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Mais Cinco Anos de Governo Tory Vão Mudar a Inglaterra para Pior

Mudanças na economia não só acabam com vidas, elas podem também alterar como as pessoas veem o mundo ao seu redor.

A realidade está ameaçada na Inglaterra. Depois da vitória dos conservadores na última eleição do Reino Unido, não tem como saber quando um ministro júnior de cabelo feio vai aparecer e cortar os serviços dos quais os ingleses dependem só para apagar um ponto percentual do déficit. Mas há outras transformações mais profundas com que os ingleses também devem se preocupar. Mudanças na economia que não só acabam com vidas, mas que podem alterar como as pessoas veem o mundo ao seu redor.

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Antes do começo da era Thatcher, a atividade econômica ainda era amplamente entendida como algo que resultava na criação de commodity real e tangível. Muitas grandes indústrias e serviços ainda eram nominalmente propriedade do público, e a ideia de que isso podia mudar parecia fantasia política. Agora, enquanto grandes empresas agregam valor através de um fluxo constante de anúncios pop-up chatos, uma economia baseada em empreendimentos estatais parece pertencer a uma era perdida, tão britânica e extinta quanto chapéus de safári, execuções reais e tigres-dentes-de-sabre.

Enquanto Tony Blair começava sua jornada lubrificada para o poder, a noção de que políticos deviam ser autômatos simpáticos e amigos da mídia, figuras com o mesmo número de bordões de um brinquedo com um cordão nas costas, era algo perigosamente norte-americano. No entanto, hoje, enquanto o século 21 atinge seus anos difíceis de adolescência, parece garantido que qualquer eleição britânica seja vencida por candidatos cada vez mais parecidos com queijo processado. Essas coisas persistem, independentemente de quem tome o poder depois. O que antes era uma caricatura sinistra do mal logo é senso comum datado. Como Karl Marx apontou, "A história progride pelo lado ruim".

É impossível dizer com certeza o que dez anos de governo tory farão com o modo que os ingleses veem o mundo. Nos últimos cinco anos, bancos de alimentos foram de coisas quase desconhecidas para algo com que quase um milhão de pessoas conta, enquanto novas moradias parecem tão acolhedoras quanto presenças escuras e vazias costumam ser, indicando apenas que algum bilionário está diversificando seu portfólio. Talvez esse curto período em que ninguém teve de se preocupar em morrer de cólera logo pareça um sonho estúpido e breve.

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Em qualquer caso, se as coisas continuarem do jeito que estão, e se você olhar bem de perto, podemos acabar num Reino Unido assim:

Foto por JJ Ellison.

NÃO VAMOS MAIS SER NÓS MESMOS

Na primeira fase do neoliberalismo, dos anos 70 em diante, o principal foco cultural foi a atomização. O objetivo era criar um novo ser humano, um indivíduo assustado e completamente sozinho, cujas interações fracas e sem sentido com outros indivíduos só poderiam acontecer através de algum tipo de troca de mercado. Isso foi atingido, principalmente graças ao ataque aos sindicatos, mas havia outros meios: a financeirização do futebol, a venda em massa de habitações populares, a criação de cultura alternativa cuidadosamente mercantilizada e o uso de violência policial contra comunidades de classe trabalhadora. E funcionou: namoro online e redes sociais fizeram todo mundo se vender como objetos inertes, e isso nem nos parece estranho. Estamos cercados de vazio. Mas não é o suficiente: o indivíduo atomizado ainda oferece uma vaga capacidade de resistência. Então, eles também estão tentando quebrar isso.

Um dia, agências de emprego públicas pelo menos fingiam que queriam ajudar as pessoas a encontrarem um trabalho estável. Recentemente, elas estão começando a fazer o oposto: sessões de treinamento obrigatórias e inúteis, além de trabalhos humilhantes de curto prazo, geralmente não pagos. Em consequência, os ingleses viram a força de trabalho pobre indo para o sistema de moradia temporária. Um sistema que joga pessoas de um lado a outro do país, tão desesperadas elas estão para ter um teto sobre a cabeça. O efeito disso é derrubar qualquer ideia estável e enraizada de si.

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Já existem serviços eletrônicos que ajudam nesse processo, como o "Mechanical Turk", da Amazon, no qual empregados podem fazer milhares de tarefas online sem que a empresa tenha de pagar imposto, hora extra ou salário-mínimo. Assim, ela consegue não só um fluxo constante de mão de obra barata e desesperada, mas também pode liquidar sua força de trabalho existente e fazer essas pessoas voltarem a trabalhar pelo sistema de tarefas. Que isso se torne a norma parece ser a progressão lógica para o "boom" de empregos nos últimos anos, criado principalmente através de contratos sem horas estipuladas, em que você tem um "emprego" sem nenhuma garantia de conseguir trabalho.

Até 2020, é provável que a ideia de se "ter um emprego" seja apenas para os muito ricos e uma coisa de um passado distante. O que existirá serão várias tarefas a que vamos nos submeter sempre que nosso celular mandar. O efeito pode ser catastrófico para nosso senso de tempo e ser. Cada indivíduo estilhaçado num aviário vago de personalidades fraturadas e exaustas; cada indivíduo, uma família trabalhadora em sua própria cabeça.

NÚMEROS VÃO SER MAIS IMPORTANTES QUE PESSOAS

Quando a nova disciplina acadêmica de Literatura Inglesa começou a ser ensinada nas universidades britânicas, isso era algo radicalmente igualitário. Um século atrás, o estudo de humanidades significava ler os clássicos, que existiam para ajudar jovens viscondes a insultarem seus servos em latim. De repente, nossa cultura compartilhada se tornou democratizada. Agora, estamos escorregando de volta para uma aristocracia de letras: cortes no financiamento estão atingindo desproporcionalmente departamentos acadêmicos voltados para qualquer coisa que não seja manipular números; assim, as humanidades novamente estão se tornando indulgentes apenas com quem pode pagar.

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Em 2011, o Conselho de Artes e Humanidades britânico foi forçado a gastar boa parte de seu orçamento do governo no estudo do nonsense "Big Society" de Cameron, uma rajada de flatulência ditatorial que deixou muitas ditaduras do Terceiro Mundo com inveja. Lentamente, a ideia de que haja um jeito de se entender o mundo além do viés puramente técnico está sendo erradicada.

As pessoas vêm sendo comandadas por números há algum tempo, mas raramente isso foi tão evidente. Apesar de a maioria dos economistas concordarem que a austeridade simplesmente não funciona, os tories estão usando o crescimento da economia como prova de que seus planos estão funcionando. Não importa que esse crescimento esteja vindo principalmente do enriquecimento da classe alta, ou que a produtividade geral da nação inglesa esteja morrendo, ou que milhões de pessoas estejam numa situação pior do que estavam antes.

Um número abstrato (a economia) está engolindo todas as dificuldades concretas encaradas por pessoas de verdade. No futuro, vamos até parar de pensar nisso como algo estranho. Quando seu primogênito for levado por sacerdotes mascarados para ser sacrificado diante do número três, isso será apenas outro fato deprimente da vida.

Foto por Chris Bethell.

O TEMPO VAI PARAR DE AVANÇAR

Durante a última eleição, Ed Miliband tentou tornar sua total falta de novas ideias uma virtude. O Partido Trabalhista ia fazer mais do que prometer, ele disse. Tudo o que eles realmente prometeram foi uma pequena defesa de retaguarda, como sua proposta de colocar alguns sacos de areia em torno da saúde pública a pique ou uma rendição total para a direita, que também estaria disponível em forma de formulários.

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É tão digno atacar Miliband agora quanto seria profanar um túmulo, mas isso mostra o colapso de qualquer senso de que estamos avançando até um futuro em que coisas novas e diferentes podem acontecer. Mesmo o regime de cortes, que já mudou a paisagem social (mesmo que só para pior), é apoiado na preservação e no fortalecimento das condições existentes. O mundo está se rasgando embaixo de nós, mas, ao mesmo tempo, tudo está exatamente do mesmo jeito.

Tomemos, por exemplo, a proposta de se revogar o Ato de Direitos Humanos. Apesar do gemido de choque dos liberais indignados, você poderia pensar que isso não ia mudar nada. Na verdade, tudo o que o Ato dos Direitos Humanos faz é reproduzir os Direitos Humanos da Convenção Europeia – a que os ingleses já estão sujeitos – na lei britânica, o que significa que casos de direitos humanos podem ser julgados aqui em vez de isso acontecer no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo. Quando os tories revogarem o Ato, os casos vão ter de ir até lá de novo, o que, na verdade, aumenta o controle europeu sobre o Reino Unido. (O TEDH não é parte da União Europeia e suas decisões serão vinculadas, mesmo no caso de um Brexit.) Isso não é nem uma regressão, mas apenas ilusão de movimento num mundo estático.

Estamos ficando sem ideias: tudo que resta é mimetismo e destruição. Mesmo na esfera supostamente autônoma das artes. Os últimos romances de Will Self, Umbrella e Shark, são tributos ao modernismo entreguerras, enquanto obras em galerias tendem a ser palavras sem sentido em luz néon ou um retorno de dogmas pré-Duchamp de representação figurativa. E essa fatiga intelectual está se infiltrando diretamente no nosso cotidiano.

O ano de 2020 pode ser um ponto de guinada. Essa década viu um revival inexplicável dos anos 90: gifs "engraçadinhos" de programas de TV antigos, gargantilhas e todos os outros detritos da década aparecendo na praia como corpos de um navio de cruzeiro perdido. Porém, quando o revival inevitável dos anos 2000 chegar, isso será um eco do eco – os únicos produtos originais daquela era foram o iPod e os ataques de 11 de Setembro. Tudo mais naquela cultura era uma simples simulação dos 80. A menos que algo mude em breve, vamos ficar presos para sempre: condenados a repetir as mesmas duas décadas do século 20, suas sombras se descolorindo a cada ciclo, até que a Terra seja impiedosamente engolida pelo sol.

Siga o Sam no Twitter. Tradução: Marina Schnoor