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Marina Abramović

Marina Abramović estava se recuperando de sua retrospectiva no MoMA, "The Artist is Present", quando a visitamos em sua casa no norte do estado de Nova York poucos meses atrás.

Marina Abramović estava se recuperando de sua retrospectiva no MoMA, “The Artist is Present”, quando a visitamos em sua casa no norte do estado de Nova York poucos meses atrás. Durante o horário de funcionamento do museu, entre 14 de março e 31 de maio, Marina estava à disposição dos frequentadores que quisessem sentar-se à sua frente em silenciosa comunhão pelo tempo que desejassem ou conseguissem. Algumas pessoas ficaram horas, outras minutos. Algumas choraram, outras não. Algumas pessoas tentaram sacanear e foram convidadas a se retirar. Muitas pessoas esperaram em uma fila enorme sem a garantia de que no final se sentariam na cadeira diante de Marina. Ao longo do bizarro desfile de admiradores, detratores e curiosos, ela se manteve sentada, impassível, totalmente quieta e geralmente ilegível. Durante o tempo que passei observando a cena, ela por vezes pareceu bondosa e acolhedora, e outras vezes completamente apagada—ausente. Quem olhava de longe tinha a impressão de estar vendo uma estátua de cera. Era meio assustador.  Resistência e aumento da consciência do tempo talvez tenham sido as duas principais preocupações do trabalho de Marina desde que iniciou sua carreira, em 1971, com uma obra chamada Metronome. Em outros traba-lhos ela se cortou com facas, deitou dentro de um pentagrama em chamas, sentou diante do público e ingeriu drogas psicoativas destinadas ao tratamento de esquizofrênicos e catatônicos, gritou até perder a voz (isso levou três horas) e dançou nua e encapuzada até entrar em colapso (isso levou oito horas). No famoso trabalho Rythm 0, de 1974, Marina dispôs, em uma galeria, uma mesa com 72 objetos aleatoriamente escolhidos. Entre os objetos havia um revólver, uma bala, um chicote, um batom, um bisturi, um casaco, sapatos e azeite. Ela permaneceu ali das 20h às 2h, e permitiu que os espectadores fizessem o quisessem com ela usando os objetos que se encontravam na mesa. No final, ela estava sem blusa, chorando, com um maço de alecrim nos ombros e pétalas de rosa sobre os mamilos. As pessoas a pegavam no colo, carregavam-na pela galeria, vestiam e desvestiam-na, no geral tratando-a como se fosse uma boneca. Em 1976, Marina começou a colaborar com seu namorado, o artista Ulay. Jamais existiu colaboração entre dois artistas tão íntima e intensa. Eles literalmente seguravam a segurança e sanidade um do outro em suas mãos durante suas performances, que incluíam muita nudez, gritos, colisões de seus corpos, flechas, espelhos quebrados, cavalos afastando Marina e Ulay um do outro… você entendeu. Era turbulento, e não era o tipo da coisa que poderia durar para sempre. Em 1988, eles concluíram sua última colaboração, na qual saíram de extremos opostos da muralha da China e andaram 2.500 km até se encontrarem.  O trabalho solo de Marina de 1995 em diante lida mais explicitamente com sua herança balcânica do que qualquer trabalho anterior. Seus pais foram heróis na Iugoslávia. Em The Hero (2001), Marina exibiu as medalhas militares e objetos pessoais de seu pai. Em Balkan Baroque (1997), ela limpou 1.500 ossos de vaca em uma galeria enquanto cantava canções folclóricas iugoslavas que aprendeu quando era criança. Em Balcan Erotic Epic (2005), hordas de figurantes representando o estereótipo de camponeses entravam em um frenesi sexual, as mulheres esfregando os próprios seios e os homens literalmente metendo em buracos no chão.  Em 2005, Marina realizou Seven Easy Pieces, uma obra intensamente discutida, na qual ela recriou performances clássicas de Bruce Nauman, Vito Acconci, Valie Export, Gina Pane e Joseph Beuys, além da reperformance de sua famigerada—até para seus padrões—obra Lips of Thomas, de 1975. Essa exposição parece ter sido a fagulha que resultou na retrospectiva do MoMA, que incluiu The Artist is Present. Além do jogo de encarar de Marina, o MoMA também apresentou vídeos, fotos e objetos de arquivo junto com um grupo de jovens artistas performáticos que recriaram muitas das obras de Marina (do período com Ulay em diante). As versões cover de Marina e a recriação de performances antigas utilizando novos artistas não têm precedentes no mundo da história da arte performática. Puristas não gostam disso, mas os admiradores que ainda não tinham nascido quando os originais foram encenados agradecem. Quando chegamos na casa de campo em forma de estrela de Marina, havia um monge budista no sofá checando e-mails em um laptop, um rapaz jovem fazendo comida indiana na cozinha e Marina, a graciosa e hospitaleira anfitriã. Conversamos durante um tempo, comemos, conversamos um pouco mais, e depois fomos nadar pelados no riacho gelado atrás da casa. Marina e Richard Kern ficaram pelados num segundo, sem problema nenhum. Quando hesitei, Marina disse firmemente: “Vai, você está com a Abramović agora”. Não tinha como discutir. Richard Kern: Por onde começamos? Hm, [para Jesse] você quer mesmo que eu comece?
Marina Abramović: Vai, começa de uma vez. Agora. OK, OK. Como você saiu da Iugoslávia?
Não foi por razões políticas. Eu me apaixonei por um artista alemão que morava em Amsterdã. Eu tinha sido convidada a participar de um programa de televisão de lá chamado Body Art. Fui a única pessoa do Leste Europeu a ser convidada, e só de estar em Amsterdã no meu aniversário… A minha avó disse: “Qualquer coisa que acontece no seu aniversário é importante”. Então eu fui para lá, e no meu aniversário conheci Ulay. Acabou sendo o acontecimento mais importante da minha vida porque passamos 13 anos juntos. Eu decidi deixar a Iugoslávia—por amor. Mas não era preciso uma autorização para deixar o país?
Não. Hoje é muito pior. Naqueles tempos, era possível conseguir um visto normal. Viajar era fácil. Era a época de Tito. Tínhamos liberdade, mas não tínhamos dinheiro para viajar. Depois, na época de Milosevic, passou a ser impossível sair da Iugoslávia. Jesse Pearson: Tito era um anjo comparado a Milosevic.
Eu podia entrar e sair quando quisesse. Não apenas eu—todo mundo podia.

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Richard: Me parece que as performances tomaram impulso e reconhecimento como movimento no começo dos anos 70. Foi quando realmente começou a pegar. Eu estava na escola quando você, Chris Burde e Vito Acconci começaram a fazer coisas mais…
Mais radicais. É, mais radicais. Na Iugoslávia, você tinha conhecimento dessas outras pessoas? A cena de arte na Iugoslávia naquela época tinha conexões internacionais?
No começo, não tínhamos conexões internacionais alguma. Quando comecei com as performances era, para mim, como a primeira mulher a andar na Lua ou alguma coisa do tipo. Todo mundo pensava que eu estava maluca. A minha família queria me colocar em um hospício. O meu professor de arte me disse que eu tinha abandonado a arte e que o que eu estava fazendo era besteira. Fui completamente abandonada. Eu ainda tinha essa sensação de que era algo que eu queria fazer. Mas não tinha referências. As referências vieram bem depois. No fim de 1975, fiquei sabendo que existia toda uma família por aí. As informações que chegavam até nós na Iugoslávia dependiam de muitos canais, então eram completamente distorcidas. Eram como contos de fadas, quando a verdade era bem mais simples. Como Chris Burden, por exemplo, sua obra TransFixed, quando ele se crucifixou com pregos em um carro Volkswagen. Ouvimos dizer que ele estava dirigindo em Los Angeles e a polícia o parou e foi um estardalhaço. Essa história era famosa. Muito tempo depois, quando eu quis refazer esse trabalho, ele não me autorizou, mas ele me contou como foi de verdade. Tinham só três pessoas em uma garagem. Eles colocaram os pregos em suas mãos, empurraram o carro para fora da garagem, tiraram uma foto e empurraram o carro de volta. Foi só isso. Havia muitos mal-entendidos, como aquela brincadeira, telefone sem fio. Nós não sabíamos o que estava acontecendo. Jesse: É curioso porque as histórias que você ouvia, por causa do telefone sem fio, fazia os trabalhos parecerem ainda mais extremos do que realmente eram.
Exatamente, e então você vê e pensa: “Ah, é isso?” Sabe, na Iugoslávia, quando recebíamos livros russos para estudar, esses livros eram feitos com um tipo de papel incrivelmente barato e todas as fotografias eram cobertas com talco. O cheiro era fortíssimo. Me lembro de um livro sobre os impressionistas, as fotos eram bem coloridas. Quando vi os impressionistas em Paris, tudo parecia cinza. Alguma coisa estava errada. Era um completo mal-entendido. A arte era diferente nos livros russos, que é eram brilhantes e cheios de vermelho, verde e tudo mais. Não era real. Mas era assim que víamos as coisas. Richard: Na exposição do MoMA, reparei que no trabalho com a faca—acho que em Rythm 10—a documentação é apenas uma ampliação cheia de riscos. Você se deu conta da importância da documentação desde o início?
Alguns trabalhos iniciais não foram documentados. No começo, quando começamos a fazer um trabalho conceitual e performático, a ideia era simplesmente não documentar nada—porque a performance é uma coisa única, a única coisa que fica é a memória e nada mais. Fui eu quem começou a documentar, e muitos dos meus colegas não documentavam. A minha mãe era historiadora da arte e diretora do Museu da Revolução em Belgrado. Ela era completamente maníaca, documentava tudo. Acho que herdei algo genético dela. Então toda carta que eu recebia… Jamais joguei uma fora. Eu guardava cada pedacinho de papel, e ainda guardo. Quanto aos riscos daquela obra, eu morava em um carro. Não estava em lugar nenhum. Então riscou. Eu gosto assim. Eu estava na faculdade nos anos 70, e nos ensinaram, imediatamente, a documentar tudo. Naquela época, tudo devia ser documentado.
Não, não no meu caso, na minha época. Não. Jesse: Li que, quando você era pequena, sua mãe tinha um jeito rígido, disciplinador, com uma lista de determinadas palavras que você tinha que aprender e uma lista de coisas que você tinha que comer. Você carregou isso para a vida adulta?
Felizmente, sim. Eu odiava aquilo tudo, e discordava, mas quanto mais velha eu fico… quer dizer, olhe para mim—tudo é organizado. É terrível, sabe. [risos]. Gosto de vazio e de completa ordem. Acho que fiquei pior que ela. Então está arraigado?
Está arraigado. É impressionante—essa determinação e controle a qualquer custo. E a ideia toda é sacrificar-se pela causa. Nunca na minha vida cancelei ou encerrei uma performance. Jamais. A não ser que eu tenha sido hospitalizada ou algo extremo tenha acontecido comigo, mas geralmente é muito raro.  As pessoas acabam ficando como os seus pais mesmo que tenham se rebelado quando eram crianças.
É simplesmente terrível. Mas também esse tipo de lenda e a ideia de sacrifício—uma vez que ambos meus pais eram heróis nacionais—era realmente algo importante para mim. Senão, desperdiçamos nossa vida. Precisamos de uma causa. Hoje a minha grande causa é o meu instituto, que vai ser aqui em Hudson. A única coisa que se pode deixar é uma boa ideia—não coisas materiais—, e ele [apontando o monge na outra sala] é definitivamente um bom exemplo. Rinpoche?
Sim, é maravilhoso. A nossa relação já dura 25 anos. Richard: Na body art, a ideia original é que ela exista apenas no momento em que ocor-re. Não se pode comprá-la. Mas ao longo dos anos, e como todo mundo tem que ga-nhar a vida, os artistas passaram a vender seus artefatos.
Nunca vendi artefatos. Artefatos não, mas fotografias.
Sim. A ideia de fazer e vender fotos começou a influenciar seu estilo da documentação—te levou a fazer fotos mais bonitas?
Não, não. São duas coisas diferentes. Tenho uma política muito clara em relação a isso. Quando faço performances, as imagens que saem da performance são principalmente documentação, com exceção de alguns casos. Como por exemplo Seven Easy Pieces, em que fiz sete performances diferentes—duas minhas e as demais de outros artistas. Jamais fiz ou vendi fotos de uma performance que não fosse minha. Seria antiético. Então as fotos dessas performances existem apenas como documentação. Mas existem algumas fotografias que eu realmente queria fazer e dei instruções bem específicas [folheia um livro sobre seu trabalho]. Isso foi para a reperformance de Lips of Thomas. Jesse: Essa é pesada. Você come mel e bebe vinho, e então grava uma estrela de cinco pontas na sua barriga com uma navalha, chicoteia-se a si mesma violentamente e se deita em uma cruz de gelo enquanto um aquecedor logo acima de sua barriga mantém a estrela sangrando.
Uma das fotos foi feita exatamente no último minuto das sete horas da performance. E isso foi muito importante para mim. Tudo mais, as fotos do processo, considero ser documentação. Mas isso existe como um trabalho fotográfico. Tenho outras imagens, em que enceno no estúdio. Richard: Certo.
Eu as enceno porque quero o trabalho fotográfico. Mas o que faço, principalmente, é passar um longo tempo em uma certa posição. Tenho, literalmente, uma performance feita para o fotógrafo. Chego a um certo estado mental.

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É isso que você está fazendo em Hudson, Nova York?
Sim, você precisa passar por Hudson para ver o edifício. É caminho de volta à cidade. É um prédio enorme com colunas. Acho que sei de qual prédio você está falando. Quando começa a funcionar, e o que vai acontecer lá?
Abre em 2012. Até 2012 tenho que levantar dinheiro suficiente para reformá-lo e fazê-lo bem simples. Quero começar com vídeo, música, teatro, dança, performance e cinema, mas apenas obras encomendadas a artistas jovens e artistas conhecidos que nunca fizeram performances, mas gostariam de fazer, por um tempo mínimo de seis horas. Tudo tem que ter longa duração. É uma instituição para obras de longa duração. Na verdade eu queria criar cadeiras com camas reversíveis, para o público poder ficar por dez horas. Quem quiser pode dormir, haverá cobertores. Num dos braços da cadeira teria uma bebida gelada, e no outro uma refeição quente. Assim a pessoa não precisa sair. Como uma vida pré-fabricada.
A pessoa estaria o tempo todo na obra, mesmo que dormisse. É o que eu gostaria de fazer. É uma região muito importante porque lá está o Bard College, o MASS MoCA e o Dia Beacon. A Columbia também se dispôs a colaborar. Já tem muita gente interessada, então é o momento certo para desenvolver o projeto. Essa parte do vale do rio Hudson é uma espécie de epicentro da vida artística fora da cidade. Então, fiquei bastante animado quando estava lendo o catálogo do MoMA e vi que você selecionou um texto da Alexandra David-Néel. Adoro ela. Acho ela incrível.
Eu também, ela e a Madame Blavatsky são minhas favoritas. Gosto de Blavatsky buscando a verdade nas velas. Muito bom. E as fotos de Alexandra David-Néel vestida de explorador tibetano. Como você a descobriu?
Antes do budismo tibetano, tive muito interesse em filosofia. Li muito sobre a escrita automática da Madame Blavatsky. Ela era russa, vivia em Londres e era amiga de David-Néel. Você se identifica com ela? Ela te inspira?
Sim, me inspira. Não me inspiro em outros artistas porque outros artistas se inspiram em outras coisas, então é como algo de segunda mão. Não tenho interesse em coisas de segunda mão. Material usado.
Viagens e a natureza são para mim grandes inspirações. Qualquer coisa que tenha a ver com, como costumo dizer, espaços de poder: cachoeiras, terremotos ou vulcões, algum tipo extraordinário, incrível de energia. O Arizona, com aqueles cactos, é um lugar simplesmente místico. Há muita força lá.
É incrível. Basta estar naquele foco de energia para começar a ter suas próprias experiências. Eu amo essa coisa de, tipo, pedras, existe uma memória nas pedras. Então na paisagem você tem a mesma visão. E outra pessoa verá naquela mesma paisagem a mesma visão, porque a ideia continua lá. Está gravada na pedra.
Morei durante um ano com aborígenes no deserto australiano. E vi lá muitas coisas, quer dizer, tive experiências com as coisas mais incríveis. Eles têm uma percepção mais aguçada. Conseguem andar sobre o ectoplasma, sem tocar no chão. Estive com as tribos. Um ano é um tempo muito longo. Isso mudou a minha vida. Mudou completamente a minha vida. O aborígene já nasce com essas habilidades. Podemos treinar para aprender a técnica, mas o aborígene não precisa. Eles não precisam fazer nada. E quanto a nós?
Ah, nós estamos completamente desesperados. Somos inválidos, porque a tecnologia nos separou daquele tipo de percepção. Transformamos a tecnologia em uma muleta.
Eles dizem de nós: “Pobre homem branco, não têm seus próprios sonhos”. Porque eles têm seus próprios sonhos, eles estão conectados à natureza. Tudo está conectado a tudo. Na vida urbana, ao cobrir o chão com concreto e asfalto, não sabemos onde estão as linhas genéticas. Não podemos canalizar a energia do planeta. Mas, no seu trabalho, é como se você conseguisse canalizar uma parte dessa energia.
Meu trabalho me transforma porque tem objetivos muito elevados, quase inalcançáveis, e passo pelo processo, e isso me transforma. Mas se estou apenas vivendo minha vida sempre escolho o caminho mais fácil, como todo mundo. Não se chega a lugar algum dessa maneira. O perigo e a dor são, no seu trabalho, uma forma de amplificar o presente?
Não, são mais para entender os limites físicos do corpo. Eu tinha muito interesse em ver onde estavam esses limites. Nos estágios iniciais dessas performances, fui a hospitais assistir operações. O cérebro, os quadris – eu ficava lá por três ou quatro horas. Eles usam serras, fios, todo tipo de coisa, testam os limites físicos. E mais tarde, por meio dessas performances, fiquei muito interessada em limites mentais, o que acho muito mais difícil. Todo mundo diz: “Ah, ela não está fazendo trabalhos tão difíceis”. Mas isso não é verdade. As outras eram breves, eu podia fazer sei lá, em uma ou duas horas, e depois descansar por seis meses. Sim, e a dor física é de certa forma tangível. A dor psíquica é um tanto abstrata e mais difícil de confrontar, certo?
Sim, com certeza. Porque é como lidar com um tipo de material que você não conhece, sabe? Você disse que por volta de 1989 você sentiu a necessidade de mudar, de riso, prazer e glamour.
Sim, sim. Você viu o meu Ricardo Tisci novo? Ah, na comemoração? A festa de encerramento da exposição no MoMA? Sim. Você estava glamorosa.
Deus. Ele fez haute couture para mim. Eu estava mais bonita do que nunca. Como você se sente em coisas assim?
Eu amo. Sabe, a maioria dos artistas quer se apresentar de determinada maneira para seu público. É como se eles fossem tímidos. Depois do trabalho na Muralha da China que fiz com Ulay… Para os que não sabem, esse foi o seu último trabalho com Ulay. Cada um partiu de um dos extremos da Grande Muralha e cami-nharam até se encontrarem.
Certo. Acho que eu era apresentada, provavelmente, como uma pessoa cética e dura. Eu estava cansada disso porque também tenho outro lado. Adoro piadas ruins. Conheço as piadas mais sujas do mundo. Adoro comer chocolate sem parar. Amo glamour.

Você parece, sim, muito ascética no seu trabalho.
Está tudo misturado. E acho que as pessoas podem se relacionar muito mais comigo por causa dessa coisa humana. Porque todo mundo tem essas contradições em si. Mas tem vergonha de mostrar. Sempre achei que os artistas que gostam de ser vistos como membros da classe trabalhadora ficam na defensiva em relação a ter arte como carreira. Vamos falar um pouco sobre The Artist is Present. Como você se sentiu quando acabou?
Você viu o fim? Vi.
Foi insano. A ovação durou 15 minutos.
Dezesseis, me disseram. E só parou porque estavam rindo. Daí o meu ex-marido apareceu e me beijou. Fiquei, tipo[suspira]. Ele me deixou há dois anos, e agora ainda estou apaixonada por ele. Esse final foi muito emotivo para mim. Quando alguém começava a chorar diante de você, o que passava pela sua cabeça?
Às vezes choro com elas porque desenvolvi esse amor incondicional, que é um sentimento realmente incrível de se ter para com um estranho—com pessoas que nunca tinha visto. Teve o caso de um cara enorme, por exemplo. Ele parecia um motoqueiro, ou algo assim. Ele se sentou na cadeira, muito irritado. Dez minutos depois, ele estava chorando. Não era exatamente um choro, mas lágrimas lhe corriam pelo rosto. Ele era incrível. Tive que chorar. Quer dizer, tive essa reação imediata. Choro bastante, aliás, até por haver tanta dor e solidão em Nova York. É simplesmente inacreditável. Existe mesmo muita confusão interior em Nova York.
E as pessoas não estão acostumadas a olhar as outras nos olhos. É impressionante como esse conceito foi simples. Olhar para pessoas estranhas direto no olho é muitas vezes considerado uma espécie de desafio. É como no reino animal, cachorros fixando os olhos uns nos outros.
Quando viajei pelos países muçulmanos, pelos países árabes, aprendi a evitar o olhar dos homens. Porque se um homem te olha de um determinado jeito, ele passa a ser seu, te pertence. No momento em que ele cruza o olhar com o seu, se estabelece uma relação de domínio, o que é inacreditável. Também tem essa coisa de ver quem olha nos olhos por mais tempo.
Só no começo tem isso. Depois de um tempo, estamos ali e começa o processo mental, e logo a pessoa já não me olha nos olhos. Você na verdade… você pode olhar dentro de você mesmo. É apenas outra coisa. Eu crio o cenário e algumas regras. E depois tudo o que acontece depende de você. Isso desencadeia diversas emoções, e as emoções nos dominam. Sabe, durante a última semana da exposição, as pessoas esperavam durante horas. O museu fechava às 17h30, e as pessoas que passaram o dia todo na fila, mas não conseguiam entrar, simplesmente voltavam para o fim da fila e esperavam das 17h30 até o dia seguinte, o que é insano. É incrível.
Na verdade, esperar também faz parte do processo.