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Por que a investigação nos fundos de pensão pode doer no seu bolso?

Enquanto as perdas da população com a operação Lava Jato são indiretas, o prejuízo na fraude aos fundos de pensão tem efeito direto no bolso do trabalhador.

Na primeira segunda-feira de setembro último, dia 5, a Polícia Federal partiu para cima do mercado financeiro com a Operação Greenfield, que investiga aplicações suspeitas feitas pelos gestores dos quatro maiores fundos de pensão brasileiros, Previ (do Banco do Brasil), Petrus (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica) e Postalis (Correios). Os números ganharam manchete: cinco figurões presos, 28 outros conduzidos para prestar depoimento e R$ 8 bilhões bloqueados.

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Semanas depois, os homens do dinheiro continuam ouriçados, uma meia dúzia de executivos foi afastada dos seus cargos, o presidente da Previ jura de pé junto que não fez nada de errado e os irmãos Mendonça Batista deram R$ 1.8 bilhões em garantias para que pudessem voltar ao timão da J&F, holding que controla a JBS — Friboi, para os íntimos — e também a Eldorado Celulose, metida no meio desse imbróglio todo. OAS e Bradesco também já fizeram acordos semelhantes. Mas, afinal, o que tudo isso quer dizer? Especialmente pra você, jovem, sem dinheiro e com uma aposentadoria futura bem ameaçada?

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Em primeiro lugar, ainda que o modus operandi e muitos dos personagens se repitam, a Greenfield não tem nada a ver com a operação Lava Jato — esta investiga superfaturamento em obras, a outra, em investimentos. Isso ocorreu por meio da compra de cotas em Fundos de Investimentos em Aplicações (FIP) por valores muito além do que poderiam render no futuro.

Os tais FIPs são um fatiamento em cotas de participações em determinado negócios, utilizados por grandes companhias para levantar dinheiro e viabilizar empreendimentos caros. Segundo a Federal, os manda-chuva da Previ, Petrus, Funcef e Postalis (cargos alcançados por indicação política ou de sindicatos) compraram cotas em pelo menos oito destes Fundos por um valor excessivo. No jargão do meio, investimentos "temerários ou fraudulentos".

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Enquanto as perdas da população com a Lava Jato são indiretas, o prejuízo na fraude aos fundos de pensão tem efeito direto no bolso do peão.

A diferença gritante entre as duas operações, no entanto, é que enquanto as perdas da população com a Lava Jato são indiretas, o prejuízo na fraude aos fundos de pensão tem efeito direto no bolso do peão. Afinal, os rombos causados pelo dinheiro desviado ou mal aplicado acabam por deixar a rapaziada a ver navios na hora de receber o que pagou a vida inteira para ter direito.

Explicamos: instituídos em 1977, os fundos de pensão foram uma ferramenta encontrada pela ditadura militar para alavancar o mercado de capitais, cujas bolsas de valores haviam se tornado independente do Estado na década anterior. Ao prometer para os trabalhadores um complemento na aposentadoria frente ao pagamento mensal de cotas para uma instituição ligada ao seu contratante, seja ele uma empresa privada ou estatal, o governo fez a roda do dinheiro girar.

"Os fundos de pensão são responsáveis por até 18% do total movimento em bolsas de valores no Brasil hoje, e dois terços disso vêm dos fundos de empresas estatais", diz José Roberto Savoio, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. "Além de ser expressivo dentro do total movimentado no mercado, o dinheiro dos fundos é visado porque é um investimento a longo prazo. A liquidez, o momento de resgatar o dinheiro aplicado, pode aguardar vários anos, o que reforça a sua importância relativa na economia brasileira", explica Savoio. Ou seja, do ponto de vista do mercado financeiro, o tipo de movimentação investigada pela Greenfield não é normal, mas sim essencial.

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Já do ponto de vista dos correntistas, os mesmos investimentos garantem o sonhado conforto na aposentadoria. Afinal, é isso que prometem os fundos de pensão. Ao fechar um contrato com essas instituições e ceder um pouco mais do salário todo mês, as pessoas buscam nivelar o vencimento na velhice ao que ganham enquanto ainda trabalham. Um exemplo hipotético: o Maciel recebe R$ 5 mil ao mês na Caixa Econômica Federal, mas sua aposentadoria prevista (baseada na contribuição à Previdência Social ao longo da vida) fica em torno de R$ 2.5 mil. Se ele participa da Funcef, o fundo pagará a outra metade que falta para o Maciel continuar vivendo com cincão ao mês. É opcional, mas desenhado para ser irresistível.

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"É justamente esse conforto que torna as operações de risco necessárias. Para conseguirem pagar todos os benefícios, é preciso um rendimento anual ao redor de 5.5% além da inflação", conta o professor da USP. Opções mais conservadoras, como os títulos públicos (fatias da dívida do Governo Federal que não oferecem perigo de calote), não chegam a tanto, e compõe a carteira dos fundos como lastro de segurança.

No grosso, os fundos de pensão oferecem a possibilidade de depender apenas de si próprio no futuro, assim como outras modalidades de previdência privada. Em conceito, trata-se de um contraponto à previdência social, que parte do princípio de repartição coletiva, com uma geração custeando a anterior com perspectivas de ser custada pela próxima.

"Eu costumo chamar os fundos de pensão de não-previdência, na verdade", diz Sara Granemann, professora da Escola de Serviço Social da UFRJ. "É um investimento financeiro feito para azeitar o mercado de capitais com o dinheiro dos trabalhadores. Para que confiassem nisso, não poderia chamar de jabuti ou elefante, tinha que atrelar à previdência e propagandear a proteção na velhice", conta Sara. Ainda que os casos investigados na Greenfield sejam excepcionais, a professora é enfática ao desmistificar a segurança dos fundos de pensão mesmo em condições normais: "Eles quebram com mais facilidade que supõe a nossa vã poupança". Mas, ao contrário do que diz o comentário de portal afoito, o governo não gasta sequer um centavo para impedir que isso ocorra.

O Postalis é emblemático nesse caso. Com rombo próximo a R$ 5 bilhões, o fundo decidiu colocar metade do prejuízo na conta dos participantes. Em outras palavras, os funcionários dos Correios que entraram nessa esperando o pote de ouro no fim do arco-íris se viram obrigados a abrir mão de mais de 25% dos seus salários para manter o fundo viável. Muitos preferiram abandonar o barco para manter o vencimento integral — e, com isso, perderam as economias aplicadas no Postalis. Essa não é a única medida, claro. "Há tentativas de recuperações de recursos por via judicial, melhoria de gestão, regras rígidas de investimento, novo modelo de governança que impeça decisões semelhantes às tomadas no passado. Mas, até que todas essas medidas produzam melhoras na performance, será necessário o aumento de contribuições", explica José Roberto Savoio.

Para o professor, quando se analisa o histórico dos fundos de pensão sobram exemplos de sucesso: "A taxa de adesão tanto em empresas públicas e privadas é muito alta e existe um número muito grande de aposentados que tem complementos elevados. Então o modelo é bem-sucedido, mas é preciso ter cuidado para que não seja abalado". O problema é que quando isso acontece, para variar, a corda estoura do lado mais fraco. Mesmo com o retorno de divisas por meio das empresas e fundos de investimentos beneficiados com os investimentos fraudulentos, sempre sobram uns dois ou três quinhões de dinheiro que precisam ser pagos por aqueles que, em tese, seriam os beneficiados pelos fundos de pensão. E aí o que era para ser refresco vira dor de cabeça.

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