​O Brasil é o país das rinhas de robô e você nem fazia ideia disso
Um passeio pelas garagens dos caras que adoram o cheirinho de metal pela manhã. Crédito: Felipe Larozza/VICE

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Tecnologia

​O Brasil é o país das rinhas de robô e você nem fazia ideia disso

Um passeio pelas garagens dos caras que adoram o cheirinho de metal pela manhã.

Aço pode parecer manteiga depois de uma porrada forte o bastante para tirar uma lasca. Esta é a primeira impressão ao olhar o pará-choque da arena da Winter Challenge, a principal competição de robótica de combate no Brasil, no ginásio do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), em São Paulo.

As cicatrizes dos combates agora estão distantes dos olhos dos torcedores. Sem torneio em curso, a arena fica desmontada e bem guardada a pouco menos de um quarteirão de distância do IMT.

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No andar de cima onde repousam placas de aço e material blindado, funciona a Robocore, empresa responsável pela organização dos principais campeonatos nacionais de robótica no Brasil. Por aqui a história dos combates de robôs está atrelada à empresa e seu fundador, Paulo Lenz, de 36 anos. Seu nome é citado em qualquer conversa sobre lutas entre máquinas no país. É, a bem dizer, uma espécie de líder da cena.

"O carro-chefe da RoboCore é a venda de peças para automação. Os torneios nós fazemos porque gostamos", ele me diz, próximo à entrada de sua loja onde são expostas várias placas e projetos. De cabelos grisalhos e aparência jovial, Lenz é um sujeito sorridente e de pensamento rápido que não esconde a empolgação ao falar dos robôs – mesmo quando trata das desvantagens de sua paixão. "Eles são bem caros e normalmente dão prejuízo", diz, sem tirar o sorriso do rosto.

Integrantes da equipe ThundeRatz, da Escola Politécnica da USP. Crédito: Felipe Larozza/VICE

Grande parte da história de Lenz se entrelaça com a robótica competitiva brasileira. Quando estudante da graduação de Engenharia de Controle e Automação na IMT, recebeu convite de amigos para participar do primeiro combate do Brasil. A organização, claro, era toda amadora. Na época os robôs seguiam o estilo Mad Max, à base do improviso. "A gente ficava pensando em qual arma deveríamos instalar, mas no final das contas, se o seu robô andasse isso já era uma vitória", comentou Lenz.

O amadorismo durou até 2005, quando, depois de uma temporada nos Estados Unidos, o futuro fundador da RoboCore voltou ao Brasil com conhecimentos da Robot Fighting League (RFL), a maior organização do setor. A RFL estava muitos passos à frente. Além da experiência técnica, tinha padronizado pesos e categorias que servem de base para categoria até hoje. Foi também neste período que a mais famosa arena nacional de combate foi construída e entrou em uso.

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Crédito: Felipe Larozza/VICE

Embora os combates de robôs fossem novidade no Brasil no início dos anos 2000, competições deste tipo já aconteciam no exterior desde o final de 1992. Na época o especialista em efeitos especiais Marc Thorpe, conhecido por trabalhar em produções como Star Wars e Indiana Jones, organizou o primeiro campeonato de robôs de combate que se tem notícia, o Robot Wars. De início, atraía apenas curiosos e fãs de tecnologia e robótica; em 1998, porém, o torneio foi transmitido pela primeira vez na emissora britânica BBC Two, sendo exibido pela última vez em 2004.

A Robot Wars acabou ofuscada por outra batalha robótica televisiva, a BattleBots, exibida no Comedy Central. Durou pouco, porém. A atração foi acusada de plágio por Marc Thorpe e foi deixada de lado pelo canal dois anos depois. Foi retomada em 2015 em outra emissora, a ABC.

Crédito: Felipe Larozza/VICE

Em 2016 o sucesso do programa é o robô "Minotaur", da equipe carioca RioBotz. A equipe ganhou suas duas primeiras batalhas, e o vídeo do segundo combate, uma briga emocionante, com jovens com rostos enfurecidos e controles nas mãos enquanto as máquinas se digladiavam, se tornou viral nas redes sociais. Foi aí que muita gente passou a saber que o Brasil mandava bem com robôs de combate. Poucos, porém, sabiam o quanto.

Os pais do Minotaur e a cultura do compartilhamento

Primeira colocada no ranking nacional, a RioBotz foi uma das primeiras a se formar no Brasil. Seu coordenador é outra figura importante no cenário da robótica competitiva nacional, o Prof. Marco Antonio Meggiolaro, de 43 anos. Foi no ano de 1996, quando cursava seu doutorado em engenharia mecânica no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, que ele entrou em contato com a primeira competição de robótica do mundo, realizada pelos colegas da faculdade americana desde a década de 1970.

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Embora não existissem combates na competição, o momento mais aguardado ocorria quando os robôs eram liberados para se bloquear mutuamente. "Era o momento em que a disputa ficava mais acirrada e a torcida era inflamada", relembra Meggiolaro. Apesar da experiência marcante no MIT, foi apenas seis anos mais tarde, quando já era professor da PUC-RJ, que entrou de fato na cena das competições de robótica. Tornou-se coordenador da recém-criada equipe RioBotz no final de 2002.

Ao contrário de outras competições que envolvem tecnologia de ponta, o combate de robôs possui uma cultura de colaboração bastante forte. "Desde que começamos a competir aqui no Brasil deixamos os nossos robôs abertos a quem quisesse ver", diz Meggiolaro. Esta postura de compartilhamento de informações foi o que o motivou a escrever e compartilhar o "RioBotz Combat Robot Tutorial" em 2006, considerado por muitos como a bíblia dos robôs de combate.

Crédito: Felipe Larozza/VICE

"Nunca houve muito sentido em tentar esconder o robô, ou cobrir ele com um lençol, se a equipe for boa só de olhar para o seu robô já vão saber o que você está usando. Se quiserem copiar o projeto, vão copiar", diz. "A equipe vencedora será a que tiver o robô mais bem construído, hoje em dia as boas equipes não tem muitos segredos."

A cultura do compartilhamento de informações tem seu início nas competições norte-americanas, conforme apontado por Meggiolaro. "No começo eram tão poucos competindo e a dificuldade era tão grande para realizar o evento que as equipes inevitavelmente se ajudavam", completou. Hoje no Brasil os membros das equipes possuem um grupo de WhatsApp para compartilhar informações, além de se comunicar por meio do fórum da RoboCore.

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A melhoria da qualidade da tecnologia e dos robôs foi fundamental não só para o crescimento do cenário competitivo no país. Em 2004 aconteceu a primeira edição da RoboGames, o principal evento internacional de robótica. A presença brasileira na competição se deu logo em sua segunda edição, no ano de 2005. Mesmo sob domínio das equipes dos Estados Unidos em todas as edições, a partir de 2009 o Brasil começou a conquistar boas posições no quadro de medalhas. Chegou a ficar em terceiro lugar da classificação geral no ano de 2015.

Pode-se dizer que a evolução da cena nacional tem sido rápida. Desde 2013, o Brasil esteve ocupando o pódio com os robôs na categoria middleweight (até 55kg). Neste ano, as três primeiras posições desta categoria foram conquistadas por equipes brasileiras. O domínio na categoria acontece dois anos depois da decisão da RoboCore em excluí-la de seus campeonatos por razões de segurança. Uma vez que os robôs ficaram muito fortes, começou a ficar cada vez mais difícil garantir a segurança dos participantes e da platéia. Pela mesma razão Brasil nunca comportou nenhum combate na categoria heavyweight, com robôs de até 100kg.

Crédito: Felipe Larozza/VICE

Mesmo sem as categorias mais pesadas nos campeonatos nacionais, as equipes brasileiras conseguem fazer frente aos americanos. Em 2015 a RioBotz conseguiu a medalha de ouro no heavyweight da RoboGames com seu "Touro Maximus". E, recentemente, o outro robô da equipe, o Minotaur, destruiu o adversário, Blacksmith, na Battle Bots.

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Em ambas as ocasiões era Daniel Freitas, de 29 anos, quem controlava as máquinas. Ele é o piloto da equipe desde 2007. Ainda cursava a graduação de engenharia de controle e automação quando enfrentou sua primeira competição na RoboGames e garantiu as medalhas de ouro nas categorias middleweight e lightweight (de até 27kg). Ao se formar, continuou na equipe pilotando os robôs mais pesados.

"É necessária muita dedicação e empenho durante a construção e durante as competições, muita concentração também. Depois da luta eu saio esgotado emocionalmente, muitas vezes a gente nem lembra o que aconteceu no round", diz. "É muita responsabilidade, o trabalho de muito tempo da equipe está ali na minha mão e qualquer erro meu pode botar tudo a perder."

Robôs de briga custam caro

Nem sempre quem pilota é o mestre. O ex-integrante da ThundeRatz – equipe de robótica da Poli-USP, a atual segunda colocada no ranking nacional – , Alexandre Daros, de 26 anos, conta que é muito frequente uma pessoa trabalhar muito em um robô e, depois, passar o controle da pilotagem para outro. "Em geral existe muita humildade por parte dos membros da equipe", ele diz. "Se alguém sente que não vai conseguir tirar tudo o que um robô pode oferecer, prefere deixar alguém mais confiante assumir."

Hoje Daros integra a equipe CTOR, mas isso de forma alguma o impede de visitar a oficina de seu antigo time.

O espaço de iluminação fria, cheio de ferramentas e peças de robôs, é localizado no interior do prédio da Escola Politécnica da USP. Do corredor que dá acesso à sala com pouco mais de 25 metros quadrados, é possível ver os objetos pendurados nas grades que separam o ambiente. Já à primeira vista fica justificado o apelido carinhoso que a sala ganhou, Gaiola.

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O atual capitão da ThundeRatz, o estudante da graduação de Engenharia Mecatrônia, Cauê Muriano, de 22 anos, parece se sentir em casa dentro da Gaiola. Encostado em um armário metálico, logo abaixo da prateleira onde são ostentados os troféus e as conquistas da equipe, ele comenta que confiança do piloto não é a única preocupação das equipes.

Roda destruída do robô Touro, da RioBotz. Crédito: Felipe Larozza/VICE

A segurança dos membros é fundamental para a existência do time dentro do espaço da universidade. "Tomamos muito cuidado com a segurança em todos os aspectos, pois sabemos que o primeiro acidente sério vai significar o fim do apoio da universidade", revelou Muriano.

Embora nenhum sério acidente tenha acontecido, não é difícil imaginar o estrago que as armas dos robôs, algumas com mais de 15kg, podem causar. Uma pequena amostra do poder dessas máquinas pode ser visto em outro tipo de troféu pendurado no espaço. Os pedaços de robôs rivais são o maior orgulho dos membros da equipe. Entre os souvenires, Muriano faz questão de mostrar a roda destruída do Touro, um dos principais robôs da RioBotz.

Os membros da ThundeRatz também contam com a infraestrutura e maquinário da universidade. "Há três anos conseguíamos fazer o robô inteiro aqui dentro, mas como o nível das competições subiu bastante, começamos a pegar peças de fora", conta Muriano.

A necessidade de conseguir peças de outros fornecedores sempre foi um problema por causa do alto custo. Em média um robô seguidor de linha, uma categoria competitiva que não envolve combate e com valores de produção mais baixo, tem o custo de fabricação por volta de mil reais. Os robôs de combate de alta performance podem passar dos cem mil reais.

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O Apolkalipse, que compete pela categoria middleweight da ThundeRatz, custou por volta de 30 mil reais. "Por essa razão é muito importante para as equipes ter patrocinadores", comentou Muriano. "Os apoios se dão por meio de peças e serviços, em troca divulgamos as marcas nos robôs e nos uniformes da equipe."

O interesse das empresas nas competições vai além da divulgação das marcas. Para Paulo Lenz se trata de um rico banco de talentos. "Um amigo meu que é dono de uma empresa de engenharia comentou comigo uma vez que estes eventos são o melhor processo seletivo possível", comentou.

Crédito: Felipe Larozza/VICE

O interesse do mercado nos membros das equipes também foi confirmado pelo Prof. Alexandre Harayashiki Moreira, de 29 anos, coordenador da equipe robótica do IMT, a Kimauánisso, quarta colocada no ranking nacional. "O mercado valoriza muito a experiência que os alunos tem nas equipes, pois quer queira quer não, é um projeto. Então você tem prazo a cumprir, limitações de custo e o desempenho tem que ser alto."

O fato é que as principais equipes competitivas de robótica são ligadas às universidades. Dentre as vinte primeiras colocadas no ranking nacional, apenas cinco equipes não tem ligação direta com nenhuma instituição de ensino. Este é o caso da equipe Triton Robôs, quinta colocada no ranking nacional, que tem como líder o engenheiro eletricista Flávio Hendrix, de 45 anos. "Como somos uma equipe pequena, atualmente com 3 integrantes, fica difícil se manter no ranking quando disputamos com equipes universitárias compostas de até 50 integrantes e participando com vários robôs."

O tamanho enxuto também é característico da equipe Salvador Vipers. Atualmente na décima quinta posição no ranking, é uma das poucas fora da região sudeste a figurar entre os vinte primeiros colocados. Ela conta com apenas dois membros fixos, entre eles o Prof. Ivanoé João Rodowanski. "Como não dispomos de recursos financeiros externos, acabamos custeando nossas viagens e robôs", diz Rodowanski, que salientou a importância de estar presente neste tipo de competição. "Mesmo com as dificuldades envolvidas na participação deste tipo de competição, faço questão de estar presente porque se a gente não vai, quem vai representar a Bahia lá?"

Apesar da dificuldades, o senso comum é que a divulgação cresceu muito. Principalmente após 2014, quando pela primeira vez foi realizado na Campus Party o Ultimate Robot Combat (URC). "Foi a primeira vez que produzimos um campeonato nos moldes que nós sempre quisemos fazer, com dinheiro", diz Paulo Lenz. "Um verdadeiro espetáculo."

Embora o evento não tenha se repetido neste ano, a exposição que ele gerou foi bastante positiva. Tanto que o último Winter Challenge contou com mais de 500 robôs inscritos e 1000 participantes. "O ginásio da Mauá está ficando pequeno para comportar o evento, logo vamos ter que pensar em alugar um pavilhão", diz Lenz. Para ele, claro, não é uma preocupação ruim.