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Fascistas Brigaram Entre Si na Inglaterra Sábado Passado

Fomos ver os caras da Liga de Defesa Inglesa demonstrando sua preocupação com as vítimas de exploração sexual enchendo a cara e brigando nas ruas contra outros grupos fascistas.
Simon Childs
London, GB

Todo mundo sabe que “é a mãe” é um insulto clássico de moleque de escola. Só pra ser irritante, um amigo meu costumava responder assim a absolutamente qualquer coisa que alguém dissesse, o que acabava em várias conversas sem pé nem cabeça:

“Me empresta o transferidor?”

“Transferidor é a mãe.”

Se bem que, às vezes, até podia fazer sentido.

“Quê? Minha mãe é um transferidor? OK, cara.”

*pausa de alguns minutos*

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“Então… O que você vai fazer hoje à noite?”

“Sua mãe. Aôôôô.”

“Que saco.”

“Saco é a mãe.”

“Puta que pariu.”

Bombardeando a gente com ofensas do tipo “é a mãe” de hora em hora, meu amigo pentelho sabia que nunca ia perder uma das raras ocasiões em que essa piada besta realmente funcionaria.

No mesmo nível de maturidade, a Liga de Defesa Inglesa (EDL, em inglês) vem culpando muçulmanos por praticamente tudo que acontece na Inglaterra há anos. Se você responder “muçulmanos” toda vez que alguém perguntar de quem é a culpa de alguma coisa, eventualmente um deles vai fazer alguma coisa errada e você vai poder se sentir justificado.

Foi o que aconteceu num caso de exploração sexual infantil. Em 2012, uma investigação de Andrew Norfolk para a Times expôs gangues de aliciamento paquistanesas operando no norte da Inglaterra. A LDI entrou nessa de cabeça, e isso se tornou uma das grandes varas que o grupo usa figurativa e literalmente para atacar a população muçulmana do país.

No mês passado, surgiu um novo relatório que fez a LDI se sentir ainda mais com a razão. Líder de um inquérito sobre exploração sexual infantil em Rotherham (e autor do agora infame relatório), o professor Alexis Jay estima que cerca de 1.400 crianças foram sexualmente exploradas na cidade de South Yorkshire de 1997 a 2003, com a vasta maioria dos perpetradores sendo descendentes de paquistaneses.

Muitas vítimas também eram paquistanesas, mas a LDI usou o caso para vender a história de que exclusivamente garotas inglesas eram vítimas dos pedófilos muçulmanos. E como as autoridades falharam em agir por medo de ser “politicamente incorretas”, a liga teve ainda mais certeza de que esteve sempre certa.

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Assim, ela decidiu levar essa mensagem para as ruas de Rotherham no sábado passado. Fui até lá para ver os caras da LDI demonstrando sua preocupação com as vítimas de exploração sexual enchendo a cara e brigando nas ruas.

Lá, membros de vários grupos de extrema-direita dissidentes estavam presentes, e fileiras da tropa de choque estavam em todas as ruas próximas. Algumas lojas tinham baixado as portas e outras tinham funcionários posicionados em frente, observando a multidão com ansiedade.

No meio da manifestação, um simpatizante da LDI chegou me contando a história do Lar de Garotos Kincora. Localizado em Belfast, houve ali cenas de abuso sexual contra menores por anos, um caso supostamente encoberto pelo serviço secreto. Pensando agora, eu devia ter perguntado o que isso tinha a ver com a insidiosa islamização do Reino Unido, o ponto principal de todas as declarações do LDI sobre o assunto.

Logo ficou claro que eu estava no meio de um grupo que acreditava que seu preconceito coletivo tinha sido confirmado da forma mais contundente possível. A coisa toda era para ser um grande “eu não disse?”

Cerca de um minuto depois de esta foto ser tirada, um comissário da LDI percebeu nossa presença (a minha e a do fotógrafo da VICE Jake Lewis) e deu a entender que, se não fôssemos embora, alguém ia quebrar a câmera do Jake, além de fazer ameaças veladas e insistir que estava ali para impedir confusões.

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A gente decidiu não apanhar dessa vez e fomos acompanhar a manifestação da Unite Against Fascism (UAF) que acontecia ali perto. Um protesto bem pequeno e calmo em comparação com o da LDI.

Mas há motivos para um evento realizado pela UAF não ter muito apelo. A organização foi formada como uma frente do Partido dos Trabalhadores Socialistas. O PTS deixou de ser um dos maiores partidos de extrema-esquerda da Inglaterra para se tornar um retardatário sectário depois de seu próprio escândalo de abuso sexual.

Encontrei uma ativista do Partido Trabalhista inglês chamada Jane. Perguntei o que ela achava da negligência do conselho local, o que levou à suspensão de quatro membros do partido dela para investigação. “Eu gostaria de ver um conselho da UKIP [o Partido da Independência, que é anti-imigração], pode colocar assim.” Esse é o tipo de lealdade cega e de complacência que resumem muito do que deu errado em primeiro lugar.

Depois falei com John, um assistente social aposentado. Ele afirmou: “Isso não é novidade e existe em todas as cidades do país. O horror é que isso é ignorado”.

Perguntei por que ele achava que isso era ignorado. “É uma questão de recursos, mas também por causa do descaso de algumas dessas agências, particularmente da polícia. Eles chamam isso de ‘SOS’: Scum On Scum [Escória na Escória]. Há a crença de que as pessoas que estão sendo exploradas estão pedindo por isso, ou que não são importantes. Na maioria, são garotas da classe trabalhadora que já tiveram problemas com a polícia ou que já têm registro criminal.”

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“O caso mais óbvio de abuso sexual com que já lidei foi de um pedófilo branco que se envolveu com uma família asiática. Mas não saí por aí dizendo que abuso sexual é isso, porque é algo que acontece em todas as comunidades.”

De volta ao lado da LDI, vários grupos de extrema-direita – os abertamente racistas demais para serem aceitos na manifestação principal – foram forçados a fazer sua própria marcha. Pelas bandeiras, parecia que os presentes eram a British National Front (BNF) e alguém da Englisc Resistance (escrito assim mesmo). Como tinham me pedido para sair da manifestação da LDI mais cedo, cheguei à conclusão de que essa foi a primeira vez que me trataram igual a um membro da BNF.

Ah, e uma coisa chamada World Church of the Creator também foi vista em algum lugar ali perto. Esse pessoal passou os anos 80 rezando para seu Deus, Adolf Hitler, e publicando a chamada “Bíblia do Homem Branco”. Gente boa, basicamente.

Depois que os grupos dissidentes passaram, uma massa de membros nervosos da LDI encheu a rua.

E, enquanto os grupos viravam a esquina, esses caras ficaram aplaudindo no meio da rua.

Mas aí, seja lá por qual razão, os dois grupos começaram a brigar. A LDI atravessou as fileiras da polícia, derrubando as barreiras de metal e colocando os fãs indesejados pra correr. Não ficou muito claro o que aconteceu – uns dizem que o grupo do BNF atacou os caras da LDI por chamarem eles de “adoradores de Hitler”. Outros dizem que o LDI atacou o NF por levantar uma bandeira do LDI com cores do arco-íris.

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Aí eles aproveitaram a oportunidade para curtir um pouco do tumulto num gramado próximo, mostrando seus coletes à prova de faca e camisas de futebol com nomes de jogadores franceses.

Assim que a confusão terminou, a marcha continuou através de uma ponte.

Depois chegou à delegacia de Rotherham, encontrando lá um acampamento de protestos que exige a renúncia de Shaun Wright, o atual chefe da polícia.

Wright estava no comando dos serviços de assistência à criança na época do caso. Parece que essa recusa em renunciar o tornou mais odiado que a LDI. Ele insistiu que “realmente acredita” que é “pelo bem das vítimas” que ele continua no posto apesar de o avô de uma das supostas vítimas ter dito a ele na quinta passada: “Se eu tivesse uma arma, eu te dava um tiro”. Sem contar com as visitas diárias da LDI à sua casa.

Aí alguns discursos foram feitos, mas estávamos muito longe para ouvir. Então voltamos ao centro, onde algumas das pessoas que tinham se separado da manifestação principal ainda estavam reunidas.

Era hora de ir embora. Mas, antes, conversei com Sue e Anne, que não estavam nem um pouco felizes com sua cidade ter virado um playground de racistas. Sue (à esquerda na foto acima) disse: “Foi horrível o que aconteceu. Mas isso não vai ajudar: a LDI aparecer, dividindo a comunidade. Isso é terrível”.

De certa forma, a opinião dela corrobora o relatório de Alexis Jay. Evitar lidar com os casos de abusos sexuais envolvendo paquistaneses, por medo de “dar gás” a perspectivas racistas, é uma atitude que só pode ser condenada. Mas, de acordo com o relatório, “até certo ponto, essa preocupação era válida, com a cidade sendo alvo de grupos como a Liga de Defesa Inglesa, por exemplo”.

Ao dizer que os crimes de um grupo de paquistaneses refletem de forma ruim em todo muçulmano britânico, a LDI pode ter dificultado a denúncia de outros casos assim. Também pode ter facilitado que autoridades negligentes ou cúmplices descartem alegações envolvendo pessoas não brancas como simples “racismo”.

Apesar de contraproducente, a narrativa do LDI parece fazer sentido para algumas pessoas. Falei com uma garota de 17 anos chamada Tegan. Ela frisou que não apoiaria a LDI normalmente, mas que era bom ver “alguém” se manifestando contra os abusos. Isso meio que resume o problema. O fracasso em lidar com a situação num nível institucional permitiu que a LDI posasse de herói, tomando a dianteira nessa situação horrível, porque outros grupos foram muito apáticos ou incompetentes para fazer isso.

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Tradução: Marina Schnoor