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VICE Sports

Não siga o treino de Joe Strummer para maratonas

O líder do The Clash não era exatamente um cara atlético, nem achava o esporte fundamental para a vida, mas às vezes saia para correr depois de métodos questionáveis de treino.
Niccolò Carradori
Florence, IT

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Sports Espanha

Numa tarde fresca de maio em Paris, o líder dos The Clash, Joe Strummer, e a namorada, Gaby Salter, bebem na esplanada de um bar de Montmartre, o bairro dos artistas. A aparência de Joe é bastante peculiar: barba grande e cabelo com corte moicano. Gaby, por sua vez, mais discreta, afaga o cabelo ruivo liso enquanto lê um jornal local.

O casal está bem disposto e ri bastante, talvez porque os textos em francês lhes soem bastante exóticos e extravagantes. Joe e Gaby não podiam estar em outro lugar a não ser no bairro onde nasceu Maurice Utrillo e onde personagens como Picasso, Van Gogh e Modigliani adoravam passar os dias.

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Joe Strummer e Gaby Salter desfrutando de umas bebidas energéticas. Imagem via Twitter.

Do pouco que entende do jornal, Gaby avisa que dali a dois dias se realizará a Maratona de Paris. Joe fica encantado. Já tinha participado na Maratona de Londres em 1981 e acha que a prova parisiense é uma ideia divertida para aproveitar da melhor forma o exílio forçado.

Reza a lenda que Bernie Rhodes, o manager dos Clash, teria obrigado Strummer a desaparecer umas semanas antes do lançamento do álbum "Combat Rock". As vendas de "Sandinista!" tinham sido baixas e o grupo parecia perder o hype. O visionário Rhodes entendeu que, se Joe desaparecesse, as pessoas voltariam a prestar atenção no Clash.

Sentado na esplanada, Joe provavelmente saca um cigarro do bolso do casaco de cabedal. Faltam apenas dois dias para a Maratona e está decidido a correr. No livroRedemption Song: The Ballad of Joe Strummer, Gaby explica que Joe não treinou absolutamente nada: "Claro que não. Comprou uns calções e disse: 'Vamos lá correr essa Maratona'" .

Joe sabia perfeitamente que lhe fazia bem se afastar dos estúdios de gravação e deixar de pensar em música um tempo. A sua escapada poderia ajudar a banda a regressar a um estado de paz, já que, nos últimos tempos, os problemas com Mick Jones tinham tomado proporções bastante sérias.

Strummer abandonara as gravações de "Combat Rock" antes delas terminarem. Em 16 de maio de 1982, quando o disco é posto à venda, Joe fica surpreendido de encontrá-lo nas lojas. O mundo inteiro questionava sobre o seu paradeiro e ele perguntava quando tinha saído o seu último disco. Que fina ironia. Joe não era propriamente um cara atlético, nem achava que o desporto fosse um pilar fundamental da sua vida. Mas verdade seja dita: tipos como ele sempre fizeram o que lhes dá na telha. Numa entrevista ao jornal norte-americano Steppin' Out, publicada anos depois, Strummer confirmou que, ao longo da vida, tinha participado em três maratonas… E, para além disso, descreveu a sua preparação atlética – que recomendamos fervorosamente que você NÃO siga.

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É verdade que você chegou a participar de uma Maratona de Paris?
Sim. Participei em três maratonas em toda a minha vida.

E você treinou para alguma delas?
Você não devia fazer perguntas sobre o meu treino…

Por quê?
Porque não é bom para a saúde e não quero que as pessoas tentem imitá-lo.

Não me obrigue a dizê-lo.
Ok, você que pediu. Bebi 10 pints de cerveja no dia anterior. E não fiz qualquer esforço nas quatro semanas antes da maratona.

Não correu nem um metro?
Não, nada. E não esqueça das 10 cervejas da noite anterior. Mas quero que ressalte uma mensagem no seu artigo: "Não faça isso em casa". Este tipo de treino funciona comigo e com o Hunter Thompson, mas seguramente não funcionará com a maior parte das pessoas. A única coisa que posso garantir é que o fiz.

De acordo com o site Grantland, não há praticamente nenhuma prova de que Joe Strummer alguma vez tenha participado na Maratona de Paris de 1982. Na foto que aparece no documentário "Joe Strummer: The Future is Unwritten" não é visível qualquer número na camisola do músico, nem na de Gaby. Se tivesse mesmo participado apareceria o seu nome, ou o da sua namorada, mas nenhum dos dois aparece - nem sequer o nome verdadeiro de Joe Strummer, John Mellor.

Contudo, precisamos ter em vista que estamos falando de Joe Strummer. É muito provável que ele tenha corrido sem estar inscrito na Maratona de Paris e que não tenha dormido sequer uma hora na noite anterior. Também é muito provável que não tenha acabado a corrida, claro.

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A única coisa que nos parece importante salientar é que até Joe sabia que libertar toxinas do corpo, suar e fazer desporto pode, de vez em quando, ser bom para a saúde. Mesmo que o tenha feito da forma mais alucinada possível. O próprio confessou que sofreu bastante depois de correr maratonas, o que não é de se estranhar se levarmos em conta a dieta que seguiu e que revelou na entrevista.

Em 20 de Maio de 1982, os The Clash voltariam a tocar juntos em Lochem, na Holanda. Poucos dias antes, Joe não teve como evitar o seu regresso às luzes da ribalta: um jornalista alemão o viu num bar de Paris e a sua invisibilidade se esfumou.

Joe Strummer faz alongamentos antes de subir ao palco. Imagem via Twitter.

John Graham Mellor morreu de enfarte em 2002, aos 50 anos. Deixou para trás um buraco gigante de raiva e repressão, que nos anos 70 conseguiu encher com as suas letras. O seu punk-reggae mudou o género musical para sempre e também a vida de muitas pessoas que com se sentiam vivas e perfeitamente representadas com suas letras.

E agora talvez seja a hora de correr, de libertar toxinas, de esquecer merdas e de se libertar de todas as ansiedades: mesmo que não tenhamos treinado, ouçamos estavcanção que não há dor nem cansaço que possam nos travar.

Siga o autor no Twitter:@nicolerebo