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VICE Sports

Torcedor mimado que vaia a seleção olímpica é produto de arenas superfaturadas

CBF banca elitização dos estádios e apoia torcida de condomínio, que agora se volta contra a seleção de Neymar e companhia. É melhor você se acostumar.

Foto: Filipe Castilhos/ Flickr

A seleção brasileira masculina de futebol foi solenemente vaiada em seu segundo jogo nas Olimpíadas, contra o Iraque, depois de outro zero a zero. Até aí, nada anormal. Vaias fazem parte do futebol ou de qualquer outro esporte. Mas é no mínimo irônico que o Mané Garrincha, que custou quase 2 bilhões de reais aos cofres públicos, seja palco do comportamento mais emblemático do típico "torcedor de condomínio".

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Quando eu jogava bola na rua, num bairro de periferia em Belo Horizonte, em Minas Gerais, a gente costumava chamar alguns playboys de "meninos de condomínio". O menino de condomínio não era necessariamente aquele filhinho de papai rico criado em apartamento. Menino de condomínio era quem vivia fechado em sua bolha, que achava nojento os moleques jogando descalços na rua, que se achava o dono da bola, que tentava comprar respeito com dinheiro. Enfim, o menino mimado.

O torcedor de condomínio segue a mesma linha. Acha que pode tudo só porque pagou (caro) por seu ingresso. Vaia quando o resultado não lhe agrada. Foi o que aconteceu em Brasília com a seleção olímpica. Nos momentos em que o time mais precisava de incentivo, a torcida se distraia puxando uma "hola" nas arquibancadas. Ficou calada boa parte do tempo contemplando a fraca atuação do Brasil. Mas se levantava para gritar "bicha" no tiro de meta do goleiro adversário.

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E esse não é um fenômeno exclusivo da torcida de seleção. O torcedor de condomínio – eu desconfio que a maioria deles sequer goste de futebol – se multiplica entre os poucos fanáticos que ainda têm estômago e dinheiro para acompanhar seus clubes no estádio. Arenas patronizadas, ingressos caros e programas de sócio-torcedor inflacionados não apenas excluíram os pobres do espetáculo, mas também desiludiram os mais apaixonados.

Um processo de higienização apoiado e bancado pela CBF, que hoje vê seu torcedor de condomínio, público de alta exigência e baixa fidelidade, se voltar contra a seleção. A CBF apoia e banca a demonização das organizadas, a instituição de torcidas únicas, a proibição de bandeiras e instrumentos nas arquibancadas, a restrição de faixas de protesto e a expansão dos preços "padrão Fifa" nos estádios brasileiros.

O superfaturamento das obras não foi capaz de oferecer um gramado digno de Copa do Mundo ou Olimpíada ao Mané Garrincha. Por outro lado, a falsa sensação de modernidade desencadeou a elitização que está extinguindo o autêntico torcedor. As arquibancadas se tornaram tão artificiais quanto a hola e o grito de bicha no tiro de meta, tão frívolas quanto as plateias de teatro que atiravam tomates ao palco.

Na Copa do Mundo, o filme não havia sido muito diferente. Cantos ensandecidos apenas na hora do hino à capela – modinha abandonada pelo torcedor de condomínio logo após o 7 x 1. No mais, a torcida brasileira se resumia a um misto de cornetagem, silêncio e aplausos. Verdade que, também por culpa da CBF, nosso futebol – da seleção olímpica à principal – anda bem ultrapassado. Porém, vaiar Gabriel Jesus, o mais jovem dessa geração, ou Renato Augusto, no começo do segundo tempo, não parece ser atitude de quem se revolta contra o sistema que arruína os clubes de onde saem nossos craques, mas sim uma necessidade de eleger vilões para vingar o alto valor investido no ingresso.

Melhor a gente se acostumar. É possível que o futebol da seleção olímpica desperte a tempo de evitar um novo vexame em casa. Mas a atmosfera dos nossos antigos estádios de verdade, de paixão pulsante e incondicional, dificilmente povoará as arenas elitizadas por clubes e CBF. Os torcedores de condomínio vieram para ficar, embora muitos deles jamais tenham acompanhado uma partida até o apito final, para evitar a fila no estacionamento geralmente tão caro quanto um lugar na arena.