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Uma Simulação de Campo de Refugiados Pode Ajudar as Pessoas a Sentirem Empatia pelas Vítimas da Guerra?

“Se você não consegue entender como é ser caçado por rebeldes e ter medo de ser estuprado, você não se importa com as pessoas marginalizadas que vivem com esses medos.”

Refugee Weekend. Todas as fotos cortesia do Dr. Jeff Cook.

Durante um dos meus finais de semana mais memoráveis na faculdade, fugi de um grupo de bandidos que queria roubar minhas coisas, depenei uma galinha magricela, assisti a uma ovelha ser abatida para que pudéssemos comer e tentei evitar queimaduras de frio depois de passar dia e noite a céu aberto. Em Ohio. No meio do inverno. A experiência se chamava Refugee Weekend, um exercício de classe de final de semana buscando mostrar a um grupo de millennials de classe média no Meio-Oeste americano o que significa existir à margem da sociedade. Estava tão frio que derreti a sola do meu coturno (emprestado) do exército tentando me esquentar na fogueira do acampamento. Aí um grupo de bandidos mascarados invadiu o acampamento, de novo, e eu fiquei mancando com uma bota irregularmente derretida pelo resto da noite. A experiência infernal começou na tarde de sexta-feira e terminou nas primeiras horas do domingo – quem dera os refugiados de verdade tivessem esse luxo.

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A simulação é uma ideia do Dr. Jeff Cook (ou "Papa C", como ele é carinhosamente conhecido), um veterano do exército e professor de ministério urbano que queria que seus estudantes entendessem a vida dos marginalizados. O Refugee Weekend e um programa similar chamado Poverty Immersion nasceram do estilo de ensino incomum de Cook, que deixou de lado os livros tradicionais e apostou em aprendizado em primeira mão.

Anos depois de se aposentar da Cedarville University, em Ohio, onde o conheci, Cook agora é o diretor acadêmico de um centro de liderança urbana. Ele ainda realiza o Refugee Weekend, que é ainda mais relevante com a crise de refugiados acontecendo na Europa. Liguei para ele a fim de conversar sobre sua perspectiva dos refugiados e por que sua simulação em pequena escala pode ser importante para estudantes ocidentais.

VICE: Você pode explicar o que é o Refugee Weekend?
Dr. Jeff Cook: Refugee Weekend é uma experiência imersiva baseada em diferentes situações de refugiados do mundo. A ideia é experimentar o que significa estar num mundo paralelo com um status socioeconômico diferente. É uma simulação de dois dias e duas noites, e foi parte da minha matéria Missões Globais, na Cedarville University, por 13 anos.

Quanto da simulação é baseado em cenários reais de refugiados?
Muito do conteúdo tem a ver com aprender sobre pessoas às margens da sociedade e a perseguição ao redor do mundo. São, o que, uns 50 milhões de refugiados no mundo em qualquer período? Eu queria uma experiência que juntasse tudo isso. Durante meus sete anos no exército, passei muito tempo em florestas carregando armas. Pensei na minha experiência pessoal e no meu conhecimento de pessoas marginalizadas e pobres. E se eu pudesse desenvolver uma experiência de três dias com refugiados?

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Comecei um brainstorming sobre o valor do aprendizado experimental e como estimular as pessoas mental e fisicamente, como ocorre no exército. Eu poderia fazer as pessoas correrem pelo país enquanto as perseguia com rebeldes, contrabandistas, acampamentos, pedidos de asilo… tínhamos o pedido de asilo no ano em que você participou?

Não. A simulação mudava muito de ano para ano?
Isso evolui todo ano, mas a premissa é a mesma. Algumas garotas têm de usar hijabs ou barrigas falsas de grávida. Todo mundo é levado de ônibus e deixado no meio do nada por dois dias e duas noites, quando encontram rebeldes mascarados com armas, marcham durante noites longas e frias – e, às vezes, eles veem animais serem abatidos ou têm suas famílias separadas deles.

Lembro-me de acordar toda dura e dolorida uma manhã ao som alto de um chamado para a prece muçulmana. Você incorpora diferentes culturas e cenários na mistura.
Isso é para te tirar de um lugar em que você se sente confortável, te colocar numa situação na qual tudo que você faz é importante. Refugee Weekend junta muito conhecimento e experiência.

Como a ideia surgiu?
Eu gosto de aprendizado experimental, engajado e em primeira mão; então, ir para uma universidade em que tudo tendia a ser seco e orientado por dados foi uma luta. Eu estava ensinando ministério urbano, e, enquanto isso, um colega de Waco, Texas, estava realizando uma experiência de imersão na pobreza. Peguei isso e coloquei esteroides.

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Desenvolvi o Poverty Immersion Weekend no primeiro ano em que estava na Cedarville, por volta de 2000. Os estudantes passavam três dias vivendo como os sem-teto nas ruas. A maioria dos estudantes da Cedarville University é formada por brancos de classe média-alta. Muitos estudantes nunca estiveram expostos a diversidade ou pobreza. Eu queria que eles experimentassem esse final do espectro, não só discutir isso em classe.

Como a experiência se traduziu para o Refugee Weekend?
Depois de alguns anos realizando a imersão na pobreza, eu precisava de algo para minha aula de Missões Globais. Uma noite, eu estava folheando um livro de esquetes para ministros da juventude de grupos de adolescentes e jovens – sabe, o tipo de coisa que acontece no porão das igrejas –, e havia um sobre refugiados. Acho que o livro queria familiarizar os jovens com consciência social para com os refugiados. Foi aí que tive a ideia.

No primeiro ano, eu e alguns caras passamos uma hora e meia fazendo brainstorming e planejando tudo numa pizzaria de Cedarville. Acho que muito disso surgiu na última hora. Eu não sabia realmente o que estava fazendo, mas tivemos a ideia baseada no que sabíamos sobre situações de refugiados.

"Se você não consegue entender como é ser caçado por rebeldes e ter medo de ser estuprado, você não se importa com as pessoas marginalizadas que vivem com esses medos." – Jeff Cook

Há quanto tempo você vem organizando o Refugee Weekend?
Cerca de 15 anos. Desde que me mudei para o Colorado, tenho voltado a Ohio para realizar os finais de semana, porém estou me preparando para fazer o primeiro Refugee Weekend em Denver. Tenho 12 pessoas vindo de várias partes do país com dinheiro do próprio bolso para ser do exército rebelde – todos ex-estudantes. Vai ser interessante ver como eles se saem nas montanhas.

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Onde você consegue as terras para realizar os finais de semana?
Em Ohio, começamos numa fazenda de cinco acres de proprietários que eu conhecia. Havia uma trilha de moto, e assim poderíamos fazer cross-country. Nos últimos anos, em Ohio, utilizamos uma fazenda de 400 acres, à qual eu tinha acesso, com um bosque. É muito problemático hoje lidar com terras públicas e os departamentos de xerife. Aqui, em Denver, há um acampamento nas montanhas no Rocky Mountain National Forest.

Você já foi criticado por simular atrocidades globais ou criar "turismo de luxo" dessas experiências?
Raramente tenho algum feedback negativo, e apenas de pessoas que não passaram realmente pela experiência. Eles não têm uma referência: estão criticando uma caricatura de imitação. Venha para o nosso final de semana! Refugee Weekend é um universo paralelo para ajudar a entender as necessidades, se conectar e se identificar com essas pessoas. Se você não consegue entender como é ser caçado por rebeldes e ter medo de ser estuprado, você não se importa com as pessoas marginalizadas que vivem com esses medos.

De todos os Refugee Weekends que você organizou, teve algum em especial que ficou na sua memória?
Num dos finais de semana, o tempo estava tão ruim que trouxemos todo mundo de volta para o campus mais cedo, por volta das 3 da manhã. Realmente achei que seria perigoso. As pessoas estavam congelando, e não havia um lugar para elas se aquecerem. Fiquei com medo, tipo, de que alguém tivesse uma hipotermia. Pensei: "Melhor levar esse pessoal de volta para o campus antes que eu tenha problemas de verdade". O mais engraçado é que, enquanto estávamos os trazendo de volta, alguns pensaram que era um truque – que íamos mandá-los para mais tortura. Mas não: deixamo-los ir.

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Ah. Esse foi o meu final de semana.
Não brinca.

Tenho certeza de que eu era a mais histérica de todos. Quantas pessoas já participaram do Refugee Weekend?
Pelo menos mil.

Você acha que o Refugee Weekend precisa ser extremo para passar sua mensagem?
Nada se imprime mais no seu DNA do que aprendizado experimental. Ser um refugiado une muitas coisas: perseguição, pobreza, a oportunidade para um ministério holístico. [Ministério de igreja] geralmente foca o aspecto espiritual e não lida realmente com questões físicas ou sociais. No entanto, vejo isso assim: um pássaro tem duas asas e precisa das duas para voar. Você não pode experimentar um lado espiritual da vida quando está com fome, lutando por sua vida, ninguém te ama, esse tipo de coisa. Você não pode resolver um problema que não entende e não pode entender nada de longe. Você não entende o que é estar à margem até que precise andar a noite inteira, sendo caçado por rebeldes, cansado e com fome. Durante os finais de semana, "cristãos" aparecem e distribuem Bíblias aos refugiados. Só que, me desculpe, estou com fome, meu filho está doente… e agora você quer fazer um estudo bíblico?

Refugee Weekend é um testemunho do aprendizado experimental. Estou farto da educação superior – sou moralmente culpado por colocar pessoas em dívidas de milhares de dólares para o resto da vida delas. Sou fanático por aprendizado experimental e em fazer as pessoas entenderem que injustiça estrutural é algo errado em todos os níveis.

Qual tem sido o impacto do Refugee Weekend?
Por um lado, há uma conscientização profunda. Tenho caixas e caixas de textos que as pessoas escreveram sobre esses finais de semana. Minha esposa insiste em guardar todos. Eles inspiram um conhecimento profundo que nem todo universitário cristão de classe média pode experimentar. Para alguns, isso os confronta com um senso real de dever com as pessoas marginalizadas e os refugiados, em particular – isso alimenta o fogo. Alguns estudantes largaram suas vidas aqui e foram trabalhar com refugiados. Deus ama os pobres, e Ele usa isso para mostrar a eles que a vida é simplesmente difícil para as pessoas marginalizadas. E isso vale para qualquer um experimentando qualquer tipo de injustiça, não só refugiados.

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Tradução: Marina Schnoor.

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