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Seria o Bob Esponja o Novo Che Guevara?

Um bizarro símbolo de resistência da cultura pop transnacional.

Numa tarde de sexta-feira de junho passado, uma nova onda de manifestações pela democracia atingiu o centro do Cairo. Os manifestantes estavam furiosos porque o último primeiro-ministro do ditador deposto Hosni Mubarak, Ahmad Shafiq, tinha chegado ao segundo turno nas eleições presidenciais históricas do país.

No meio do tumulto, um jovem ativista de óculos de aro preto, com os braços abertos, liderava os gritos de ordem da multidão contra o velho regime. Era fácil notar o rapaz, empoleirado nos ombros de um camarada e usando uma camiseta amarela estampada com a imagem da amada criatura marinha amarela dos desenhos infantis da televisão, Bob Esponja.

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Bob Esponja é uma visão familiar hoje em dia na Praça Tahrir. Os vendedores de bandeiras do Egito e de camisetas estampadas com frases revolucionárias quase sempre também vendem camisetas com temática do Bob Esponja. Os visitantes casuais da praça no começo de 2013 podem até imaginar se o Bob Esponja não se tornou, como as onipresentes camisetas do Che Guevara ou as máscaras do Guy Fawkes que ficaram populares com o filme V de Vingança, um bizarro símbolo de resistência da cultura pop transnacional.

Shereif Elkeshta, um cineasta egípcio-americano que viaja frequentemente entre Nova York e o Cairo, disse que notou as camisetas amarelas pela primeira vez quando visitou a praça em maio passado, mais de um ano depois da revolução. “De repente isso não era mais sobre hurriya [liberdade], ath-thawra [a revolução] ou sobre 25 de janeiro, isso se tornou um monte de camisetas e Bob Esponja. Talvez seja o nova-yorquino em mim, mas Bob Esponja? Essas pessoas sabem o que é o Bob Esponja?”

Elkeshta citou o fenômeno Bob Esponja num ensaio sobre o estado incoerente da política no Egito numa publicação mensal independente chamada Midan Masr. Ele escreveu: “Por que ele [o Bob Esponja] não está pelo menos segurando um coquetel molotov? Ou com o punho levantado?”.

Então o Bob Esponja é um ícone revolucionário? Quase dá pra entender. As camisetas são amarelas, o que dá aquele visual pop apropriado aos protestos. Bob Esponja é um personagem otimista que fez muito sucesso no Egito logo quando começou a ser exibido traduzido, no lançamento da Nickelodeon Arábia, em 2008.

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E, acima disso tudo, temos o simbolismo inspirador do personagem como um homem, digo, esponja comum, lutando pra ganhar a vida. Wael Abbas, um blogueiro e ativista proeminente que foi preso e espancado pelas forças de segurança de Mubarak, disse ser fã do Bob Esponja porque “o personagem é realmente só uma cara simples, um trabalhador, não um super-herói como costumávamos ter nos desenhos animados, e quadrinhos, e mesmo assim ele é amado por seus amigos”.

Mas Abbas, e todo mundo no Egito, dirá que não há significado político nas camisetas do Bob Esponja. Ashraf Khalil, um jornalista egípcio-americano e autor de um livro sobre o levante afirma que as camisetas do Bob Esponja dizem muito sobre como a Praça Tahrir mudou no ano passado. “A razão pela qual essas camisetas do Bob Esponja são vendidas na Tahrir é só indicativa do fato que vendedores apolíticos montaram suas barraquinhas na praça no ano passado depois da revolução, vendendo qualquer coisa que achassem que teria uma boa saída”, diz Khalil.

Desde os primeiros dias da rebelião, a praça tem sido o centro de confrontos ferozes com o Estado autoritário. Jovens egípcios lutaram e morreram às centenas pra manter a ocupação civil da praça durante o levante contra o ditador Hosni Mubarak no inverno de 2011, afastando a tropa de choque e bandidos à paisana montados em camelos.

Logo depois do levante inicial de 18 dias, o comércio se restabeleceu. Vendedores de rua, que se viam sempre ameaçados pela polícia de Mubarak, montaram barracas na praça, vendendo inicialmente bandeiras e eventualmente faixas e camisetas estampadas com frases revolucionárias. Mesmo hoje, com a Tahrir alojando um acampamento de protesto contra o presidente Mohamed Morsi, afiliado à Irmandade Muçulmana, os vendedores de camisetas continuam por ali.

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E as camisetas vendem, em parte por causa da enorme popularidade do Bob Esponja no Egito, que coincidentemente ganhou vida própria nesse período desde a revolução. O personagem rendeu dezenas de grupos egípcios no Facebook, inclusive um que o indicava pras eleições presidenciais históricas do ano passado, e um hit pop árabe açucarado chamado “Ana SpongeBob”, do cantor egípcio Hamada Helal. O videoclipe superproduzido da música, que na época recebeu 5,7 milhões de acessos no YouTube, mostra Helal vestindo uma fantasia do Bob Esponja e cantando numa festa de criança.

Na verdade, basta caminhar alguns quarteirões pelo centro do Cairo pra testemunhar a proliferação de itens do Bob Esponja. A cada passo você tropeça em camelôs vendendo brinquedos e adesivos com a cara dele, ou lojas vendendo camisetas e bonés infantis do personagem. Algumas das roupas são importadas da China, outras são feitas pela enorme indústria têxtil doméstica do Egito.

Um dos vendedores, Islam Muhammad Ibrahim, 24 anos, que vende roupas sobre uma mesa na calçada, explica que o personagem é tão popular que ele mesmo imprime suas próprias estampas da internet na sua casa em Giza e coloca os logotipos nas roupas infantis. Ele me mostrou uma camiseta branca infantil, estampada com um logo azul onde se lê “SpongeBop”. Ele me disse que já tinha vendido dez daquelas naquele dia.

Ano passado, a Bob Esponja-mania também provocou a ira de um comentarista muçulmano conservador, Sheikh Nabil Al-Awadhi, que usou um programa de TV via satélite pra condenar o Bob Esponja por supostamente encorajar os meninos a se vestir e agir de maneira efeminada.

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Então há uma conexão indireta entre o Bob Esponja e a revolução, no mesmo sentido em que o levante transformou a Praça Tahrir de um grande terreno vazio em reduto revolucionário, e eventualmente num centro do comércio informal.

Elkeshta vê isso como uma transformação do espaço urbano: “Uma pessoa me disse que a única razão pela qual tivemos uma revolução foi porque não tínhamos nenhum parque público, e eu gostei disso. Eu meio que acredito nisso. Isso na verdade foi o povo reclamando uma pequena zona de pedestres em uma das cidades mais caóticas do país.”

Mas Islam Muhammad Ibrahim, 24 anos, que vende camisetas do Bob Esponja em tamanho adulto e em várias cores na praça Tahrir, juntamente com camisetas comemorativas da revolução, vê uma estranha conexão entre seu trabalho e a revolução. Os ativistas acampados na praça são seus “amigos e irmãos”, diz ele se apoiando na cerca de metal da calçada pra me mostrar um buraco de bala disparada pelas forças de segurança. “Muita gente morreu aqui”, afirma.

Claro que o Bob Esponja não tem nada a ver com a revolução, ele diz, mas argumenta que o resto de suas mercadorias têm, por exemplo, a camiseta onde se lê “O DIA EM QUE MUDAMOS O EGITO: 25 DE JANEIRO”. “Vendemos as camisetas pra que as pessoas se lembrem da revolução”, segundo ele. E, além disso, “é melhor do que vender apenas pra turistas”.

Mas isso não faz do Bob Esponja um símbolo político. Como muitos outros, o blogueiro ativista Wael Abbas suspeita que a onipresenças dessas camisetas tem mais a ver com economia do que com política. “É sobre coisas comerciais, a comercialização de tudo, a comercialização da revolução”, dispara.

Abbas se pergunta se as camisetas não sinalizam um tipo de apatia, um rastejante mal-estar pós-revolucionário. Ele argumenta que fora “a onda comercial de venda de produtos da revolução, vender os cartazes e imagens das marchas e todas essas coisas, as pessoas também não estão [mais] interessadas na revolução porque estamos encarando uma realidade agora e queremos mudar”.