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A Nintendo tirou do ar um vídeo do YouTube de um fã mostrando glitches do Animal Crossing

O criador do YouTube Shesez argumenta que cria vídeos educativos sobre o processo criativo da Nintendo. A Nintendo, por outro lado, não se pronunciou.
A screen shot from the Nintendo Switch video game Animal Crossing.
Captura de tela cortesia da Nintendo.

A maioria dos vídeos publicados por Shesez são alegres e divertidos, com o criador do YouTube deslizando a câmera dentro, ao redor e abaixo dos pixels e polígonos dos espaços mais amados dos videogames, mostrando como os desenvolvedores costuram seus mundos frágeis numa série popular chamada Boundary Break. Mas em seu último vídeo, Shesez está quase chorando.

“Se eu não tivesse um console da Nintendo no começo dos anos 90”, Shesez diz no vídeo, “eu provavelmente não estaria fazendo vídeos sobre desenvolvimento de videogames hoje, então saber que a companhia me vê como uma ameaça é muito triste”.

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No começo da semana, a Nintendo emitiu uma reivindicação de direitos autorais para um vídeo dele de Animal Crossing: New Horizons. Não era um alerta de direitos autorais, o que depois de várias infrações pode fazer o YouTube banir um canal. Muitas reivindicação de copyright no YouTube acabam com o vídeo continuando no ar, mas com a renda de publicidade dele sendo canalizada do dono do canal para o detentor dos direitos autorais. Mas neste caso, a Nintendo queria que o vídeo desaparecesse, e foi o que o YouTube fez.

A Nintendo não respondeu os pedidos de comentário da VICE Games, e um porta-voz do YouTube se recusou a elaborar sobre a questão e me dirigiu para o vídeo bloqueado.

O vídeo de resposta de Shesez para a reivindicação de copyright da Nintendo, que ele espera que ajude a fazer o vídeo retornar ao YouTube, é voltado para uma pessoa: o presidente americano da Nintendo Doug Bowser.

“Acho que toda vez que criadores ou fãs tentam falar com a Nintendo, tendemos a falar com a companhia como se ela fosse uma pessoa”, ele disse. “O que não coloca um rosto na situação. […] Ele [Bowser] parece ser uma pessoa razoável que poderia pelo menos me ouvir.”

Mas considerando a história, o pedido de Shesez provavelmente vai ficar sem resposta.

O vídeo removido, como muitos outros de Shesez, envolve diferentes maneiras de enganar a câmera dentro do Animal Crossing: New Horizons pare revelar elementos escondidos ou realizar atos impossíveis. Isso pode significar encontrar geometrias abandonadas de partes do jogo de que os desenvolvedores desistiram, ou encontrar um jeito de andar no céu – algo que a Nintendo não pretendia.

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Estranhamente, o vídeo que a Nintendo removeu do YouTube é uma sequência de outro publicado por Shesez no começo de abril, com quase 900 mil visualizações. Esse vídeo continua no ar, e até o momento, a Nintendo não pediu que ele fosse removido.

O problema para Shesez pode ser que a Nintendo não se importa com a linha tênue em que ele está tentando caminhar. Em março, a Nintendo emitiu avisos de remoção semelhantes para pessoas publicando vídeos mostrando como recriar um glitch de duplicação, algo que permitia aos jogadores perturbar a economia cuidadosamente equilibrada do jogo.

“Entendo por que eles fizeram isso, claro”, disse A+ Start, dono do canal no YouTube Son of a Glitch, que teve um vídeo de duplicação removido menos de 24 horas depois de postado. “Eles não querem que as pessoas explorem o jogo e estraguem a diversão, ou prejudiquem a marca por um aspecto negligenciado da programação.”

A+ Start não apelou do bloqueio do vídeo e respeitou a decisão da Nintendo.

Animal Crossing: New Horizons pode ser um jogo competitivo, mas não tem multiplayer, e as pessoas costumam tentar contornar isso. Mas Shesez faz uma distinção de seu trabalho comparado com de A+ Start e outros, especificamente porque ele geralmente não mostra aos jogadores como fazer o que ele está fazendo.

“Meu objetivo é permitir aos jogadores ver o que normalmente não conseguiriam no jogo”, Shesez me disse por e-mail. “Meu canal em si tem a reputação de ser educativo, destacando por que os desenvolvedores fazem certas coisas fora da vista dos jogadores.”

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Na verdade, o vídeo original de Animal Crossing: New Horizons de Shesez tem uma introdução:

“Um aviso rápido. Esse é um jogo novo da Nintendo com componentes online, então não vai ter um tutorial de como fazer o que você vai ver no vídeo, para manter um nível de integridade para os componentes online do novo Animal Crossing. Que já foi lançado! Pra quem ainda não jogou, é uma ótima versão de Animal Crossing.”

Esse exame crítico é especialmente relevante para a Nintendo, uma companhia frequentemente associada com o termo ambíguo “bem-acabado”. Os jogadores esperam um jogo limpo, elegante e sem bugs. Quando um jogo da Nintendo dá problema, é algo realmente inesperado, porque raramente acontece. A Nintendo se orgulha dessas experiências, o que torna o trabalho de Shesez mais importante ainda, porque ajuda jogadores curiosos a entender melhor – e assim respeitar – o trabalho enorme que a Nintendo coloca em seus videogames.

Não é um choque que a Nintendo, a coisa mais perto da Disney na indústria de videogames, queira manter a ilusão viva. Mas categorizar o trabalho de Shesez como explorando glitches também é um equívoco.

Os mais de 30 vídeos de Shesez mostrando glitches já tiveram mais de um milhão de visualizações cada, com outros chegando bem perto disso. Então não é surpresa que muitos desses vídeos, como frequentemente é o caso na área de videogames do YouTube, envolvam a Nintendo. O YouTube adora a Nintendo, mas nem sempre o contrário é verdade. É um relacionamento complicado.

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Enquanto Shesez faz o máximo para evitar que os glitches que ele mostra sejam explorados – tanto para evitar problemas legais e, como Shesez me disse, para respeitar os desenvolvedores – o criador Aurum do YouTube faz o oposto. Os vídeos mais populares dele se centram em destacar esses glitches. Sem surpresa, só em 2019, a Nintendo pediu ao YouTube para remover cinco vídeos de Aurum que envolviam glitches em jogos do Wii U e 3DS, o criador me disse.

“Agora sei que eu provavelmente estava indo contra as diretrizes de conteúdo deles”, disse Aurum, “mas eles nunca dão nenhuma razão para as remoções, e mesmo quando você apela, eles não divulgam as reivindicações”.

Um dos vídeos envolvia brincadeiras no Super Mario 3D World. Por exemplo, fazer as mãos do Mario ficarem extremamente grandes. A versão original do vídeo mostrava vislumbres de como Aurum estava hackeando o jogo – e a Nintendo fez o vídeo ser removido. Aurum postou outra versão com esses elementos removidos, e a Nintendo o deixou em paz. Por enquanto.

Como Shesez, ele não teve esse problema com nenhuma outra companhia fora a Nintendo, e a abordagem aleatória da empresa só torna as coisas mais confusas. Como os vídeos são cuidadosamente direcionados, não algo que seria pego por um algoritmo varrendo toda a plataforma atrás de infrações, o caso sugere que a Nintendo tem critérios para suas remoções, mas não divulga quais são eles.

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“Parece que é um problema que vai além da Nintendo”, disse Aurum. “Sinto que uma empresa não deveria ser dona de uma filmagem que as pessoas fizeram de si mesmas, a questão é que a Nintendo é a única mostrando que está fazendo isso.”

Infelizmente para os criadores, a Nintendo mostra isso indicando apenas que não gostou de algo, não o porquê.

Mas nada disso é novidade. Uma busca no Google por “aviso de remoção da Nintendo” rende centenas de matérias sobre casos onde a companhia usou seus músculos legais. E mesmo que a Nintendo não seja a única fazendo isso, a empresa parece muito mais agressiva que as outras. Combinando isso com a popularidade de seus personagens e franquias, essa é uma mistura tóxica.

Mas como vídeos relacionados com a Nintendo geralmente rendem um grande número de visualizações, os criadores provavelmente vão continuar atraídos por criá-los, mesmo quando não são “seguros”.

“Você não consegue tantas visualizações envolvendo outras companhias, então é uma coisa que vem com o território”, disse Aurum.

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