Todas as vezes que minha doença mental me fez ser demitido

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Todas as vezes que minha doença mental me fez ser demitido

É difícil manter um emprego quando sair da cama é sua maior conquista do dia.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Austrália.

Estou no serviço de classificados de emprego para deficientes, ouvindo um funcionário ter uma conversa séria com um colega desempregado sobre "os muçulmanos" tentando "proibir o Natal". Uma conversa que já ouvi antes num sonho delirante com Sean Hannity.

É esse o cara responsável por me ajudar a encontrar trabalho.

Me vejo entre empregos com frequência. Meu histórico profissional seria descrito como "irregular" na melhor das hipóteses. Bipolaridade, depressão, ansiedade — essas coisas não bem-vistas no mundo profissional, fora quando se fala em ser carcereiro de prisões terceirizadas ou trabalhar no Ministério da Imigração da Austrália.

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Junto com hipomania, minha propensão a fazer merda geralmente corre solta: meu cérebro não tem os filtros que me impedem de dizer pro meu chefe coisas como "sua esposa me lembra aquelas histórias de gladiadores anões despedaçados por leões". Ou que nosso principal cliente tem "o nariz amassado e a política de um jovem JohBjelke Petersen".

Então não é surpresa que eu seja demitido. Com frequência. Também já pedi demissão várias vezes. Ah, e também simplesmente abandono empregos. Olhando para os meus maiores sucessos, um padrão claro surge:

Barraquinha de Limonada

Cresci na Austrália de Peter Menzies — nos dourados anos 50 — o que quer dizer que cresci na Austrália de John Howard, no meio dos anos 90. Desculpe, as duras eras são indiscerníveis para mim.

Esperando descolar uns trocados, fosse para comprar sacolé ou enfiar no porquinho, alguns amigos e eu tentamos vender limonada. Nossa primeira empreitada no mundo dos negócios estava indo bem até que meu amigo Ed saiu para buscar suprimentos. Sozinho, derramei de propósito açúcar em todo o balcão e escrevi "FUCK COKE" nele. No meu cérebro de nove anos, essa era minha contribuição para a guerra contra os refri. Acho que não sou um capitalista natural.

Bom, aí meus amigos me mandaram embora.

Loja de Discos

Sabe quem são os homens mais escrotos do mundo? Pais que são expulsos de jogos escolares por xingar o outro time de futebol infantil vêm em segundo lugar. Os primeiros são os caras de 30 e poucos anos atrás do balcão de lojas de discos.

Eu sei porque era o único garoto trabalhando entre esses caras. Eles não faziam porra nenhuma. Eles só ficavam lá, usando seu capital cultural pífio para xavecar meninas de 16 anos e distratando os balconistas de 14 que não tinham uma coleção decente de cassetes piratas do The Triffids.

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Um dia, eu disse ao meu "chefe" que a banda dele parecia o John Butler Trio se o público deles fossem homens emocionalmente atrofiados de 50 anos (não de 40) e se John Butler não soubesse tocar guitarra.

Bom, ele me mandou embora.

Vendedor de Filtro de Água

Imagem via.

Eu tinha 21 anos quando aceitei um trabalho ridículo como "vendedor" de filtro de água. Vi o anúncio na internet e liguei para o número. Um cara alemão atendeu, e quase imediatamente me deixou entrar em seu esquema: eu convenceria empresas a assinar um contrato de locação de seu sistema de filtração de água. A longo prazo, isso acabava custando quase cinco vezes mais que comprar um filtro de água normal. O que poderia dar errado?

Passei um dia de temperatura recorde de 43º C andando pelo distrito industrial da cidade de Perth, tentando fazer empresas assinarem o golpe. Claro, como resposta recebi vários "vai se foder", "sai daqui" e "leve essa merda pra outro lugar". O único contrato que consegui foi com os cientologistas, e vamos ser sinceros, você consegue vender bolacha de amianto para eles.

No meio do meu turno, com o sol a pino, tirei a camisa e a calça e deitei embaixo de um eucalipto. Olhando para seus galhos venenosos, parei para pensar na vida: "Como foi que eu acabei aqui?" Nunca subestime a crise existencial que a depressão profunda proporciona.

Bom, depois entrei num pub, enchi a cara, e nunca mais atendi as ligações daquele alemão maluco.

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Freela de Revista

Trabalhar de freelancer é meio escroto. Você produz conteúdo que contribui para a dissolução da mente de colmeia das sociedades, fala com bandas toscas sobre seus discos toscos e ganha uma merreca. Quando uma voz na sua cabeça fica repetindo "se mata", é difícil vomitar mais 350 palavras sobre a última banda de psy-rock pentelha a sair da cena universitária local.

Eu estava no período de experiência numa revista quando o dono desenterrou uma foto minha usando uma venda preta e enforcando um boneco (longa história). Ele fez um velocímetro com as mãos e disse "Você está aqui" (180 km/h) e "Queremos você aqui" (aproximadamente 30 km/h).

Bom, ele me mandou embora.

Assistente pessoal

Cara. Dessa vez meu chefe era mais louco que eu. Dava para escrever um livro. Lembro de me sentar no carro dele, me agarrando ao banco, enquanto ele acelerava tocando alto a trilha sonora ainda não masterizada do musical de escola que ele estava produzindo, literalmente chamado Cruisin' the Musical. Meu chefe estava se gabando da vez que abriu para os Rolling Stones quando eles vieram para a Austrália em 1961.

No momento seguinte, ele estava fingindo falar no telefone com o ícone do tênis Pat Rafter. No almoço, ele me comprou duas casquinhas de sorvete. Lembro de fazer o possível para comer as duas ao mesmo tempo, enquanto elas derretiam nas minhas mãos no porto de pesca de Mandurah.

Nas "reuniões", ele rabiscava anotações em copos de café e guardanapos. Eu passava horas tentando decifrar o que parecia uma tentativa paranoica de desvendar o assassinato do Kennedy. Nosso "produto" era um videogame de gramática, desenvolvido por ucranianos — com seu entendimento ucraniano do inglês.

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Um dia meu chefe me ligou e perguntou "Onde você está?" Eu respondi "Estou nos EUA e vou ficar aqui por uns três meses… Então… tchau?"

Bom, ele…

Imagem via.

Esses são apenas alguns exemplos escolhidos a dedo. Escrevi sobre essas situações porque foram engraçadas, né, porque não quero perder esse emprego também (haha, brincadeira, mas sério). Doenças mentais — seja mania, pensamentos obsessivos, anedonia, ansiedade severa, TEPT, etc — fazem um trabalho ser tão confiável quanto uma saúde mental estável. Você não tem garantias. A realidade é que é difícil manter um emprego quando sair da cama é sua maior conquista do dia.

Mas tenho sorte. O sistema de seguro-desemprego australiano é brutal mesmo quando você é "são". Coloque doença mental na mistura e a coisa só piora. Como um depressivo crônico, ter que fazer 12 entrevistas de emprego e apresentar 12 rejeições por quinzena era pesado. O subtexto do diálogo dos funcionários responsáveis por ajudar os desempregados com deficiência era pesado. Ver pessoas em situação muito pior que a minha serem mastigados por esse processo era pesado. Posso rir dessas experiências porque tenho uma família que me apoia. Pouca gente tem essa sorte. Nossa sociedade já injeta muito culpa e vergonha nas doenças mentais. Junte a isso à culpa e à vergonha de ser jovem, desempregado e supostamente "capaz", e você tem algo muito mais caótico que duas casquinhas de sorvete derretendo num brunch de trabalho. Você tem um desastre das proporções de Cruisin' the Musical.

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Tradução: Marina Schnoor.

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