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Tecnologia

Vinte e Quatro Milissegundos: Por que o Ártico Está Recebendo Fibra Ótica

Graças às mudanças climáticas, as obras da maior conexão de internet estão prestes a começar.
​Crédito: ​Mike Beauregard/Flickr

​Em 24 milissegundos uma abelha bate suas asas cinco vezes – uma mosca comum, oito. Uma câmera em condições de luz medianas poderá captar duas imagens. Em 24 milissegundos o cérebro humano não tem tempo o bastante para processar informações sensoriais (é preciso cerca de 80 milissegundos). A cada 150 anos, mais ou menos, a rotação terrestre desacelera cerca de 24 milissegundos.

Assim que a Arctic Fiber, um startup de telecomunicações de Toronto, acabar de instalar novos cabos de fibra ótica debaixo do Oceano Ártico (e partes do Atlântico e Pacífico), a primeira rede a atravessar o fosso polar, a velocidade da internet entre o Japão e o Reino Unido será 24 milissegundos mais rápida. O custo desses 24 milissegundos? 850 milhões de dólares.

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O projeto terá início nesta primavera, na esperança de ser ativado até 2016. A Arctic Fiber instalará 15,6 mil quilômetros de cabos no total, seguindo uma rota de Tóquio até o Alasca, através da recém-aberta Passagem Noroeste pelo Ártico canadense e, então, diretamente pelo Atlântico Norte, encerrando sua jornada em Londres. O tempo total de viagem de um pacote de dados óticos entre os dois terminais da linha será de 154 milissegundos.

Há mais do que 24 milissegundos envolvidos, porém – parte da missão mais ampla do projeto é levar internet rápida às comunidades do Ártico que não dispõem de conexão, reduzindo essa distância digital. Igaluit, a capital da província Nunavet no Canadá, é um exemplo; não muito longe da cidade, o cabo emergirá da Baía de Hudson através de um bueiro na praia, de onde um ramo se ligará à infraestrutura de telecomunicações baseada em torres da cidade.

Crédito: Arctic Fiber

Atualmente, boa parte do norte canadense acessa a internet via satélite (meio que a única opção em áreas remotas no mundo inteiro), que é como ter acesso discado, mas um acesso discado feito por meio de uma linha horrorosa sujeita a blecautes e solavancos. Não é algo que a maioria de nós reconheceria como internet.

"O maior benefício [do cabo] é para aqueles residentes nas comunidades do Alasca e do Ártico canadense que não mais serão reféns do satélite" disse Doug Cunningham, CEO e presidente da Arctic Fiber, ​ao IEEE Spectrum. "Para muitos no norte do Canadá, o YouTube é um sonho." Dito isso, espera-se que o projeto leve internet de velocidade razoável a 57 mil canadenses e 26,5 mil cidadãos do Alasca.

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Tudo lindo, mas aquele 24 milissegundos ainda estão na raiz da coisa toda. O câmbio de moedas e ações ao longo dos anos foi entrando em mundo bizarro em que ganhar dinheiro é cada vez mais uma função da tecnologia de comunicação do que de qualquer outra coisa. Uma vantagem de fração de segundos é gigantesca para quem negocia (com alta frequência, especificamente). Tanto é que uma instalação de 850 milhões é, de certa forma, uma pechincha.

Em uma entrevista concedida à NPR em abril de 2014, Michael Lewis, autor do livro Moneyball​explicou da seguinte forma: "Se sei das mudanças de preço antes de todos, se sei que uma ação cairá ou subirá antes de você, tenho como agir de acordo. Se você está chegando para comprar ações da Procter & Gamble e acha que elas custam 80… E lá estou eu com um negociador de alta frequência e sei que o preço de fato está mais baixo – caiu [para] 79 – posso comprá-la [por] 79 e vendê-la para você ao preço de 80. É tipo como saber o resultado de uma corrida antes que ela aconteça".

Eis a tecnologia.

Crédito: Arctic Fiber

Os 24 milissegundos da Arctic Fiber surgiram às custas de um clima mais quente. Faz apenas seis anos que os navios começaram a trafegar pelo pedacinho de mar aberto através do Ártico canadense. Este mesmo pedacinho que permitirá que barcaças com cabos passem os fios pela nova passagem. ​Um FAQ do projeto nota que a frota do Ártico talvez venha com suporte para quebra-gelos, se necessário, mas assegura que o projeto é completamente viável.

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Outros não são tão otimistas. Cabos de fibra ótica no Ártico existem atualmente – um com dez anos de idade na Noruega e outro mais recente ligando a Groenlândia ao Canadá continental – mas a ponte em larga escala da Arctic Fiber ainda não está garantida, ​apesar do apoio financeiro entusiasmado de fundos privados de Nova York.

Em um ​relatório recente do Anuário Ártico, Michael Delaunay contra-argumentou que "tal empreendimento nunca foi levado adiante nas águas gélidas do Ártico em que o gelo e o curto intervalo para instalar (ou manter) os cabos são desafios óbvios, O clima pode ser um obstáculo e tanto para instalação e reparos".

"Por ora, o Ártico só fica sem gelo três meses ao ano, no verão", escreveu Delaunay.

"Mesmo durante esse período, o gelo pode impedir navios de entrarem e/ou transitarem pela ​Passage​m Noroeste, como aconteceu em 2013, ano em que o gelo não cedeu o esperado". No verão passado, a abertura da Rota do Mar do Norte, a versão russa-asiática da Passagem Noroeste, atrasou por conta do gelo. Isso impacto toda a economia da região.

A viabilidade do projeto é de uma vulnerabilidade singular e isso tudo tem a ver com aqueles 24 milissegundos. Em determinado momento, o cabo terá que subir em uma península extremamente remota no Ártico. Nela os engenheiros terão que talhar cortes – com a ajuda de serras e equipamento pesado – através de 50 quilômetros de tundra à prova de balas. O cabo será trazido por via aérea e será instalado com o uso de trenós e snowmobiles. Não será nada fácil.

A única alternativa é um desvio de 1.800 quilômetros em torno do território, o que não só adicionaria mais 100 milhões ao projeto, mas também anularia a tal vantagem buscada pelos financiadores da Arctic Fiber, ​como explicado em seu FAQ.

De fato, o destino da conectividade do Ártico está nas mãos de alguns negociadores com bala na agulha. Certamente há uma lição ai.

Tradução: Thiago "Índio" Silva