente da Colômbia, disse a Association of Chief Police Officers da Grã-Bretanha que cada grama de cocaína cheirada no Reino Unido contribuía para quatro metros quadrados de florestas perdidas. Essa alegação rendeu manchetes por anos e nunca foi questionada, mas parece extrapolação. (Segundo a ONU, cada hectare de coca pode produzir 5,6 toneladas de folhas de coca, que podem ser processadas em 8,4 quilos de cocaína pura. Isso é quatro vezes menos terra por grama do que Calderón sugeriu, mas não inclui terras desmatadas para apoiar o comércio de cocaína.)

Em qualquer caso, florestas são desmatadas para a produção de cocaína, mas focar só na cocaína é não ver a imagem toda. A indústria ilegal de cocaína contribuiu apenas com uma fração do desmatamento total da Colômbia. Em 2017, segundo a ONU, coca era cultivada em 171 mil hectares de terra na Colômbia, um aumento de 25% para 2016 – mas isso corresponde a apenas 0,15% das terras do país. Em 2016, Davalos concluiu que “cultivo de coca gera uma perda florestal direta e indireta insignificante”.

Pense assim: O que as pessoas comuns consomem mais, cocaína ou carne? Como também é o caso para as florestas tropicais ao redor do mundo, o desmatamento atual é causado principalmente por agropecuária, migração humana, conflito armado, agricultura e mineração. “O objetivo do argumento de Calderón era associar duas coisas ruins: desmatamento e coca, como se a coca fosse a única causa do desmatamento”, disse Davalos, acrescentando que a maioria do desmatamento na Colômbia foi causado por construções agora abandonadas de estradas nos anos 1960.

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“Isso não quer dizer: 'Não se preocupe, usuário de cocaína, seu hábito não causa danos'”, disse Davalos. “Mas é uma demonização muito específica da coca como sendo algo unicamente ruim, mais prejudicial que outras plantações – isso é uma falácia. A terra usada para cultivar coca é pequena em comparação com pastos, produtivos ou não.”

Os ataques mais indiscriminados contra espaços naturais na Colômbia foram realizados por agentes dos EUA, que faziam missões aéreas para jogar pesticidas em campos de coca entre 1999 e 2015, sob a ofensiva antidrogas Plano Colômbia. Os agentes americanos queriam combater os cartéis de cocaína financiando o exército colombiano, além de aumentar a presença militar americana no país.

As plantações de coca, geralmente cultivadas junto com safras de alimentos, eram bombardeadas com uma versão extremamente forte de Roundup, um herbicida criado pela Monsanto, contendo um químico chamado glifosato. O produto é usado em milhões de fazendas comuns no mundo, mas na Colômbia, ingredientes eram acrescentados nele antes de jogar em plantações de aviões, não cuidadosamente aplicados nas safras.

Sanho Tree, diretor de políticas de drogas do Institute for Policy Studies, uma think tank americana, disse: “O exército americano usou uma versão superpotente do Roundup na Colômbia, combinado com um surfactante, para que ele colassem melhor na vegetação. Vi aviões sobrevoarem a floresta tropical em 2000, liberando nuvens de tempestade dessa coisa. Eles precisavam voar muito alto para evitar os snipers da guerrilha abaixo, significando que a cobertura era enorme. Tudo acabava ensopado com o produto.”

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Glifosato é usado em fazendas de todo o mundo, em conjunto com sementes geneticamente modificadas que são resistentes a ele. Mas na Colômbia, essa aplicação aérea indiscriminada acabou com as plantações de fazendeiros pobres – alimentos, coca, tudo. A maioria não teve outra escolha a não ser se mudar e plantar mais coca. Em maio deste ano, um tribunal dos EUA decidiu que glifosato causou câncer em cidadãos americanos. A Monsanto, agora propriedade da gigante da indústria farmacêutica Bayer, encara mais de 9 mil processos similares nos EUA.

Os esforços de erradicação da coca dos governos americano e colombiano nas últimas décadas não destruíram as plantações de coca. A campanha de aplicação área começou em 1999, mas foi interrompida em 2015 por preocupações de saúde. Missões menores e supostamente mais seguras com drones começaram em 2018.

Mas em março, o presidente Donald Trump disse que a Colômbia não está cumprindo suas responsabilidades para acabar com o cultivo de coca, afirmando bizarramente que seu presidente linha-dura de direita, Ivan Duque, “não fez nada por nós”. A retórica de Trump provavelmente vai provocar a volta da campanha de aplicação aérea lá, disse Jeffrey Villaveces, diretor colombiano da IMMAP, uma rede humanitária de troca de dados.

“O presidente Ivan Duque diz agora que é uma questão de orgulho nacional reinstaurar a fumigação aérea com aviões – não drones”, disse Villaveces. “Considerando a falta de protestos numa audiência constitucional recente para permitir os voos de novo, é muito provável que a aplicação aérea volte quando os processos de paz vacilarem e as plantações atingirem níveis recordes.”

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Sendo assim, usuários de cocaína, como pessoas que comem carne, devem ser culpados pelo dano ao meio ambiente causado por seu hábito? Steve Rolles, analista de políticas da ONG britânica Transform Drug Policy Foundation, disse: “consumo ilegal de cocaína não é possível eticamente. Mas é errado colocar a culpa nos usuários. Todos esses problemas podem ser mitigados, se não eliminados, com um controle apropriado num mercado legal”.

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Uma laboratório de MDMA na Holanda. Foto: Contraband Collection / Alamy Stock Photo

MDMA

A ONU diz que a maioria do MDMA do mundo é produzido por grupos criminosos na Holanda, que tipicamente usam químicos enviados da China para o porto de Antuérpia na Bélgica. O epicentro da produção é Tilburgo, na região do sul de Brabante.

Segundo a polícia holandesa, a produção de drogas em Brabante aumentou consideravelmente nos últimos 10 anos, graças a químicos descobrindo um novo jeito de fazer MDMA, usando um precursor químico chamado glicinato pmk. Até março deste ano, era legal comprar, vender e importar glicinato pmk, que era vendido por £40 a £60 [cerca de R$200 a R$300] o quilo. Cada quilo do químico pode produzir 500 gramas de MDMA, que são vendidos a cerca de £1 [R$5] por grama no atacado – rendendo um lucro de quase 20 vezes aos criminosos.

A maioria dos usuários de MDMA acham que a droga é inofensiva para o planeta. Mas os grupos criminosos de Brabante despejam regularmente os subprodutos tóxicos de seus laboratórios em parques, ruas e florestas, além de na beira de estradas. Para não despejar esses subprodutos venenosos à mão, as gangues amarram juntos vários barris e baldes contendo o lixo tóxico na traseira de suas caminhonetes com as portas abertas e a ponta da corda amarrada numa árvore. Aí eles aceleram, os contêineres são puxados e derramam milhões de litros de ácido clorídrico e sulfúrico e acetona que vão se infiltrar na terra, contaminando o solo, matando a vegetação e ferindo animais que entrem em contato com eles.

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Um policial holandês que gerencia equipes lidando com gangues de drogas, que pediu para permanecer anônimo, disse que em 2018, suas equipes tiveram que limpar locais de despejo de resíduos de MDMA (e, em menor número, anfetamina) quase todo dia por toda a Holanda. “Tivemos 292 locais de despejo ano passado – e esses são apenas os que ficamos sabendo. Algumas gangues simplesmente jogam os químicos no ralo ou na floresta, e não deixam contêineres para trás.” O solo continua contaminado como resultado, é custa €50.000 para limpar cada local.

As gangues até começaram a deixar os químicos nas ruas perto de delegacias, a fonte disse. “Em abril, uma gangue despejou 1.600 litros de químicos numa rua paralela ao quartel-general da polícia perto de Eindhoven. Primeiro eles tentaram deixar os barris, mas por alguma razão desistiram. Então só derramaram os químicos por 3 quilômetros da estrada. O cheiro era insuportável. Um colega disse que ficou com bolhas pelo corpo só de colocar a fita de segurança da polícia ao redor do local do incidente.”

Em dezembro de 2018, um grande laboratório de MDMA produzindo drogas no valor de rua de €3,5 milhões por semana foi descoberto e desmantelado a 200 metros do gabinete de Jan Boelhouwer, prefeito de Gilze em Rijen. “Fiquei muito surpreso”, ele disse a VICE.

“A produção de drogas sintéticas nesta parte da Holanda está totalmente fora de controle”, acrescentou Boelhouwer. “Os políticos em Amsterdã estão em negação sobre a escala do problema aqui.”

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As gangues usam vários métodos para se livrar de seus resíduos, com danos para a flora e fauna através da contaminação do solo. “O despejo em florestas que vemos é apenas parte disso. As gangues abordam fazendeiros e fazem uma oferta: 'te damos €5.000 por mês para jogar nossos químicos na sua lama de porco, aí você pode jogá-la na sua propriedade'. Se os fazendeiros recusam, seus filhos são ameaçados”, disse Boelhouwer. Além disso, vans modificadas já foram encontradas com buracos no assoalho e chassi para ir derramando discretamente os químicos nas ruas e estradas.

Guy Jones, um químico da Reagent-Tests U.K., disse que isso é uma consequência das leis de drogas que obrigam os produtores a trabalhar barato e em segredo. “Ter um processo de produção regulado poderia ajudar nessa questão. Companhias farmacêuticas não jogam seus resíduos nas florestas – porque não precisam”, ele disse. “Elas pagam outras empresas para descartá-los legalmente.”

Em março, a ONU proibiu o glicinato pmk. Como resultado, fornecedores chineses fizeram uma promoção relâmpago com 80% de desconto por quilo. E mesmo que esse precursor tenha sido proibido internacionalmente, novas opções ainda legais estão amplamente disponíveis no mercado pelo mesmo preço ou menos.

Esse tipo de despejo nas matas holandesas é um crime, e precisar ser visto no contexto histórico e legal apropriado. A tendência do uso de glicinato pmk foi desencadeado por uma ofensiva contra a produção de safrol no Camboja em 2008, quando as forças de drogas da ONU apreenderam e queimaram 33 toneladas de óleo de safrol – que oferecia uma das rotas mais fáceis para produzir MDMA.

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O óleo é destilado ilegalmente da raiz de uma árvore conhecida localmente como mreah prew phnom, a Cinnamomum parthenoxylon, que cresce nas Montanhas Cardamomo no oeste do Camboja. Essas florestas ancestrais são lar de mais de 50 das espécies mais ameaçadas do mundo, incluindo o elefante-asiático, o tigre-da-indochina, o crocodilo-siamês, o urso-malaio, o gibão e o pangolim. As árvores são derrubadas, têm as raízes retiradas e destiladas em grandes caldeirões, aquecidos com madeira também tirada da floresta. Quatro árvores mreah prew phnon são necessárias para produzir um barril de 180 galões de óleo de safrol. Seis árvores de outro tipo são cortadas e queimadas para processar uma árvore de safrol.

Esse mercado atingiu um pico em 2008, 2009, mas em 2015, 3.200 litros de óleo foram apreendidos na área, segundo a mídia local. Funcionários da Conservation International confirmaram na época que “ainda há óleo de safrol vindo de Phnom Penh”.

Toby Eastoe, então coordenador de projetos da Conservation International, disse ao Phnom Penh Post: “Depois das apreensões, o processo mudou – então agora eles cortam as árvores e as tiram da floresta como se fosse qualquer outro tipo de madeira. As fábricas de safrol podem estar localizadas em qualquer lugar do país”.

A lógica circular da guerra às drogas é perfeitamente ilustrada por esse processo, segundo Guy Jones. “Leis antidrogas sempre geram inovações em direções negativas. Os químicos passaram para o glicinato pmk como resultado da ofensiva contra o safrol”, ele disse. “Eles tiveram que passar de um processo químico de um passo para um processo de vários, significando mais resíduos, mais materiais crus e mais energia consumida.”

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Parafernália de uso de heroína. Foto: Conrad Elias / Alamy Stock Photo

HEROÍNA

Papoulas de ópio crescem livremente em solo de baixa qualidade sem muita necessidade de manutenção, mas fazendeiros afegãos tentando maximizar suas plantações e renda começaram a plantá-las em áreas desérticas, onde elas exigem práticas de cultivo intensivo e desvio de água, resultando na salinização do solo onde poucas outras plantas podem crescer.

David Mansfield, consultor internacional de políticas de drogas, estudou 20 safras de ópio no Afeganistão. Ele diz que os fazendeiros de papoulas lá estão “verdejando” o deserto – o que parece positivo ouvindo assim. Mas a história real não é tão simples.

“No Afeganistão, vemos os lençóis freáticos sendo usados por cidadãos para a agricultura. Isso é mais intenso nas áreas antes desérticas do sudoeste, onde as plantações de papoulas se concentram”, ele disse a VICE. “Nessas áreas, mais de 300 mil hectares de deserto foram ocupados para produção agrícola em 15 anos. Essas plantações cada vez mais são irrigadas com poços artesianos movidos a energia solar, que estão esgotando os lençóis freáticos. Com energia solar, os fazendeiros consideram a água 'grátis' e a exploram ainda mais, usando energia solar de dia e diesel à noite para aumentar o fluxo e ter mais terra para cultivar.”

Como novas áreas produtivas, Mansfield disse que agora há vastas áreas de terra que foram salinizadas depois que parte da água de irrigação evaporou das fazendas, deixando para trás terra braqueada e salgada. Herbicidas poderosos são usados normalmente nas plantações, geralmente por homens e crianças sem treinamento que não usam proteção para trabalhar nos campos. Ele acrescenta que um aumento dos níveis de nitratos venenosos estão aparecendo agora nos lençóis freáticos.

E AGORA?

Se a pessoa está determinada a ter a consciência limpa enquanto chapa, pode se tornar autossuficiente – cultivando seus próprios cogumelos, cannabis a céu aberto ou cactos psicoativos se tiver muita, muita paciência. Comércio ético de casca de árvore com DMT existe, mas você é preciso extraí-lo sozinho usando químicos tóxicos e arriscando pegar vários anos de cadeia. É ilegal, mas é possível, e a internet está cheia de guias e suprimentos para consumo ético.

Estimulantes são um problema maior. A opção mais ecológica seria usar drogas feitas na China como etilfenidato, fenmetrazina e seus análogos, já que essas drogas geralmente são produzidas como atividade secundária por empresas farmacêuticas legítimas com padrões (mesmo que mínimos) de gerenciamento de resíduos. Todas essas drogas são ilegais no Reino Unido e em boa parte do mundo, e sabemos pouco sobre seus efeitos colaterais em comparação com as escolhas já estabelecidas como anfetamina e cocaína.

Como a pessoa escolhe chapar, comer ou viajar é uma questão complexa de padrões éticos pessoais. Mas até que julgamentos morais falhos e ciência tosca parem de sustentar nossas leis de drogas – e os mercados ilegais sejam desmantelados e substituídos por mercados legais comandados por especialistas em vez de criminosos – sempre haverá impactos evitáveis e prejudiciais, e a culpa sendo jogada nos usuários.

Os danos ambientais da produção de drogas são inegáveis e lamentáveis. Mas como especialistas disseram, o jeito mais rápido de remediar isso é rescindir nossas leis datadas de drogas e regular, monitorar e controlar formalmente esses mercados tão lucrativos.

*Os nomes foram mudados para proteger a identidade das fontes.

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