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Tecnologia

O Reino Unido Precisa Regulamentar seus Robôs

O Reino Unido divulgou sua iniciativa de robótica nacional, mas ainda precisa criar regulamentações e limites para seus robôs (inclusive definindo o que realmente configura um "robô", oras).
Crédito: Victor H/Shutterstock

Recentemente, o Reino Unido divulgou sua iniciativa de robótica nacional, numa tentativa de se firmar como líder mundial em robótica e sistemas autônomos.

O Conselho de Tecnologia inglês afirmou que o país é uma "mina de ouro da robótica". O Reino Unido poderia ser “a nação líder na corrida da criação de novas tecnologias e serviços utilizados em ambientes domésticos e profissionais”.

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O estudo afirma que o Reino Unido tem uma "chance única" de dominar o mercado de robótica, e que essa liderança trará todas as vantagens ligadas ao pioneirismo de um mercado. O texto diz que os planos estratégicos de outros países, incluindo os EUA, China e Japão, têm sido muito focados em setores e tecnologias específicas, de forma que nenhum deles usufruiu devidamente dos benefícios do mercado de sistemas autônomos.

O relatório gerou um grande bafafá, em especial sobre o plano de utilizar "instalações abandonadas" inglesas como campos de teste para os robôs – plano que é, com certeza, legal pra caramba. Eles vão mandar robôs para usinas nucleares desativadas e para minas de carvão caindo aos pedaços! Robôs na natureza selvagem!

Esse é um posicionamento estratégico muito importante, visto que para que possamos desenvolver a tecnologia robótica a ponto de ela ser usada no dia a dia – e especialmente em lugares inacessíveis a humanos – precisamos testá-la em ambientes adversos, e não apenas em laboratórios. Essas estruturas decrépitas, feias e perigosas podem colocar o Reino Unido no mapa da robótica.

A usina nuclear de Sellafield, um dos locais sugeridos para os testes com robôs. Crédito: Wikimedia Commons/Chris Eaton

Mas apesar de tudo isso ser muito empolgante, outra questão apresentada no relatório é bem menos sexy: o problema da regulamentação. Essa questão é especialmente complicada quando se está lidando com projetos que envolvem locais como os locais de ensaio citados, onde a segurança deve ser mantida a todo custo. Ninguém quer robôs perambulando no meio de reatores nucleares.

De acordo com o relatório, "regulamentação e certificação serão partes indispensáveis da implementação dos RAS (Sistemas Autônomos e Robôtica, na sigla em inglês) em diferentes setores. Os RAS irão funcionar em ambientes de risco, em situações que representam algum perigo a humanos, em asilos, hospitais, teatros, minas, no fundo do mar, no espaço aéreo, em usinas nucleares e em áreas atingidas por desastres naturais. Segurança é algo indispensável em todas essas áreas.”

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Apesar de afirmar que essa é uma questão de extrema importância, o relatório é um tanto vago em relação aos planos do governo para garantir a criação de regulamentação para essas tecnologias. Porém é necessário pensar nessas regras antes de se pensar nas tecnologias em si. De que serve a tecnologia se não pudermos usá-la?

Basta uma olhada nas tecnologias mais avançadinhas para ver o que acontece quando a regulamentação e o debate tardio tentam alcançar a modernidade. O uso do Google Glass foi proibido, por exemplo, para motoristas de carros; ainda existem muitas perguntas não respondidas em relação a carros com piloto autômatico; e as leis sobre drones comerciais e de uso civil são uma bagunça (especialmente nos EUA, deve-se dizer).

“É muito difícil manter a coevolução das leis e do desenvolvimento tecnológico, porém a lei não deveria apenas esperar enquanto novas tecnologias surgem", disse Andrea Bertolini, um pesquisador jurídico da SSSA e membro do projeto europeu RoboLaw.

A criação de leis e regulamentação prévia não atrasa a tecnologia; muito pelo contrário, o ato pode garantir o seu sucesso. "Alguns dos problemas legais das novas tecnologias podem ser resolvidos quando identificados no começo do processo", explicou Bertolini.

Ele citou o exemplo do "design de privacidade", uma abordagem incentivada pela Secretaria de Informações do Reino Unido. Nesse sistema, os designers entram em acordo com leis de proteção de dados desde o início de suas criações, dessa forma evitando problemas comuns à consideração tardia dessas leis.

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"É muito difícl manter a mesma velocidade entre as leis e o desenvolvimento tecnológico."

Mas Bertolini diz que esse pensamento deveria se estender a todas vertentes da lei, desde os direitos humanos até questões de seguro e responsbilidade legal. Pensemos na velha pegadinha do carro autônomo: quem é o culpado pela batida de um carro sem motorista?

A cada nova tecnologia criada, novas questões surgem. Perguntei para Bertolini qual é a definição legal de um robô, e ele me disse que isso é quase impossível de se responder.

O termo traz à mente sistemas autônomos e independentes, mas essa definição não abrange equipamentos mecanizados como próteses biônicas, por exemplo. E de qualquer forma, é de se esperar que a justiça lide de forma diferente com um aspirador de pó Roomba e com um drone do tipo Predator.

Pesquisadores do projeto RoboLaw, que irá apresentar propostas de regulamentação para a Comissão Européia ainda esse ano, estão desenvolvendo regras diferentes para diferentes sistemas robóticos. Mas isso leva muito tempo, e enquanto isso nós vivemos uma batalha contra o desenvolvimento da tecnologia. Se não criarmos novos regulamentos e normas de conduta condizentes às novas tecnologias, os juízes serão obrigados a fazer decisões com base em leis já existentes – e que podem não ser apropriadas aos casos.

Perguntei para Bertolini se estamos prontos para isso tudo. Projetos como o RoboLaw estão trabalhando com esse objetivo, ele disse: "Se um carro automatizado fosse para as ruas da Europa amanhã nós teríamos vários problemas". Até as questões mais triviais podem causar um rebuliço – como o fato de um veículo ser definido legalmente como algo com um motorista.

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Um carro automatizado (nos EUA). Crédito: Flickr/Ken Conley

Em seu relatório estratégio, o Reino Unido reconhece que criar regras muito rapidamente pode ser uma boa forma de atrair investidores. “A criação de um ambiente legal adequado é a chave para o incentivo à criação de produtos e serviços de tecnologia RAS no RU, com operações seguras e uma agenda de testes e avaliações durante o processo", lê-se no documento. "Diálogos com órgãos reguladores e o governo britânico mostram que o Reino Unido tem a disposição e a flexibilidade necessárias para resolver essas questões de uma forma pragmática."

Esse anseio em discutir a regulamentação que envolve a robótica pode vir a ser o trunfo mais importante do Reino Unido – mais importante até que os testes maneiros em seus prédios abandonado. Isso é, se tudo ocorrer conforme o planejado.

O relatório menciona a necessidade do diálogo entre orgãos reguladores e agências como o BSI e a Autoridade de Aviação Civil (CAA) do Reino Unido. Richard Taylor, porta-voz do CAA, me disse que existe um grupo cujo objetivo é discutir questões regulamentares ligadas à sistemas autônomos.

É claro que a área de atuação do CAA se resume à veículos aéreos não-tripulados, mas Taylor diz eles estão presos à evolução da tecnologia. “A criação de novas leis está invariavelmente ligada ao desenvolvimento tecnológico da indústria", disse ele.

Apesar da existência de veículos aéreos controlados remotamente (os famosos drones) em espaços aéreos "não-segregados", ele afirmou que a criação de um veículo aéreo de tamanho normal e completamente autônomo está, atualmente, fora de cogitação. Taylor também disse que não isso não acontecerá tão cedo.

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"É óbvio que esse é um novo campo tecnológico que necessitará de novas leis e regras", disse. Existem também as complicações relacionadas à integração de tecnologias aprovadas na União Européia na regulamentação de autoridades nacionais. "É um campo muito misterioso", ele completou.

"É óbvio que esse é um novo campo tecnológico que necessitará de novas leis e regras."

Para se tomar a dianteira na corrida da regulamentação deve-se ter um equilíbrio entre a pressa em colocar novas tecnologias à venda e a lentidão do processo de solução de problemas legais.

O que no final significa que temos que manter a bola rolando. David Lane, chefe do grupo de Sistemas Autônomos e Robôtica que escreveu o relatório para o Conselho de Tecnologia, afirmou que seu grupo acredita que o Reino Unido pode chegar a monopolizar 10 por cento do mercado global de robótica até o ano de 2025, mas que o país ainda não está pronto para isso. Na verdade, o especialista em robótica Noel Sharkey disse à BBC que ”nós já estamos bem atrás na corrida tecnológica."

Essa poderia, de quaquer forma, ser uma razão a mais para se focar na regulamentação. O Reino Unido não é exatamente um polo da tecnologia de carros autônomos (apesar do projeto notável da Oxford, o RobotCar), mas o governo divulgou uma revisão de regulamentos e legislação no final do ano passado, com o objetivo de afirmar o país como zona de teste para as novas tecnologias. É uma boa tática para adiantar o país na corrida tecnológica e atrair empresas para o Reino Unido.

Como o relatório afirma, o caminho das tecnologias até o mercado – a transição entre os laboratórios e o mundo real – é um caminho com muito potencial. “Nosso objetivo é reforçar o ecossistema de sistemas autônomos no Reino Unido, e dessa forma desenvolver habilidades e permitir o surgimento de novas ideias e inovações que serão testadas em nosso mercado – e assim nos colocar à frente da concorrência", diz o relatório.

Há uma miríade de fatores decisivos na área de sistemas autônomos e robótica (inclusive algo ainda mais chato que regulamentação: financiamento), mas se o RU puder usar a sua ambição para criar um "ambiente regulamentar transparente para o desenvolvimento da tecnologia RAS", o país pode se firmar como uma incubadora de novas tecnologias – ou até mesmo um símbolo de inovação.

Tradução: Ananda Pieratti