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Feminisme

O livro ‘Putafeminista’ de Monique Prada expõe um universo marginalizado que muita gente prefere não olhar

A trabalhadora sexual e uma das idealizadoras da CUTS lança sua primeira obra pela coleção Baderna.
Foto: Divulgação.

A prostituição no Brasil faz parte de um espectro tão marginalizado que não é incomum ver pessoas bem estudadas e supostamente bem informadas tratando as trabalhadoras sexuais como uma massa uniforme. É nesse contexto que Monique Prada, que é prostituta, criadora do site Mundo Invisível e também uma das idealizadoras da Central Única de Trabalhadoras Sexuais (CUTS), lança seu primeiro livro Putafeminista pela coleção Baderna da Editora Veneta no dia 25 de agosto.

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“Não somos mais invisíveis”, exclama Prada em uma das páginas do livro. A autora, que encontrou na internet um espaço de debate, conta como a rede mundial de computadores foi um dos principais meios para dar voz e rosto para essas profissionais. Monique também desmistifica erros bastante comuns que rondam o tema, como a exploração sexual infantil, um crime que costuma ser colocado no mesmo balaio da prostituição (que não é crime), além de explicar que é possível ser uma mulher feminista e trabalhadora sexual sem ter vergonha disso.

Longe dos clichês da Bruna Surfistinha e do glamour forçado que costuma-se empurrar para essas mulheres, a escrita direta e ácida de Monique descreve também o moralismo e a hipocrisia dentro de movimentos ditos progressistas, que seguem dando cambalhotas ideológicas para não reconhecer a luta das prostitutas. “Eu, quando comecei a frequentar os ambientes de militância, aqueles onde as pessoas deveriam ser menos preconceituosas, precisava lidar com pessoas me tratando como imbecil todo o tempo, falando devagarinho, pra que eu entendesse as suas palavras. Me explicando sobre temas que eu conhecia melhor que elas. Cuidando suas coisinhas pra que eu não as roubasse. Não deixa de ser engraçado, até por que a única coisa que elas sabiam sobre mim era isso: Monique é uma puta. (…) Eu sempre me diverti com a hipocrisia das pessoas. Certamente muito mais do que elas imaginam”, conta em entrevista por e-mail à VICE.

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A autora, Monique Prada. Foto: Divulgação.

Para além disso, o leitor também tem a oportunidade de entender o que é a prostituição brasileira e seus percalços legais sem mediadores acadêmicos suavizando palavras e situações. Se trata, afinal de contas, da escrita de uma mulher, uma mãe, uma puta e uma brasileira. Ainda que exista um véu sobre quem são essas mulheres e siga corrente a ideia de que elas precisam ser salvas, Monique deixa claro que as trabalhadoras sexuais escutam seus clientes mais do que as pessoas imaginam. “Todos os trabalhadores passam por ali. E as putas? Ainda que não obtenham apoio para suas próprias reivindicações, estão atentas. Acredito que devemos esperar pela grande revolução, essa onde as putas defendem também os seus direitos, e em especial o direito de andar de cabeça erguida no meio das pessoas”, frisa.

O próprio título do livro sugere ao leitor considerar a existência de uma corrente do feminismo onde as putas, óbvio, são as protagonistas e donas de suas próprias narrativas. Prada também questiona as “soluções” oferecidas por políticos de bancadas conservadoras e feministas que não reconhecem a prostituição como trabalho sexual para extinguir a categoria. Essas sugestões e conceitos de um mundo sem a figura das putas são chamadas de “utopia distópica” pela autora.

“Num período em que as políticas de austeridade tomam o mundo, esperar que um grande número de mulheres pobres não recorram à prostituição para seu sustento e de suas famílias é um erro”, argumenta. “Ao mesmo tempo, há uma guerra mundial contra a prostituição e contra as prostitutas. Se tenta banir a prostituição através de leis em vários países, se discute as supostas benesses do modelo sueco, implantado - sem sucesso, e como parte de um pacote grande de medidas para a igualdade de gênero - na Suécia em 1999 e agora reproduzido na França. Estamos em 2018 e as trabalhadoras sexuais na Suécia, que em 1999 passavam pouco de 500 anunciantes, já contam mais de cinco mil (os dados são do governo sueco, e devem constar do dossiê de Pye Jacobson sobre o fracasso das políticas de ‘abolicionismo’). O que se consegue com essas leis? Um status de indigente moral para as trabalhadoras sexuais, em uma realidade de preconceito e segregação. Muitas das leis sobre prostituição ao redor do mundo também visam atacar pessoas migrantes que desejam ou precisam, ou ambas as coisas, exercer o trabalho sexual em um país que não seja o seu país de origem. São leis baseadas em xenofobia.”

Acima de tudo, o livro de Monique não pretende pregar para convertidos, mas também informar e convidar o leitor a ver a prostituição sob a perspectiva de quem vive disso sem utilizar recursos clichês da “puta feliz” da “puta rica” ou da “puta coitada”. “A sociedade nos divide em dois modelos, às vezes mesmo mixando ambos, conforme sua conveniência. A puta rica, como julgam ter sido a Bruna Surfistinha - uma visão bastante torta, considerando o que ela mesma relata em livro, uma garota que precocemente saiu da casa dos pais e viu na prostituição um meio de sobrevivência temporário. Ou algo que remeta ao sofrimento, à devassidão, ao abuso de drogas e à precariedade. Que uma mulher possa ter o trabalho sexual através da prostituição como meio de garantir uma vida financeiramente digna para si e para os seus não lhes ocorre”, finaliza.

O livro Putafeminista já está disponível para a pré-venda no site da Editora Veneta aqui. As entregas começarão a partir do dia 15 de agosto. Já o lançamento oficial será no dia 25 de agosto, em São Paulo, na Matilha Cultural a partir das 17 horas.

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