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análise

Por que o novo ataque à uma mesquita em Londres era previsível

É o que acontece quando a mídia de direita se lança numa campanha de desumanização aos muçulmanos.
Orações em Finsbury Park, Londres. Foto: Yui Mok/PA Wire/PA Images.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE UK .

Talvez a parte mais perturbadora sobre o ataque terrorista na madrugada desta segunda (19) em Finsbury Park, em Londres — quando um homem jogou uma van contra pessoas que saíam de uma mesquita —, seja quanto isso era claramente inevitável.

Mesquitas em todo o Reino Unido estão sujeitas a ameaças cada vez mais violentas nos últimos anos. Segundo o grupo de monitoramento de ódio contra muçulmanos Tell Mama, mais de 110 mesquitas no Reino Unido relataram ataques desde 2012, alguns deles envolvendo explosivos. O número real dos ataques, no entanto, provavelmente é muito maior, já que muitas ameaças e casos de abusos passam sem que queixas sejam registradas.

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Enquanto isso, muçulmanos do país estão cada vez mais preocupados com sua segurança, com a disparada do número de incidentes islamofóbicos, particularmente contra mulheres muçulmanas. O problema é tão grave que várias organizações muçulmanas, como a Associação Muçulmana da Inglaterra, já reiteraram pedidos de segurança oficial em mesquitas.

Como qualquer muçulmano morando no Reino Unido pode te dizer, esse ataque — assim como o sentimento antimuçulmano que o antecedeu — não veio num vácuo. Anos de manchetes sensacionalistas nos tabloides britânicos criaram um ambiente que basicamente desumanizou a comunidade, até o ponto que muçulmanos só podem ser terroristas, pedófilos, parasitas de benefícios sociais ou uma combinação dos três. Novos meios de comunicação da direita como o Breitbart e a Rebel Media vão além, insinuando que muçulmanos morando na Inglaterra são invasores, planejando impor a xaria nas ruas de Londres e obrigar sua avó a usar burca.

Depois do ataque na Ponte de Londres no começo do mês, Tommy Robinson — ex-líder da Liga de Defesa da Inglaterra que virou youtuber — pediu num vídeo que tem dezenas de milhares de visualizações na Rebel TV que o governo inglês monte campos de concentração para muçulmanos suspeitos de ligação com terrorismo, acrescentando que "se não lidarmos com essa questão, o público britânico vai… vai resolver o problema com as próprias mãos".

A polícia inglesa em Finsbury Park esta manhã. Foto: Henry Langston.

Em círculos de direita "respeitáveis", colunistas como Alison Pearson do The Telegraph e Julia Hartley-Brewer da Talk Radio disseram, em termos mais abstratos, que "algo precisa ser feito" depois dos ataques na Ponte de Londres e Westminster. Elas, claro, não estavam se referindo a nada como o que aconteceu durante a madrugada, mas nunca deixaram claro o que seria o "algo" proposto. Esse sentimento vago — que algo precisava ser feito sobre os muçulmanos — tem sido compartilhado por milhares de pessoas, e sempre foi uma possibilidade alguém entender esses pedidos do seu jeito e agir da pior maneira imaginável.

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Na verdade, mesquitas como a de Finsbury Park — uma das mais conhecidas de Londres e o lugar onde eu costumava fazer minhas orações de sexta-feira — são o coração de suas comunidades locais, fornecendo ajuda, comida, serviços e apoio aos residentes. A mesquita de Finsbury Park era alvo de hostilidade dos tabloides desde o começo dos anos 2000, quando o pregador radical Abu Hamza era o imã ali. Mas ele foi dispensado em 2003, a mesquita reabriu e desde então recebeu um prêmio pelo seu serviço na prevenção de extremismo. Na semana passada, a mesquita ajudou a entregar e distribuir mantimentos para os residentes de Grenfell Tower. Tudo isso feito sem apoio do governo, com poucos recursos e em meio a uma demonização quase constante.

As consequências de anos desse tipo de desumanização deram resultado nas primeiras horas desta manhã, logo depois do ataque. Isso veio quando o MailOnline publicou matérias ligando a mesquita de Finsbury Park a ações extremistas, apesar de ela ser uma das mais ativas no contraterrorismo há mais de dez anos. Veio quando o perpetrador do ataque foi descrito como um "homem barbeado", dando uma dignidade a ele negada até aos melhores homens e mulheres negros e pardos na Inglaterra. Mesmo enquanto o governo reconhece o incidente como um ataque terrorista, sites de tabloides hesitam em usar o termo "terrorismo" ou responder com a retórica usual sobre a sociedade britânica estar sob ataque.

No final das contas, precisamos reconhecer que os eventos em Finsbury Park nas primeiras horas desta manhã não foram extraordinários, e provavelmente não serão um caso isolado. Para qualquer pessoa que alimenta o ódio antimuçulmano e intolerância, esse incidente foi a pior manifestação de algo que reconhecemos de cara. Tragicamente, era só uma questão de tempo até acontecer.

@Hkesvani

Tradução: Marina Schnoor

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