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Uma Entrevista com o Obama Sobre Reforma Prisional nos EUA

A VICE acompanhou o presidente norte-americano Barack Obama numa visita à Instituição Correcional Federal em El Reno, Oklahoma, a fim de filmar um episódio especial sobre o sistema de justiça criminal dos EUA para nosso programa na HBO.

O presidente norte-americano Barack Obama conversa com detentos não violentos na FCI El Reno.

Em julho, a VICE acompanhou o presidente norte-americano Barack Obama numa visita à Instituição Correcional Federal em El Reno, Oklahoma, a fim de filmar um episódio especial sobre o sistema de justiça criminal dos EUA para nosso programa na HBO. Foi a primeira vez que um presidente dos EUA no poder visitou uma prisão federal. Abaixo, temos trechos – ligeiramente editados para dar mais clareza – da nossa entrevista feita durante o episódio transmitido no dia 27 de setembro pela HBO.

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Shane Smith: É a primeira vez na história norte-americana que um presidente visitou uma prisão federal. Por que agora? Por que isso é importante?
Presidente Barack Obama: Nos últimos 20 anos, vimos uma mudança sem precedentes nas taxas de encarceramento. Vimos a população prisional dobrar. Uma grande porcentagem disso é de criminosos não violentos envolvidos com drogas.

O número de condenados por ofensas de drogas é 21 vezes maior hoje do que era nos anos 80. Há mais encarceramentos por crimes envolvendo drogas do que por homicídio, agressão, sequestro, assalto, armas, imigração, incêndio criminoso, crimes sexuais, extorsão, suborno, etc. – juntos*. Como isso aconteceu?
Acho que havia muito medo. A Guerra às Drogas, a epidemia de crack, tudo isso se tornou, acredito, uma causa bipartidária para pegar mais pesado com o crime. E encarceramento se tornou uma receita fácil e simples na mente de muitas pessoas. Ninguém nunca perdeu uma eleição por ser rígido demais com o crime.

E ninguém parou e se perguntou: é realmente certo que alguém envolvido num crime sério, porém não violento, envolvendo drogas pegue uma pena maior que a de um estuprador?

O mais interessante é que as taxas de crimes não violentos caíram consistentemente, enquanto os custos de encarceramento obviamente decolaram.

As estatísticas são alarmantes: para cada 17 homens brancos, um tem a chance de ser preso durante a vida; para os homens negros, o número é de um em cada três. O sistema de justiça criminal norte-americano é racista?
Acho que o sistema de justiça criminal interage com padrões mais amplos da sociedade de uma maneira que resulta em injustiça. O sistema, todos os estudos mostram, é institucionalmente tendencioso, de maneira que um jovem afro-americano tem mais chance de ser suspenso da escola do que o jovem branco pelo mesmo comportamento. O jovem negro tem mais chances de ser preso, mais chances de ser acusado, mais chances de ser processado agressivamente, mais chances de pegar uma sentença mais pesada.

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O sistema se inclina numa direção injusta. Particularmente quando você pensa em crimes não violentos relacionados a drogas. Essa é uma área na qual as estatísticas são tão enviesadas que você precisa questionar: nos tornamos tão insensíveis às custas dessas comunidades que achamos normal que um jovem negro ou latino passe pelo sistema de um jeito ou de outro? Isso não é normal. E isso tem de ser abordado claramente para que possamos ter resultados melhores.

Você já usou drogas. Você disse hoje: "Olha, tomei más decisões quando era jovem". Todo mundo toma. "Mas eu estava numa comunidade ou eu tinha a capacidade de não ter ramificações tão duras para os meus erros." Por isso, talvez, hoje você seja o primeiro presidente a sentir empatia pelas pessoas que estão aqui?
Bom, gosto de pensar que outros presidentes sentiram o mesmo, mas posso dizer que sinto isso de forma aguda.

Quando me mudei para Chicago e comecei a trabalhar com organização comunitária em bairros pobres, um dos pensamentos mais poderosos que tive era dirigir pelas ruas com garotos que, naquele estágio – eu tinha 20 e poucos anos –, não estavam longe de onde eu estava, sabendo que os erros que eles cometessem podiam colocá-los na prisão, o que nunca aconteceria comigo quando eu era garoto no Havaí. A noção de que você ou eu não seríamos tão facilmente arrastados para isso, de que não seríamos tão facilmente presas das tentações das ruas, aquilo não parecia certo para mim. Isso não parecia verdade.

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Você falou – muitas outras pessoas também – que a Guerra às Drogas fracassou. O sistema de justiça criminal tem problemas. Isso é bipartidário agora. Os dois lados do corredor dirão: "Sim, percebemos que há problemas". Isso se tornou uma questão importante para você. Isso pode ser consertado?
Há todo um conjunto de investimentos que podemos fazer: podemos nos concentrar em intervir na vida dos jovens antes. Podemos nos concentrar nas escolas e em que garotos negros e latinos não sejam mais suspensos que os outros garotos.

Se realmente investirmos em educação e eles estiverem lendo no nível da terceira série quando estiverem na terceira série, então sabemos que eles têm menos chances de entrar no sistema em primeiro lugar. Se investirmos em programas educacionais nas prisões – você ouviu como esses caras disseram que isso fez uma grande diferença para eles. Programas de abuso de drogas e programas de educação.

Programas vocacionais.
Programas vocacionais. Reconhecemos que temos de prepará-los melhor para quando eles saírem daqui. Porque a maioria vai sair em algum momento.

Se pudermos fazer progresso nesse subconjunto do problema, que são criminosos não violentos envolvidos com drogas, podemos realmente ter uma maioria trabalhadora em torno dessa questão.

Nada é fácil. A maioria das pessoas não está interagindo com o sistema de justiça criminal e não vê o impacto que isso está tendo nas comunidades. E parte do nosso trabalho é iluminar a questão. Acho que há empatia suficiente entre as pessoas de boa vontade do espectro político dos EUA para que possamos fazer isso.


*A maioria dos detentos federais nos EUA está presa por crimes não violentos relacionados a drogas, porém a maioria dos detentos em prisões estaduais foi encarcerada por crimes violentos.

Tradução: Marina Schnoor