O futebol dos vovôs é o rachão mais alto astral de SP

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O futebol dos vovôs é o rachão mais alto astral de SP

Jornalzinho, resmungos, baralho, churrasco, goró e uns golaços com artrite. Quer mais o quê?

"Aqui só pode jogar quem tem mais de 50 anos. Tem 49? Não entra." Foto: Felipe Larozza/ VICE

O cabeleireiro Aldo Joel Ferreira, 54, um dos caçulas, é meio-campo; o motorista Luiz de Oliveira, o Mairiporã, 65, joga na ponta-direita e, sempre que possível, procura tabelar com o lateral-direito e ex-funcionário público Jacir Batista Diniz, 74. O trio ofensivo, junto de dezenas de outros velhinhos, tem encontro marcado toda quarta-feira de manhã no Estádio Cícero Miranda, na Vila Galvão, em Guarulhos: a Hora do Vovô, um rachão cuja única restrição são jovens chatos que mexem com internet. "Aqui só pode jogar quem tem mais de 50 anos. Tem 49? Aqui não entra", disse José Benedito dos Santos, o Paulista, velho boleirão de 72 anos, considerado o fundador do clube. O apelido, contou, veio dos tempos em que se arriscou no futebol profissional. "Quando cheguei para jogar no América (RJ), em 1964, me apelidaram de Paulista por causa do meu sotaque."

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O meia Paulista, 72, tem marra de carioca. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Quando chegamos ao campo, por volta da 7h30 na última quarta-feira, 17 de fevereiro, alguns vovôs estavam concentrados, a maioria lendo seus jornais diários, o que é de lei na chamada melhor idade. "Só falo com a Globo!", brincou Mairiporã, reprimido, a seguir, por Paulista. "Na minha casa essa emissora é proibida", falou. "Ela te influencia a vestir a roupa que ela quer, as novelas também influenciam a roubar, matar, e a pornografia é absurda."

O aquecimento? As notícias do dia, claro. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Por volta das 8h30, cerca de 30 jogadores da terceira idade estavam no campo. As equipes já haviam sido separadas pelo Tabata, o diretor financeiro que, além de receber os pagamentos da mensalidade, também joga. Ele só entra em campo com a camisa 10, mas joga na zaga. Vai entender. Dizem que ele é o "dono da bola". Preferi não perguntar. Vai que esse senhor nos manda embora?

Tabata e sua tabelinha de diretor financeiro que lhe assegura a camisa 10. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Quando o juiz deu início à partida, logo começou o falatório. Aldo não tocou a bola para o Mairiporã na ponta-direita. "Toca, porra! Não falei? Só faço gol quando passam a bola. Tem uns caras aqui muito fominhas", reclamou o velocista em direção a nós.

Mairiporã, 65, com o corte chavoso a la Neymar. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

No momento que o lateral-esquerdo perdeu a bola, o zagueiro camisa 10, Tabata, virou as costas. "Não vou ficar correndo por ninguém", disse, como alguém que já correu muito à toa nessa vida. Como resultado, seu time quase toma gol.

O jogo da terceira idade não é bingo, não. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Quem sofre com as brigas e reclamações é Inazir Santiago, o Lazinho, 70, ex-soldador de produção e árbitro do rachão. "Eles reclamam muito. Deve ser por causa da idade", ele me falou de canto. "Às vezes chega à noite e eu penso: 'amanhã eu tenho mesmo que apitar o jogo daqueles véio?' Mas para falar a verdade, eu gosto muito", contou.

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Lazinho, 70, acorda cedo toda quarta-feira para ser xingado. Foto: Felipe Larozza/ VICE

"O Lazinho podia ficar milionário. Todo mundo aqui chama ele de negrão, ladrão, safado. Era só ele processar todos esses velhos, que ganhava milhões", brincou José Alexandre Pereira, 65, enquanto falávamos com o árbitro. No rachão, Pereira é conhecido como delegado. Hoje aposentado, ele já atuou nessa função em delegacias de Guarulhos, Mairiporã e Mogi das Cruzes. Agora tenta se passar por xerifão do rachão. Por causa das tretas, reclamações e faltas violentas nos jogos, no ano passado ele estipulou uma nova regra disciplinar: doações de alimento. "Agora, o jogador que cometer uma falta e receber cartão amarelo tem que trazer uma cesta básica no próximo jogo. Quem tomar vermelho, traz três cestas", explicou.

O delega. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

As reclamações continuaram. Os xingamentos também. Mas ninguém tomou cartão. O jogo, de 40 por 40 minutos, terminou empatado em 2 a 2. Era pra ter sido menos se não fosse a colaboração dos goleirões.

O goleiro Alemão, 54, se dando o respeito. Foto: Felipe Larozza/ VICE

Descendente de croata, Stjepan Vizec, 54, conhecido como Alemão, é um dos goleiros no rachão dos vovôs e é fã de Rodolfo Rodríguez, ex-goleiro do Santos. Tem o cabelo liso em forma de tigelinha e, morador de Guarulhos, enche o peito para falar que joga nesse campo desde 1980, "quando ainda era terrão". "Na várzea, já agarrei pelo Flamengo, Macedo, Centenário e Vila das Palmeiras", disse, na hora do jogo, com um olho no repórter e outro na partida.

Apesar da experiência como goleiro da várzea, ele tomou dois frangos feios. "Hoje em dia em enxergo pouco e meu joelho é ruim. Mas já fui bom hein", falou, enquanto alguém disparou uma bicuda de fora da área. Ele encaixou, olhou para o lado e soltou: "Tá vendo? Estão perdendo o respeito, chutando de todo o lado".

Aí sim: o carteado sub-80. Crédito: Felipe Larozza/ VICE

Após o futebol, as discussões de dentro de campo viraram resenha. Aí participamos, claro. Foram cinco latas de breja, um churrasco salgado pra caralho, duas rodadas de truco e muita alopração. Nosso fotógrafo tomou pinga com o Delegado e foi apelidado de purpurina. Os velhos se ligaram que a câmera dele estava cheia de trecos brilhantes por causa de um trampo de Carnaval e não perdoaram.

Chegamos às 7h30 e fomos embora quase 14h. Nós, digo, eu e o Purpurina. Os velhos, em sua maioria aposentados, seguiram curtindo a vida, como todas as quartas, bebendo, jogando baralho e trocando muita ideia.