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A VICE Adora a Magnum

O Stuart Franklin Vai Muito Além da Foto Mais Famosa do Século 20

O Stuart Franklin já foi presidente da Magnum Photos e é dele a foto de um cara desafiando uma fila de tanques na Praça da Paz Celestial

Irlanda do Norte. Belfast. Conflitos, 1985.

Magnum é provavelmente a agência de fotógrafos mais famosa do mundo. Mesmo que você não tivesse ouvido falar dela até agora, é muito provável que já conheça suas imagens – seja a cobertura de Robert Capa da Guerra Civil Espanhola, ou as férias bem britânicas de Martin Parr. Diferente da maioria das agências, os membros da Magnum são selecionados pelos outros fotógrafos da agência e, como eles são a maior agência de fotógrafos do mundo, se tornar um membro é algo muito difícil. Como parte de uma parceria com a Magnum, vamos apresentar o perfil de alguns de seus fotógrafos nas próximas semanas.

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Stuart Franklin, que já foi presidente da Magnum, é provavelmente mais conhecido por sua foto de um cara de aparência normal segurando uma sacola de compras e desafiando uma fila de tanques na Praça da Paz Celestial. Ainda sim, como descobri depois de conversar com ele, essa foto não foi a sensação instantânea que as pessoas podem imaginar. Ele me contou sobre o efeito que a escola de arte teve em seu trabalho; a diferença entre abordagem e estilo; o que realmente significa “fotografia de notícias” e sobre ser pego no meio da tragédia no Estádio Heysel.

VICE: Diferentemente de algumas das outras pessoas com quem conversamos para esta série, você teve um treinamento clássico em artes.
Stuart Franklin: Estudei desenho, pintura e fotografia num curso de graduação no que costumava ser a Faculdade de Arte e Design de West Surrey.

Você acha que isso influenciou a maneira como você trabalha?
Em termos de fotografia, isso me deu uma noção melhor de iluminação e me levou a não ter medo de nada — formatos ou obstáculos técnicos. Já na pós-produção, fui capaz de fazer meu próprio laboratório em Londres, processar meus filmes e funções como um fotógrafo editorial, o que foi muito útil.

Manchester, Inglaterra. Área de Moss Side, 1986.

Sinto que talvez seus estilos e assuntos sejam mais variados se comparados àqueles da maioria dos fotógrafos. Você atribui isso à sua despreocupação com formatos e técnicas?
Acredito que devemos considerar duas coisas: uma é o estilo e outra, a abordagem. Acho que a abordagem que tenho da fotografia é bastante consistente por meio de todo o quadro. É uma abordagem considerada e suave com a qual tenho trabalhado em quase todos os contextos. As ferramentas que coloco na minha bagagem para abordar diferentes atribuições ou projetos variam muito. Elas se tornam um estilo localizado e temporário, mas acho que por baixo delas, há essa imensa linha de baixo, a qual lida com minha abordagem na tentativa de ser bastante gracioso e silencioso. As ferramentas são as que escolho num determinado dia — pode ser um lápis ou uma câmera.

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Você se tornou conhecido depois de cobrir a fome no Sahel no meio dos anos 1980, imediatamente depois de terminar seu curso de arte. Como você fez a transição para o fotojornalismo?
No começo dos anos 1980, fiz um trabalho na Cidade do México apoiado pela Telegraph Magazine. Também fiz muitos trabalhos no norte da Inglaterra observando o declínio da indústria de manufatura, bem como coisas similares na França, no Pas-de-Calais e áreas ao redor do Metz. Esses foram meus primeiros trabalhos. Juntei-me a Sigma em 1980 e, por um período de cinco anos, eles me mandaram para cobrir, principalmente, as últimas notícias. A principal grande história que cobri nessa época foi o atentado à bomba aos quartéis norte-americanos em Beirute, onde acredito que 285 soldados tenham morrido. [Na verdade foram 241; mais 58 soldados franceses numa explosão separada nas proximidades dois minutos depois. Seis civis e dois terroristas também morreram.] Também cobri a guerra civil no Líbano num contexto mais amplo, e isso tudo aconteceu antes que eu fosse para o Sahel cobrir a fome.

Beirute, Líbano. 1983. Soldados norte-americanos vasculham os escombros no rescaldo da explosão de um caminhão bomba em Beirute.

Como esses primeiros trabalhos se comparam às expectativas que você tinha? Ter a fotografia como emprego foi um choque?
Lembro que um dos meus primeiros trabalhos com a Sigma foi os atentados do IRA no Hyde Park e no Regent's Park em 1982, perto do prédio da guarda montada. A Sigma ligou de Paris e pediu que eu cobrisse a história. Cheguei lá para ver o cordão de isolamento da polícia a muitos metros de distância de onde tudo tinha acontecido. Eu disse a eles que não parecia muito interessante. Aprendi então que, em situações de notícia, qualquer coisa visual é valiosa — mesmo que seja só uma foto do cordão da polícia com alguma coisa borrada ao fundo.

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O material de qualquer guerra ou notícia anula o potencial estético por um tempo, e isso foi um grande choque para mim. Eu esperava fazer fotografias poderosas e impressionantes, mas muitas vezes eles só esperavam que eu fotografasse qualquer coisa que conseguisse.

Por falar em fotos chocantes, eu estava pensando sobre sua foto do homem na frente dos tanques na Praça da Paz Celestial. Em primeiro lugar, você já sentiu que aquela imagem eclipsou o resto de seu trabalho durante os protestos estudantis que aconteceram lá?
Bom, não aconteceu bem assim. Quando voltei da China, fui até o escritório de Michael Rand da Sunday Times Magazine. Ele estava colocando uma das minhas fotos na capa da revista, mas era outra foto daquela viagem — um cara sem camisa com os braços levantados. Aquilo se tornou igualmente conhecido por um tempo. A foto do “Homem dos Tanques” foi crescendo em importância com o tempo, mas ela não se destacou realmente do meu corpo de trabalho logo após o evento.

No entanto, nos anos mais recentes, as pessoas falam muito dessa foto. Isso me incomoda? Bom, não posso realmente ficar incomodado com isso. Só fico feliz de ter estado lá. Tudo que sei é que fiz meu trabalho e acho que o fiz bem.

Pequim, China. Praça da Paz Celestial. 1989.

O que aconteceu com você e com os manifestantes logo após aquele momento? Imagino que não tenha sido fácil sair com essas fotos do país.
Tudo era muito incerto. A polícia e as pessoas da segurança foram de quarto em quarto no meu hotel, procurando por jornalistas e confiscando filmes. Aquela atmosfera era muito preocupante. Lembro de ter colocado meu filme numa caixa de chá que era fornecida pelo hotel e pedir para alguém que estava voltando para Paris levá-la para mim. Fui deixado na China sem meu filme. Não fiquei preocupado quando o filme se foi e não me importei em perder algumas câmeras. Não foi fácil — eles poderiam atirar na gente — mas tive sorte.

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Bruxelas, Bélgica. Tragédia no Estádio Heysel. Torcedores do Liverpol indo para o estádio. 29 de maio de 1985.

Acho que o modo como as fotos são usadas nas notícias mudou desde então. Que outras histórias dessa época são importantes para você?
A tragédia no Estádio Heysel foi, na época, uma grande história. Era uma notícia maior na Europa do que a Praça da Paz Celestial foi. A Paris Match dedicou 22 páginas a ela. Na era do fotojornalismo, antes da TV ou da internet tomarem conta de tudo, a fotografia era responsável pela cobertura aprofundada do mundo ao nosso redor. Agora, se você for ver os jornais, eles mostram mais ou menos as mesmas histórias e usam as mesmas imagens. Não era assim nos anos 1980. Cada revista que você pegava tinha uma história diferente.

Na época, eu estava cobrindo os hooligans, uma história que estava crescendo no Reino Unido. Não sabíamos muito bem como cobrir isso, então pensamos em viajar para Bruxelas com os torcedores do Liverpool e aconteceu de ser a final da Copa da Europa. Não estávamos esperando que algo fosse acontecer, era só um jeito de entrar na vida dos torcedores de futebol e ver como eles se relacionavam uns com os outros e com o mundo ao redor. Era para ser uma história sossegada. Fui para o estádio com eles, e claro, tudo aconteceu de forma muito diferente. Isso exemplifica uma forma de fotojornalismo aprofundado muito rara hoje em dia. Mas era a norma naquela época.

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Bruxelas, Bélgica. Final da Copa da Europa. Tragédia do Estádio Heysel. 29 de maio de 1985.

Passando para seu trabalho mais recente, como você se sente a respeito das cidades? Falamos com Jonas Bendiksen recentemente e ele tinha uma visão muito definida. Ele acha que as favelas têm que ser vistas como partes importantes e funcionais de nossas cidades, não como pontos negros que devem ser escondidos. Você tem um sentimento definido sobre o estado das cidades?
Bom, no assunto favelas, como eu disse no começo, minha primeira designação fotográfica com cidades foi trabalhar em algumas das partes mais pobres de Manchester, a área de Moss Side, Liverpool, Glasgow, Newcastle e a Cidade do México. Acho que quando fui ao México e vi as favelas, ou barrios, daquela cidade, pensei em antropólogos norte-americanos como Oscar Lewis, que diziam que os pobres estão nas favelas porque merecem estar ali e que nada nunca vai mudar. Claro, isso é uma besteira completa. Qualquer pessoa que se muda para qualquer lugar, seja numa mansão ou numa caixa de papelão, deseja algo melhor.

Retornei ano após ano para um barrio em particular da Cidade do México. Com o tempo, janelas apareceram, jardins foram criados, as ruas estavam mais bem cuidadas. Acho que favelas geralmente são o começo de um movimento de uma terra urbana devastada para partes normais e reguladas de uma cidade. É como uma economia informal; as pessoas começam vendendo em mercados imediatos e com o tempo vão formando lojas e começam a pagar impostos.

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Narcissus, 2009-2013.

Vamos dar um salto aqui. Como Narcissus se encaixa em seu trabalho anterior? É notavelmente distante de muitos de seus outros trabalhos.
Acho que muitas coisas influenciaram Narcissus. Fiquei frustrado com a noção de “fotografia global”, a ideia de um projeto meta, de mostrar os “grandes lugares da Terra”, ou “os piores buracos da Terra” — essa coisa global. É tudo muito grande. E eu já fiz tanto disso: Dynamic Cities foi feito em, acho, umas 40 cidades do mundo. Achei que talvez estivesse perdendo alguma coisa. Para mim, Narcissus foi um pouco como voltar a brincar com escalas se você é músico. Apenas tentar dar forma a visão e endereçar o foco de uma pessoa.

Comecei a refletir sobre a noção de fotografia de paisagem, a natureza da fotografia em geral. E, realmente, paisagem é como qualquer coisa, o que estava me atraindo para isso era abstração, cortar algo da malha do que está em sua frente. Fiquei imaginando que, se não houvesse expectativas sobre mim — como há, claro, quando você fotografa paisagens para a National Geographic, por exemplo —  então o que realmente me atrairia? Descobri que o que me atraía nas paisagens eram as ressonâncias das memórias que eu tinha, a própria vida humana que eu tive. As formas que eu reconhecia nas paisagens eram humanas, formas que eram semi-humanas e zoomórficas. Acho que Freud, falando de fotografia — conectou isso muito mais à função da memória do que da visão. Isso foi completamente diferente, sim, e não vou fazer isso de novo, mas aprendi muito com isso. Aprendi a trabalhar num espaço pequeno e a limitar minhas necessidades. Foi algo espartano em si e muito coerente.

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Clique nas próximas páginas para ver mais fotos do Stuart Franklin.

Grã Bretanha. Desempregado num centro de empregos. 1986.

Yokohama, Japão. Carros Nissan. 1987.

Cabul, Afeganistão. Soldadas em grupos militares participam de um comício de apoio ao PDPA (Partido Democrático Popular do Afeganistão) e desfilam para o presidente, Major General Najibullah. 1989.

Clique na próximas página para ver mais fotos do Stuart Franklin.

Honduras. Guerra Ciivil. El Capire. Corpos de sandinistas da Nicarágua em exposição para a imprensa internacional. Os sandinistas foram supostamente mortos numa incursão através da fronteira dirigida contra os acampamentos inimigos. 1986.

Honduras. Guerra Civil. 1986.

Sudão. Refugiados da fome. 1985.

Narcissus, 2009-2013.

Anteriormente -  Jonas Bendiksen Fotografa Países que Não Existem

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