Leaving Therapy - Ella Strickland
Ilustração por Ella Strickland de Souza.

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Saúde

Como saber se é hora de largar a terapia?

Quando eu me imaginava terminando a terapia, sempre era com uma sensação de capacidade e otimismo, mas o que tive foi um sentimento pesado de que estava desistindo.
Emma Garland
London, GB
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez

Dois anos. Esse foi o ponto final que dei a mim mesma quando comecei a fazer psicoterapia. Era um número arbitrário, que tirei do cu sem razão, mas me impedia de ver o tratamento como uma marca da minha vida – como respirar ou fazer compras – em vez de um processo que eventualmente chegaria ao fim. Ninguém pode fazer terapia pra sempre. Dois anos parecia um bom período para desempacotar toda a bagagem que eu tinha acumulado até aquele ponto, sem acrescentar novos materiais na mistura. Eu ainda tinha esse plano quando cheguei na marca de dois anos em janeiro. Então eu disse ao meu terapeuta que estava pronta para parar, destacando as razões pra isso, e começamos um processo de encerramento de seis semanas.

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Na primeira semana de quatro, eu estava me sentindo muito bem comigo mesma. Consegui: completei a terapia. Fiquei maravilhada com minha capacidade de colocar limites como um cachorro premiado numa exposição de cães, e comecei a fantasiar sobre todas as coisas que eu faria com o dinheiro que não gastaria mais falando sobre angústia adolescente mais do que falei quando era adolescente. Aí chegou a quinta semana. Sem muita vontade, segui meu terapeuta para aquela salinha branca, como fiz quase toda terça-feira nos últimos 24 meses. Aí me sentei, e comecei a chorar sem parar por 50 minutos. Qualquer pergunta só piorava tudo, me dando mais coisas que eu não conseguia responder. Qualquer frase que eu tentava formular era fraturada por centenas de linhas de pensamento antes que eu conseguisse terminar, que se fraturavam em suas próprias linhas de pensamento, de novo e de novo como galhos crescendo de uma árvore demente. Qualquer palavra que chegava ao fundo da minha garganta ficava entalada ali.

Tenho uma tendência de cinematizar, de reorganizar coisas em narrativas significativas, e o que eu tinha decidido era: cheguei ao fim da estrada. Eu estava pronta para ver quão bem eu conseguiria lidar com a vida ser ter um período regular de reflexão autoimposto: seja fazendo isso voluntariamente ou reverter para enterrar tudo até ter um ataque de pânico no ponto de ônibus e correr pro meio do trânsito. Sempre imaginei terminar a terapia como aquele momento de “cavalgando para o pôr do sol” – não como um final de livro, com todos os meus problemas resolvidos, mas como terminar um capítulo com um sentimento de capacidade e otimismo. Mas o que tive foi um sentimento pesado de que estava desistindo.

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Então, continuo fazendo terapia.

Foram 1,4 milhão de encaminhamentos para terapia por meio do sistema de saúde pública da Inglaterra em 2016/2017. Ao mesmo tempo, houve um aumento de 65% na demanda para serviços psicológicos particulares entre 2016 e 2018, com fundos de saúde mental recebendo menos financiamento em 2016 do que receberam em 2012. Enquanto o Reino Unido se torna cada vez mais inóspito, com a austeridade e as políticas climáticas no geral pesando sobre o bem-estar psicológico das pessoas, a procura por terapia decolou enquanto o financiamento dos serviços despencou. Aproximadamente uma em cada quatro pessoas no Reino Unido vai experimentar um problema de saúde mental em um ano, com depressão e ansiedade generalizadas sendo os mais comuns. Mas se você está fazendo terapia em 2019, por um serviço público ou privado, você tem sorte.

Pessoas fazem terapia falada por várias razões. Algumas vezes os motivos são claramente definidos: luto, stress no trabalho, transtorno alimentar, questões sexuais ou um trauma específico. Às vezes as pessoas fazem terapia porque sofrem de maneira generalizada com a vida e chegam num ponto onde precisam de apoio além dos amigos e família. Pessoas se curam e mudam em ritmos diferentes: uma pessoa pode notar melhoras depois de dois meses, outra pode se sentir pior por vários anos. Uma razão definida para fazer terapia significa objetivos mais definidos – o que não os torna mais fáceis de alcançar, mas quando sua razão pra fazer é simplesmente “me faça sentir menos mal, por favor”, como você sabe que conseguiu alguma coisa?

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Caio nessa última categoria. Não tenho um diagnóstico (a única vez que procurei atendimento médico pela saúde pública, me disseram que eu tinha sintomas de depressão, mania, idealização suicida e histórico de autoflagelação, entre outras coisas, mas isso não parecia preocupante o suficiente para investigar), e antidepressivos não são uma boa ideia pra mim. Como muitas outras pessoas na minha posição, passei minha jovem vida adulta na porta giratória dos métodos para lidar com isso: se cortar, anorexia, abuso de substâncias, sexo com todo mundo etc. Quando uma coisa parava de funcionar, eu ia para a próxima. Comecei a fazer terapia quando fiquei sem meios de escape.

O processo da terapia em si é incrivelmente estranho. Você entra numa salinha pensada para ser o mais comum possível: uma mesinha lateral com uma caixa de lenços de papel e um relógio que você só vê a parte de trás, um ar-condicionado com zumbido baixo, talvez uma pintura de natureza morta na parede. Você fica cara a cara com um estranho e faz perguntas tão íntimas que nem teria coragem de tuitar: por que acho que todo mundo está sempre mentindo pra mim? É “normal” projetar tristeza em roupas que jogo fora no caso delas se sentirem rejeitadas, mas considerar meus próprios sentimentos idiotas demais para vocalizar? Todo mundo bate a cabeça na parede do quarto de tempos em tempos, esperando se nocautear por um breve alívio de se sentir mal?

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Com o tempo, seu terapeuta se torna uma das pessoas com quem você mais conversa. Ele provavelmente sabe mais sobre você que seu parceiro, seus melhores amigos – com certeza mais que seus pais. Você vai tentar deduzir como é a vida pessoal dele por fragmentos de informação: o sapato que ele usa, as referências culturais que ele solta. Você vai tentar fazer ele rir e ele vai apontar isso numa tentativa de fazer você parar de editar sua vida para torná-la mais interessante, e você vai considerar uma grande conquista pessoal quando finalmente conseguir parar.

Se feita direito, a terapia te desmonta e reconstrói de cima para baixo. Você pode começar esperando que um estranho quase santificado ouça, te conforte e arrume sua vida. Mas a primeira coisa que você aprende é que não é isso que vai acontecer. A terapia é comandada em grande parte pela pessoa recebendo o tratamento: o que você está disposto a mencionar, e o que você está disposto a colocar a bordo. Um terapeuta pode ouvir ou apontar coisas, mas não pode ditar nada. Isso é útil a longo prazo, mas também pode ser confuso. Se seu terapeuta não é bom pra você ou o tratamento em si é ineficaz, a falta de progresso pode ser culpa sua. Recaídas podem parecer fracassos ainda maiores. Parar de fazer terapia também tem muito a ver com você.

Se você tem mudanças fortes de humor, que é meu caso, pode ser difícil saber o que realmente está acontecendo. Você pode achar que um período de positividade é um sinal de progresso em vez de simplesmente um fluxo natural. Você pode até se deixar levar pela ideia de que “tudo está melhor agora!”, só para um dia ruim no trabalho te fazer regredir seis meses. Altos e baixos sempre vão acontecer, independente de quanta ajuda profissional você tiver. Como você sabe se ainda precisa de terapia, ou se você só está com medo de parar?

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Não sou uma boa juíza disso, óbvio. Recentemente desisti de largar a terapia. Basicamente, terapia é simplesmente falar tudo que você está pensando para alguém que te conhece muito bem. Se o ato de tirar tudo da sua cabeça semanalmente te faz sentir melhor e você tem acesso a isso, continue. Se você cai num estado catatônico sempre que seu terapeuta sai de férias, você provavelmente foi longe demais. Se você não está tirando nada disso, considere fazer uma pausa para refletir. É fácil sugerir tudo isso como um enquadramento amplo, mas claro que nunca parece tão fácil quando acontece com você.

No final das contas, a coisa que me fez querer largar a terapia era uma fixação estranha na marca de “dois anos” (segundo o Psicologia para Leigos: dois anos também é o ponto onde todos os meus relacionamentos românticos acabaram). Em retrospecto, eu também estava num momento bom e me convenci que, como já tinha feito algum trabalho de que estava orgulhosa, e me apaixonado, isso era o melhor a que eu podia chegar. Se eu não estivesse feliz com essas condições, era o fim. E aí fiquei chocada com a sugestão que um salário com que dá pra viver e um relacionamento saudável não eram expectativas não-razoáveis para a vida, e que talvez minha expectativa de valor próprio era um pouco baixa demais.

Minha decisão de não largar a terapia tem que ser trabalhada também, claro. Tudo tem que ser trabalhado. Quando me perguntam como me sinto com essa mudança de ideia, digo “desapontada”. Como de costume, um objetivo ditatorial que coloquei para mim mesma, ancorado em nada de valor, me causou sofrimento. Como de costume, engoli esse sofrimento por medo de ser repreendida. A versão idealizada de mim mesma queria parar, mas meu eu verdadeiro não. Ter que reconciliar os dois na frente de outra pessoa me deixava nauseada, mas – como de costume – o que parece gigante pra você é completamente irrelevante para o resto do mundo.

Acho que a coisa mais valiosa que tirei da terapia foi a casualidade com que o sofrimento é encarado. Posso contar as piores coisas que já aconteceram na minha vida e elas serão reconhecidas com uma calma que a natureza das relações pessoais não permite. Passei seis semanas me exaurindo com a decisão que na verdade eu já tinha tomado, e meu terapeuta simplesmente disse “Te vejo semana que vem”.

@emmaggarland

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