Servidores do RJ contam como driblam o atraso de pagamentos
Servidora pública em fila para buscar csta básica. Foto: Lucas Canavarro/VICE

FYI.

This story is over 5 years old.

reportagem

Servidores do RJ contam como driblam o atraso de pagamentos

Pouca esperança e revolta na fila das doações de cestas básicas.

Faz quase um ano que o caos financeiro se instaurou no estado do Rio de Janeiro. Depois que o vice-governador Francisco Dornelles decretou estado de calamidade pública a 49 dias das Olimpíadas, o negócio só degringolou. O que se seguiu foi um arroxo sem precedentes. O governo do estado decretou o parcelamento dos pagamentos de salários dos servidores públicos, enquanto o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) deu prosseguimento — mesmo em meio a muitas manifestações — ao pacotão de medidas de austeridade no estado. Neste último ano, servidores — ativos, aposentados e pensionistas — jogam malabares para viver com a última parcela paga (cerca de R$550, sem descontos) de seus pagamentos referentes ao mês de abril. Sim, abril.

Publicidade

Mais recentemente, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu, em seu Facebook, que o ministro Henrique Meirelles assine com urgência o acordo de recuperação fiscal com o Rio de Janeiro. O próprio governador Pezão chegou a afirmar publicamente que a assinatura do acordo com a União estaria "95% fechada", aguardando só os trâmites burocráticos para caminhar com o empréstimo de R$3,5 bilhões (usando as ações da Cedae como garantia) que quitariam as dívidas dos servidores.

Cestas básicas recolhidas pelo MUSPE. Foto: Lucas Canavarro/VICE

Enquanto a crise evolui no Rio, Pezão pediu licença médica do poder. O destino do governador, para se recuperar de sua alta taxa de glicose e excesso de peso, foi um spa de luxo no município de Penedo, região serrana do estado. O custo por uma semana no local, como informa a Folha, gira em torno de R$ 8.000. O salário do governador é de R$ 19,6 mil brutos.

Sem depositar esperanças concretas nas últimas promessas do governo, o MUSPE (Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais) se organizou para realizar doações de cestas básicas a todos os servidores que estejam com seus pagamentos atrasados. Desde a semana passada, cestas básicas são distribuídas em sedes de sindicatos (da educação, saúde, segurança e outros) e mantimentos são recolhidos pelos próprios servidores, sem ajuda do governo estadual. O MUSPE também se articula para uma grande manifestação em frente ao Palácio da Guanabara, sede do governo estadual, no próximo dia 8 de agosto, a partir das 13h.

Publicidade

Maria Madalena de Souza, 72 anos, servidora aposentada da área de saúde

Foto: Lucas Canavarro/VICE

"Olha, meu irmão, tem gente passando fome. Ontem liguei para uma amiga minha e ela chorou no telefone… Aí eu falei, 'tenha paciência, a gente vai resolver isso'. Mas eu nem sei como a gente pode resolver isso. Empréstimo ninguém pode pegar, o banco não quer dar empréstimo para nenhum servidor. O único cartão de crédito que eu tinha está bloqueado. Poupança já foi há muito tempo."

João Ribeiro, 82 anos, servidor aposentado da área de educação

Foto: Lucas Canavarro/VICE

"As pessoas estão pedindo aos outros, pedindo dinheiro, tudo, ninguém tem um tostão. A minha mulher tem que arrumar dinheiro para eu vir até aqui. Eu moro em Maricá, até [vir] aqui para pegar as doações é uma grana, é uns 20 reais de passagem. Meu amigo, até a comida do meu cachorro está acabando, a minha geladeira está uma beleza. Eu já estou pensando no que eu vou comer quando chegar em casa."

Sérgio Magalhães, 54 anos, servidor da área de planejamento

Foto: Lucas Canavarro

"Eu queria que o Estado me respondesse onde está a arrecadação. Eu trabalhei na Secretaria de Fazenda e Planejamento. Me pergunto: onde está a arrecadação de ICMS [Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços]? O Estado perdeu os royalties de petróleo, ok, isso foi um baque. Mas cadê o resto da arrecadação do Estado? Não é possível ter caído tanto. Onde está a arrecadação do ITBI causa mortis? Quanto seria a arrecadação de ICMS em cima da Light e da Oi?"

Publicidade

Jilma Freitas de Almeida, 77 anos, servidora aposentada da área de saúde

Foto: Lucas Canavarro

"A gente apela para a família, pede dinheiro emprestado, vende alguma coisa que tem. Está difícil de viver. Aí você apela pros filhos mas cada filho tem sua vida controlada. Aí a pessoa fica passando um vexame danado. Eu tenho três filhos e eles têm que me ajudar, não tem jeito. Eu já tentei ir para a rua vender alguma coisa para ter mais um trocado. Mas até vender as coisas está ruim. Vender qualquer coisa, comida, doce, objetos que você não queira mais. Tá assim de gente na rua vendendo."

"Nós nem sabemos mais quando foi [depositada] a última parcela. Eles colocam um dinheiro no banco, cheio de desconto, e nem avisam. Você fica sabendo pelos outros, pela televisão, que caiu alguma coisa na conta. Já perdi a noção. Eu tenho que pagar o condomínio da casa própria, senão você perde seu imóvel. Luz para não ficar sem luz, gás para não ficar sem gás. Tem que pagar as coisas básicas. Sem dinheiro, como vai viver?"

Aline Farias, 28 anos, formada em Serviço Social pela UFF e Gregória Farias, 74 anos, aposentada da área de educação

Foto: Lucas Canavarro

"Minha mãe é diabética e recebe [os remédios] em parte pelo SUS mas alguns outros não. Colírio, por exemplo. A gente acaba tendo que priorizar os remédios dela. Eu tenho 28 anos, e estou morando com ela, não estou trabalhando, me formei em Serviço Social, na UFF [Universidade Federal Fluminense], e ainda estou naquele momento de procurar [emprego], está difícil. A gente está fazendo comida para [vender] fora."

Publicidade

Solange Rosa, 59 anos, pensionista

Foto: Lucas Canavarro

"Eu vim aqui há 15 dias, na primeira doação de cesta, [estava] um desespero enorme, fila enorme. O movimento é incrível, mas uma cesta básica a cada 15 dias não é nada, a gente sabe que não é nada. Piscou já não tem mais. A gente fica com vergonha porque nunca passamos por isso, mas eu já nem tenho mais vergonha de pedir. Eles são servidores também, estão dando, sabem que os outros precisam. O governo anunciou as doações no site deles, mas [ele] não tem nada a ver. Eu achei muito legal a Igreja Católica ter entrado [no movimento]. Fundamental essa ajuda, eu como cristã agradeci muito a Deus."

Maria de Queiroz, 65 anos, aposentada do INSS

Foto: Lucas Canavarro

"As aposentadorias do INSS estão em dia, graças a Deus. Sempre que tem campanha eu doo. Aqui é longe da minha casa, mas eu trouxe comida para os servidores estaduais que não estão recebendo. Bati na porta das pessoas do meu prédio todo, estou falando pra todo mundo que eu conheço para vir doar. Toda semana eles dizem que vão pagar mas os pagamentos nunca saem."

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.