Como o LDRV se tornou a espinha dorsal do Brasil memético
Ilustração: Luiza Formagin

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Como o LDRV se tornou a espinha dorsal do Brasil memético

Num quarto rosa dentro do Facebook, o grupo Lana Del Rey Vevo é hoje a maior incubadora de memes e de relatos bizarros da nossa internet.
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ilustração por Luiza Formagin

O meme, como vocês sabem, é efêmero. Ele pode nascer, ganhar o mundo e morrer em 24 horas sem ninguém saber por que ele surgiu e quem foi seu criador. No Brasil é mato. Já trollamos o mundo inteiro com uma piada interna, travamos guerras de memes com outros países e somos tão insuportáveis em termos de presença na rede que não há uma plataforma que não veja o país como uma potência. Daí nessa bagunça existe um universo chamado Lana Del Rey VevO — LDRV, para os íntimos —, uma espécie de incubadora de memes.

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Esbarrei no grupo sem querer por causa de duas histórias, uma mais absurda do que a outra. Uma era de um jovem gay contando que o ex-namorado é pai de um grande amigo. A segunda foi mais avassaladora: a história da Inbonha (já volto a falar sobre). Abismada, pedi para uma amiga me colocar em contato com essa máquina de virais e assim entrei para o universo do LDVR, uma página e um grupo de Facebook que no seu auge teve cerca de 1,2 milhão de membros e dezenas de posts por segundo.

Fiquei meses viciada em ler e sacar a linguagem do LDRV. Não entendia patavinas sobre vários assuntos, mas foi rápido para virar PhD de brigas entre divas pop, da carreira da Pabllo Vittar e cultura pop em geral. Meus amigos mais velhos me olhavam com incredulidade quando relatei várias vezes, mais animada do que deveria, sobre o dia-a-dia do LDRV. Nas semanas de pesquisa sobre o grupo, cheguei a criar uma imagem mental do universo: um quarto cheio de pôsteres da Gretchen, revistas adolescentes, objetos da cor rosa millennial e compartilhado por centenas de milhares de pessoas.

Imagem: Reprodução/Facebook.

A tour* da Inbonha

(* leia o nosso glossário do LDRV para entender o que é uma “tour” entre outros termos)

Para entender a magnitude do LDRV na internet vale revisitar a história da Inbonha. O meme você já tem gravado na cabeça: uma cartolina roxa com a foto de cada personagem da Turma da Mônica e os nomes completamente trocados. Mônica virou Inbonha. Cascão é Bili. Magali é Cegali. O Bidu virou Madu. E o Cebolinha foi renomeado para Casmôcãoca. Acabou que o negócio fazia tão pouco sentido que ganhou a internet e virou um meme popular.

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O nascimento da Turma Tortinha da Inbonha foi no dia 8 de março de 2016 às 20:36hs no grupo LDRV. A usuária Amanda Madelliny observava sua irmã mais nova, Alice, de 4 anos na época, brincar com uma das atividades que a mãe das duas preparava para aplicar no dia seguinte — ela é professora da rede pública de uma escola em Eusébio, cidade da grande Fortaleza, no Ceará.

Alice começou a brincar com a atividade, que consistia em montar o nome dos personagens da Turma da Mônica com as sílabas recortadas em pedaços de papel. O saldo final foi fotografado por Amanda. “Tirei a foto porque achei engraçado do quão errado ela conseguiu fazer”, explica a jovem de 23 anos. A foto foi postada por ela no LDRV e aí o negócio descarrilhou de vez.

“À medida que o grupo crescia, a gente o deletava e criava uma 'nova era'. Já chegamos a ter 11 grupos diferentes.”

A foto acabou vazando pra outro grupo de Facebook chamado Turma da Mônica Shitposting. Amanda começou a ser marcada sem parar pelos amigos que conheciam a origem do meme. Até duvidaram se ela era mesmo a autora daquele viral. “Eu nem me importei muito com o sucesso do post, mas aí o grupo da TMS deixou em dúvida se era meu mesmo. Tive que postar o print pra provar. Foi muito rápido a partir daí. O Buzzfeed entrou em contato comigo e fez uma matéria. Depois foi a vez da produção do programa da Fátima Bernardes e acabei indo em um programa com a minha irmã.”

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Quando o pessoal começou a fazer canecas personalizadas e outros tipo de brindes, Amanda viu que poderia dar ruim e foi trocar uma ideia diretamente com o pessoal da Turma da Mônica. “Eles foram super legais”, conta. A troca de mensagens rendeu até um post bem-humorado da equipe de Mauricio de Sousa. A Turma da Inbonha foi um dos primeiros conteúdos nascidos no berço do LDRV a virar febre nacional. Foi assim que Amanda virou moderadora do grupo e membro ativa.

Pode entrar, Kaerre

É evidente que o LDRV é filho de alguém e esse alguém é Ananias Neto (“mas todo mundo me chama de Kaerre”), estudante universitário de 23 anos que mora em Guanambi, município da Bahia com pouco mais de 86 mil habitantes. Antes de ser autoridade máxima no clã do LDRV, conta que criou a página Lana Del Rey Vevo inicialmente com o intuito de “ser mais voltada pra cultura indie, alternativa e mais underground”, quatro anos atrás. O nome vem daí: a cantora americana Lana Del Rey era, para ele, o grande expoente dessa cena.

Aos poucos a página começou a crescer, coisa de 3,5 mil pessoas. Kaerre resolveu criar um grupo em meados de novembro de 2013 para contar com a ajuda dos fãs da página para criar mais conteúdo. “O pessoal começou a acessar e postar o que chamam de shitposting sobre cantoras indies como a Björk, Lana Del Rey etc.” Aos poucos, o espaço se popularizava.

“Cresci no interior e aqui nunca teve nada relevante. Sempre senti essa necessidade de me conectar com muitas pessoas com quem me identificava. Aqui [na cidade] é tudo mais sertanejo, o pessoal gosta de ir em barzinho e eu não sou desse tipo. Queria meio que me encontrar e foi exatamente o que aconteceu no grupo e na página. Inclusive aconteceu com outras pessoas depois”, relata Kaerre por meio de áudios de WhatsApp.

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O salto para os gigantes, segundo o criador, foi o vazamento, dias antes do lançamento oficial, do álbum “Art Pop” da Lady Gaga em 2013. Um dos primeiros posts brasileiros com as faixas foi jogado justamente no LDRV, que sempre contou com uma presença esmagadora de LGBTs. “Aí o grupo passou a ter sete mil membros de um dia pra outro”, relembra. “À medida que ele ficava muito grande a gente deletava o grupo e criava uma 'nova era'. Já chegamos a ter 11 grupos diferentes até que criei o último e avisei que não faria mais isso.”

O criador aparece de vez em quando no grupo reclamando de algum post ou problematização que perdeu o rumo. Segundo ele, os posts que ele mais anda de saco cheio são joguinhos tipo beija ou passa ou com perguntas neutras que ninguém se importa muito — “aqueles que o pessoal acha que o LDVR é Orkut”. De fato, para um post virar hit, precisa ter algo que chame atenção. Pode ser uma história absurda ou uma imagem que você escolheu ilustrar, mas precisa ter originalidade e fluência na internet.

"Além do humor, o LDRV é um grupo de escape. Muitos passam por problemas incluindo a sexualidade e usam o grupo como escapatória quando não se tem ninguém para ajudar lá fora.”

“A gente quer conteúdo e coisa diferencial. Não gosto também quando vem alguém falar abertamente de abuso ou coisas que são gatilhos porque tem muitas meninas que passaram por uma barra de abuso e elas vêm pro LDRV pra sorrir se distrair e acabam vendo coisas desagradáveis”, explica Kaerre. “A gente não ignora essas coisas sérias porque deve ser debatido, mas lá não é um lugar apropriado pra isso. É uma válvula de escape dos problemas.”

Na época da nossa primeira entrevista, o grupo contabilizava um milhão de membros. “A maioria é mulher e o pessoal está na faixa dos 18 a 20 anos”, diz Kaerre. O espaço acabou também chamando a atenção por ser moderado por LGBTS (o próprio Kaerre é gay), com um clima seguro para o pessoal expor casos amorosos, bizarrices sexuais e outras tretas sem se preocupar com o preconceito.

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O grupo agregou tanto uma parcela da população jovem LGTB brasileira que foi crescendo para festas presenciais em várias cidades do país. Foi quando Kaerre começou a viajar para conhecer o pessoal que se sente acolhido no grupo. “O pessoal pede foto, conversa e diz que ama muito o LDRV. Isso acaba sendo uma coisa de encher os olhos”, conta, orgulhoso.

A tour do cofre

Como mencionei, o LDRV é obviamente um espaço dominando por LGBTs. Dá pra arriscar que 50 a 60% dos posts no grupo são feitos por gays ou lésbicas contando histórias sobre a orientação sexual, de sair do armário para os pais até um encontro que deu merda ou o membro resolveu compartilhar com centenas de milhares de pessoas alguma desilusão. Um desses posts foi a tour do cofre.

A tour da Inbonha bombou o grupo nacionalmente, mas foi por causa da tour do cofre que muito hétero teve que dar uma suada na camisa pra entender o que era LDRV. Começou quando Welker Maciel, publicitário de 25 anos de Vitória, no Espírito Santo, e gay, compartilhou um mistério de família. Em resumo, na casa dele tinha um cofre e os pais ficaram fazendo mistério sobre o conteúdo do mesmo. Ele postou o início da história no dia 26 de janeiro deste ano no LDRV e isso ganhou proporções espetaculares. O mistério ficou rodando por uma semana mais ou menos até que o jovem finalmente descobriu o que tinha no cofre. E foi um desfecho fofo.

“Esse cofre foi tudo um jogo que minha mãe armou com meu pai e meu irmão pra me pegarem na parede. (…) Minha mãe disse ‘Você acha que nós não sabemos, é bom todo mundo saber menos nós? Você achou legal esse negócio de esconder segredo de família? Gostou de querer saber o que tinha no cofre?’ (…) Sim gente, minha mãe me deu o maior ‘tapa na cara’ hoje e a maior lição da vida: ela disse que teria aceitado desde sempre, pra nunca mais deixar ela descobrir coisas da boca dos outros e tudo mais que mães falam”, escreveu Maciel para o grupo sobre o segredo do cofre.

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A hashtag #CofreLDRV ficou nos Trending Topics mundial do Twitter e várias marcas se apropriaram da hashtag nas redes sociais. É também uma amostra de quem são mais ou menos os membros que fazem conteúdo no LDRV: jovens LGBTs. Não existe muito espaço para homens héteros, como vocês puderam sacar.

Imagem: Reprodução/ Facebook

“Para mim é um grupo muito importante”, conta Welker. “Além da parte do humor, o LDRV é um grupo de escape para muitos jovens. Muitos passam por problemas incluindo a sexualidade, e usam o grupo como escapatória quando não se tem ninguém para te ajudar lá fora.”

Além de Welker, muitos moderadores do grupo são LGBTs para limar qualquer tipo de preconceito que pipoca nos posts. O pessoal diz não tolerar qualquer preconceito com raça, peso, gênero e sexualidade.

Uma das moderadores e “musas” do grupo é Lana Almeida de 19 anos que é DJ e mora em Palmas, no Tocantins. “Eu entrei no LDRV quando eu era ainda menino, antes de me transicionar para uma mulher trans”, diz. “O grupo sempre me ajudou muito, embora todo dia eu fosse banida porque postava foto. Era o Kaerre que me colocava de volta no grupo até que ele criou a regra que só eu que posso postar selfie no grupo.”

Com a fama adquirida no LDRV, Lana começou a investir na carreira de DJ e ocupa o posto de “rainha do grupo”. Há quem critique a carreira e as fotos de Lana na internet, mas a artista diz estar já acostumada com o feedback negativo e vê o grupo como um lugar acolhedor. “Tem muita gente que consegue fazer vaquinha pelo grupo para conseguir passar por situações difíceis. Teve um menino, que era criança afeminada, que conseguiu levantar sete mil reais por causa do LDRV pra família que estava passando por necessidades”, conta.

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Nova Era

Algum tempo antes dessa matéria ser publicada, os moderadores do grupo começaram a anunciar que o grupo seria arquivado para dar espaço a uma 'nova era'. Especulações começaram a surgir sobre tours vazados para outros grupos e pessoas héteros que estavam tornando o espaço menos gay. De qualquer forma, no dia 10 de outubro foi criado o LDRV: Eden e o extinto grupo ficou só para revisitar algumas lembranças.

Kaerre — que tinha falado que não queria mais fundar outro grupo — me disse que acabou criando um novo por uma falha do Facebook. “Foi um infortúnio. Antes dava aceitar de dez em dez pessoas por vez no grupo, aí o Facebook aumentou pra cada dez mil pessoas que eram aceitadas de uma vez só”, reclama. “A gente dobrou o tamanho do grupo de 600 mil pra 1,2 milhões muito rápido e ficamos sem controle nenhum do pessoal novo.”

Nas primeiras semanas de existência do novo grupo muita gente brigou, chorou e ofereceu nudes para garantir uma vaga por lá. Exclusivo ou não, no primeiro respiro de existência do novo grupo já se somam pouco menos de 250 mil membros. Isso sem contar com as dezenas de grupos paralelos que começaram a ser criados para afunilar alguns assuntos como misticismo, games e shitposting.

Claro que o grupo não é um mar de rosas também. Vira e mexe rola treta entre membros mais maldosos que acabam xingando além do aceitável outra pessoa ou acabam vazando uma tour para outros grupos. No entanto, o LDRV consegue se desvencilhar da imagem de troll e “huezeiro” que o brasileiro adquiriu na internet por ser insuportável de vez em quando. É como se o grupo fosse um 4chan do bem ilustrado por memes da Nicole Bahls e da Britney Spears raspando o cabelo em 2007.

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Ilustração: Luiza Formagin

GLOSSÁRIO LDRV
Gírias e termos que surgiram ou se popularizaram por conta do grupo.

Tour: qualquer publicação que faz sucesso no grupo. Se você não conseguir emplacar o seu post (não se assuste, é bem comum) ele “flopa”.

Embuste: é aquele boy ou mina lixo que só ilude você e faz cagada. Seria uma versão de “fuck boy” do Brasil.

Manas: termo para chamar as amigas e até pessoas desconhecidas. Não surgiu no LDRV, mas se popularizou ali.

… de Taubaté: Inspirado na grávida de Taubaté, óbvio. O termo é usado para se referir a uma pessoa mentirosa e fake. Por exemplo: um cara que se diz hétero, mas gosta de pegar uns caras escondido. Este seria um Hétero de Taubaté, porque é de mentira.

Fodida: são as pessoas que vazam tours para outros grupos, problematizam e são preconceituosas. Pode ser também um xingamento pra uma pessoa que você odeia ou para você mesmo se está na merda. Sinônimos: escrota, arrombada.

Manas CSI: são os membros que manjam muito de investigações cibernéticas, conhecidos também como stalkers.

IBGE Lana: vira e mexe o pessoal faz um levantamento pra saber de qual região, cidade ou bairro são os membros.

@: o arroba é uma pessoa, qualquer uma. Pode ser que você não queira falar o nome dela e aí é só usar o @. Exemplo: “O @ me levou ao cinema.”

Pode entrar, fulano: Referência direta ao programa Casos de Família apresentado pela Cristina Rocha no SBT. Ela costuma chamar os convidados que irão falar dos temas pessoais mais absurdos possíveis dessa forma. No LDVR virou uma espécie de gíria para se referir a alguém que sofreu uma história parecida do post.

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Meu país: Pode ser estado, cidade ou bairro.

Edit: Quando um post vira tour acaba recebendo tanto comentário que trava toda hora e o pessoal não consegue acompanhar. O jeito é o autor editar os posts com novas informações que os membros trazem na caixa dos comentários pra ninguém ter que ler 1,5 comentários pra descobrir. Muitos contam sobre eventos que estão para se desenrolar, então o autor usa o edit para atualizar os membros sobre a evolução da história até chegar no desfecho.

Que hino: Começou como uma gíria para músicas legais. Exemplo: “Nossa, que hino essa nova da Dua Lipa”. Mas aí ela foi evoluindo para outras coisas, tipo comida. Ex: “que hino esse chocolate”.

Atenta: Quando o pessoal quer saber do desfecho de uma tour comentam “atenta” no post para receber as notificações.

É pro meu TCC: Normalmente perguntas que não têm nada a ver com um TCC tipo “vocês dão no primeiro encontro para o @? É pro meu TCC.”

Pisa menos/muito: quando uma coisa é tão maravilhosa e incrível que você tem que pedir pra ela pisar menos nas outras coisas porque tá humilhando muito. Ex: “Pisa menos macarrão com salsicha” ou “fulana pisa muito”.

Yuke: Seria uma abreviação de “E o quê?” dito pela cantora Pabllo Vittar em todos os shows na hora de pedir para a plateia cantar a letra.

Poc: não foi criada no LDRV, mas se popularizou também. Poc é tipo um gay chata que não sabe direito da treta e já quer chegar dando pitaco. Outrora Poc significa “bicha pobre” (sim, é bem preconceituosa) ou “bicha afeminada”.

ATUALIZAÇÃO: Pocs do coração, venho humildemente aqui expor as reclamações de leitores preocupados com o glossário do LDRV. Aparentemente, muitas das gírias que citamos foram popularizadas/inventadas pelo fórum da PAN que existe além do país Facebook, segundo os próprios frequentadores do fórum.

Inclusive, o Twitter oficial do fórum fez um GIF maravilhoso sobre minha matéria supostamente de Taubaté. Em breve teremos mais investigações sobre o LDRV-PANgate.

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