Noticias

Exclusivo: O atirador de Dayton tinha uma banda de pornogrind que fazia músicas sobre estuprar e matar mulheres

O Menstrual Munchies lançou discos como “6 Ways of Female Butchery”, com arte de capa mostrando estupro e mutilação de corpos de mulheres.
dayton massacre
Calçados empilhados na frente da cena do atentado com arma de fogo no Ned Peppers Bar, domingo, 4 de agosto de 2019, em Dayton, Ohio. (AP Photo/John Minchillo)

Antes de matar nove pessoas num atentado com arma de fogo em Dayton, Ohio, na madrugada de domingo, Connor Betts estava profundamente envolvido na cena musical misógina do “goregrind” ou “pornogrind”. O gênero de hardcore tem fãs no Meio Oeste e é conhecido pelas letras sexualmente violentas e obcecadas por morte, e por imagética retratando mulheres de formas degradantes.

No último ano, o atirador de 24 anos cantava nos shows da banda Menstrual Munchies, que lançou álbuns intitulados “6 Ways of Female Butchery” e “Preeteen Daughter Pu$$y Slaughter”, com capas mostrando estupro e massacre de corpos femininos. Ele também se apresentava com um grupo chamado Putrid Liquid.

Publicidade

Um dos colegas de banda de Betts, Jesse Creekbaum, 25 anos, está tirando as gravações do ar. Ele disse que teme que a música vulgar que ele produziu transforme um assassino num herói cult. Betts foi morto na cena do crime pela polícia. Creekbaum também recebeu ameaças de morte na internet por sua associação com Betts.

Creekbaum, que compõe e grava músicas com o nome Menstrual Munchies há mais de cinco anos, diz que fazia isso como uma brincadeira e está enojado em perceber que Betts aparentemente levava a coisa a sério.

“Me sinto um merda por ter deixado ele entrar na banda, fazer essas letras”, disse Creekbaum. “Porque sei, tipo, mesmo vendo isso como uma piada – tipo 'Vamos tocar isso e chocar as pessoas', e das pessoas que conhecem rirem – ele não via como piada. Ele estava pensando, tipo, 'Foda-se, vamos fazer isso mesmo'.”

“Tipo, Jesus, quanto disso era a vida real pra ele?”, disse o colega de banda.

Além de retirar as gravações da banda da internet, Creekbaum está falando com pessoas que postaram suas músicas e vídeos e pedindo que esses registros também sejam removidos.

Tipo, Jesus, quanto disso era a vida real pra ele?”

“Tirei tudo do ar. Estou tentando fazer todo mundo que conheço tirar essa coisas do ar”, ele disse. “Não quero ser associado com isso. Não quero que isso exploda. Não quero que ele seja romantizado. Não quero nada disso romantizado. Quero que as pessoas o apaguem da história.”

Publicidade

A cena Pornogrind

A cena de pornogrind do Meio Oeste americano existe num bolsão obscuro de um gênero de grindcore, e consiste de um punhado de bandas que muitas vezes fazem shows para si mesmas ou um público pequeno. Mesmo bandas mais conhecidas do gênero, como a Cock and Ball Torture da Alemanha, têm apenas alguns milhares de fãs no Facebook.

O Menstrual Munchies geralmente se apresentava com outras bandas regionais como Necro Cannibal Ass Grinder, Bill Nye da Nazi Spy e Cunt Torch, tocando em festivais como o Pornfieldz of Illinoise Grindfest ou num antigo bar em Columbia, Missouri, chamado UPS – Under the Porn Shop, porque ficava no porão da Venus Adult Megastore, propriedade da mãe de um dos nomes da cena, Zach Walton, da banda Groin Mallet.

Numa entrevista por telefone, Walton, que já teve o Menstrual Munchies tocando em seu bar, disse que a cena do pornogrind é muito unida, e que ele e seus amigos estão devastados com o que Betts fez. Mas ele não acredita que o conteúdo da música contribuiu para as ações do atirador.

“É a música que amamos, sabe, tipo, é divertido de tocar. É cheia de energia e não existe mais nada assim. Então tocamos”, disse Walton, de 29 anos. “E aí você tem pessoas assim, que, sabe, são doentes da cabeça, que entram na nossa cena e acabam matando nove pessoas e quase, sabe, dando um mau nome para nossa cena. E isso não é justo com a gente.”

Betts não estava envolvido na composição ou gravação das músicas, só era o vocalista nos shows ao vivo do Menstrual Munchies. Mesmo assim, Creekbaum disse que apagou as páginas da banda no Facebook, Bandcamp e YouTube. Mas uma versão salva da página deles do Bandcamp no Internet Archive revela a arte e títulos dos álbuns sexualmente violentos e degradantes da banda.

Publicidade

Muitas das músicas da banda ainda podem ser acessadas em outros sites. Os membros do Putrid Liquid não responderam os pedidos de comentário que mandamos na página deles no Bandcamp, que continua ativa.

Creekbaum disse que se sente em conflito: por um lado, ele acredita que a música e a arte não incentivam ninguém a cometer assassinato, por outro, ele se sente culpado por ter se envolvido com alguém que realizou violência similar ao tipo retratado em suas músicas.

Creekbaum disse que contatou a polícia de Dayton imediatamente depois de ouvir a notícia, mas que não teve resposta. Mas o FBI foi até a casa dele na segunda-feira e o interrogou.

O comportamento bizarro de Betts

Olhando para trás, havia pistas de que algo não estava certo com Betts. Betts era solitário e emocionalmente retraído, Creekbaum e outros da cena dissera a VICE News.

Creekbaum disse que Betts uma vez levou um revólver para uma turnê em Iowa, e sugeriu aos outros roubar um posto de gasolina – o que fez Creekbaum repreender Betts, mesmo não levando a sugestão a sério.

Ele disse que ele e os outros membros da banda tinham se distanciado recentemente de Betts por causa de seu comportamento bizarro, incluindo falar em termos realistas sobre a violência retratada nas músicas, contar histórias sobre seu passado como usuário de metanfetamina e mentir sobre ter ficha policial.

Ele disse que Betts também falou sobre um incidente em que ele foi suspenso no ensino médio por ter uma “lista de mortes” e uma “lista de estupros”, com os nomes de colegas contra quem ele queria cometer violência. E Betts mencionou para Creekbaum que tinha depressão. Ainda assim, Creekbaum disse que não achava que Betts era capaz de cometer um massacre.

Publicidade

“Acho que ele decidiu se matar, e pensou 'Não tenho colhões para fazer isso' e resolveu sacar uma arma”, especulou Creekbaum.

A banda não tocava desde que Creekbaum descobriu em julho que Betts tinha entrado em contato com pessoas que tinham ido a um show recente pela internet, e pedido que elas enviassem dinheiro para ele por PayPal, algo que Creekbaum achou inaceitável.

A música foi criada para ser polêmica, disse Creekbaum, inspirada no trabalho de nomes do shock-rock como Mentors e GG Allin. Ele geralmente tocava nu usando uma máscara de executor. Num vídeo, os membros da banda são vistos tocando nus, usando apenas barba e gorro de Papai Noel.

E se eles queriam gerar polêmica, conseguiram. Creekbaum disse que mesmo amigos próximos acham a imagética misógina exagerada. Agora, a música com certeza será examinada num diálogo nacional, enquanto críticos sociais apontam a masculinidade tóxica como uma raiz do terrorismo doméstico.

As supostas crenças políticas de Betts também estão atraindo escrutínio. Ele se identificava como antifascista, e criticava nazistas e violência armada em postagens nas redes sociais que agora foram removidas do Twitter e Facebook. Pessoas da direita estão usando isso para dizer que a ideologia dele era parte do motivo para o atentado.

A banda de metal extremo antifascista Neckbeard Deathcamp foi rápida para distanciar Betts de sua cena.

1565032667346-Screen-Shot-2019-08-05-at-30320-PM

“Ah, acontece que o atirador de Dayton era literalmente Connor fucking Betts”, o Neckbeard Deathcamp escreveu num tuíte agora deletado. “Acho que você não deveria usar o termo esquerdista para designar qualquer cara do Menstrual Munchies. Antifascistas, claro. Mas nada legais com as mulheres.”

Publicidade

“Só mais um cara do grind de Ohio dizendo que tem políticas progressistas enquanto trata as mulheres como lixo”, a banda continuou em outro tuíte. A banda fez uma thread depois explicando que eles não conheciam Betts, mesmo ele seguindo a banda no Twitter.

Ryan Ward, do Cunt Torch de Ohio, uma banda que tocava regularmente com o Menstrual Munchies, comparou a reação negativa com como Marilyn Manson e South Park foram culpados pelo atentado de Columbine, mas reconheceu que o caso é diferente agora porque um membro de uma banda cometeu o ato hediondo, não apenas um fã.

Ainda assim, ele diz que acha difícil acreditar que a desumanização retratada nas músicas contribuiu para um ambiente onde Betts foi dessensibilizado o suficiente para cometer um ato de violência real, incluindo matar a irmã e o namorado dela.

“Parte da música é tentar achar jeitos de retratar as pessoas como desumanizadas o máximo possível, sabe, degradadas. E desumanização e objetificação sexual é um grande jeito de fazer isso”, disse Ward. “Se algumas músicas que ele fez ou sei lá, fez isso como ele, acho que isso é uma exceção, não regra quando se trata das pessoas fazendo essa música.

“Sinto que é nossa responsabilidade deixar claro para as pessoas que não, isso não é o que realmente defendemos”, ele acrescentou. “Nossas músicas não são profecias, sabe, não são mensagens de presságio que devem se tornar realidade. São só músicas.”

Imagem do topo: Calçados empilhados na frente da cena do atentado com arma de fogo no Ned Peppers Bar, domingo, 4 de agosto de 2019, em Dayton, Ohio. (AP Photo/John Minchillo)

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube.