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Drogas

É assim que o LSD influencia o processo criativo de um músico

Quando melodias emulam as etapas de uma viagem de ácido, os resultados podem ser revolucionários.
chance the rapper acid rap
Crédito: Rick Kerns / Getty

Em 1965, John Coltrane entrou em um estúdio de Seattle, nos EUA, e gravou Om, um álbum com 29 minutos de duração, duas faixas e sons aparentemente desconexos de saxofone, flauta, piano e bateria entrelaçados com frases tiradas do Bhagavad Gita e do Livro Tibetano dos Mortos. O álbum não se parece com nada que ele fez antes. Por isso, muitos acreditam que Coltrane o compôs sob o efeito de ácido.

Para muitos, Coltrane faz parte do grupo de artistas cuja música foi influenciada pelo LSD. Os membros mais famosos desse grupo são os Beatles, que descobriram a droga no mesmo ano em Londres pouco antes de gravar Sargeant Pepper, e os Beach Boys, que lançaram o psicodélico Pet Sounds em 1966. O rock psicodélico buscou inspiração em Coltrane, diz Philip Auslander, professor da faculdade de literatura, mídia e comunicação do Instituto de Tecnologia da Geórgia. O gênero se caracterizava pela improvisação, imagens bizarras, experimentação, ritmos inconsistentes, harmonias discordantes, mudanças abruptas de timbre e uma resistência geral à convenção.

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Também podemos ver a influência do LSD na produção musical de artistas mais contemporâneos. Wayne Coyne, o vocalista do The Flaming Lips, é conhecido por sua relação com o LSD, que inspirou músicas nonsense como "Yoshimi Battles the Pink Robots", incluída no álbum de mesmo nome que traz, na capa, o desenho de uma mulher com sombra de pássaro e o número 25 ( algumas pessoas acreditam que essa é uma referência ao laboratório onde o LSD foi criado, o LSD-25).

Jesse Jarnow, autor de Heads: A Biography of Psychedelic America, cita o grupo de música eletrônica experimental Wolf Eyes como exemplo emblemático da música psicodélica moderna. "O maior sinal dessa influência é a música deles, que é completamente maluca", diz Jarnow. Para ele, o álbum Human Animal soa mais como uma compilação de sussurros, portas enferrujadas, cantos de pássaros e pousos de naves espaciais do que como música.

Mais recentemente, Chance the Rapper disse que seu álbum Acid Rap foi, em grande parte, inspirado nas suas experiências com o LSD. "Minhas músicas não são afirmações categóricas; muitas delas estão ali para te fazer pensar… assim como o LSD", disse o artista para a MTV. Em sua resenha do álbum, a Pitchfork diz que "sua estrutura é tão expansiva e livre quanto a de qualquer viagem psicodélica".

O que une todas essas músicas, muitas delas compostas em diferentes épocas, é o efeito da droga no cérebro de seus compositores. O LSD afeta o sistema serotoninérgico, que afeta os centros de processamento visuais e auditivos do cérebro, influenciado tanto o que vemos quanto o que ouvimos, diz James Giordano, professor de neurologia e bioquímica do Centro Médico da Universidade de Georgetown. Dessa forma, músicas inspiradas pelo LSD tendem a recriar a experiência de uma viagem psicodélica.

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"Letras psicodélicas muitas vezes trazem imagens evocativas porém impenetráveis, talvez por serem inspiradas em visões ocorridas sob o efeito do ácido", diz Auslander. Giordano cita a música "White Rabbit", da banda Jefferson Airplane, como um referência especialmente contundente ao efeito da droga, em particular no verso "“ One pill makes you larger, and one pill makes you small" (“Uma pílula faz você crescer e a outra, diminuir”, em tradução livre). Graças ao efeito do LSD no lobo occipital, responsável pela nossa visão, pessoas sob o efeito da droga "podem sentir mudanças nos padrões de percepção de tamanho e forma", explica ele.

Esse efeito neurológico pode causar alucinações inconstantes e mutáveis, acrescenta Giordano. A natureza transitória dos efeitos visuais de uma lombra de LSD pode ser observada em músicas como “Lucy in the Sky With Diamonds", me disse Auslander. Nela, você " look for the girl with the sun in her eyes and she's gone" ("Procura a garota com o sol nos olhos e ela some", em tradução livre), vê " newspaper taxis appear on the shore" ("táxis de jornal aparecendo à beira-mar"), depois o cenário muda para um trem e " suddenly someone is there at the turnstile" ("de repente alguém está lá, na catraca"). Cinquenta anos depois, no clipe da música “Paranoiac Intervals/Body Dysmorphia", Kevin Barnes, vocalista do Of Montreal (e que faz referências ao LSD em músicas como “Lysergic Bliss”), olha para um espelho e canta sobre " counting wolves in your paranoiac intervals” ("contar lobos durante seus momentos de paranóia") enquanto seu reflexo se dissolve e seu rosto se contorce.

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Muitas vezes, a própria música tem um caráter desconjuntado e improvisado, como é o caso da obra do The Grateful Dead. Esse estilo de música parece ser uma tentativa de emular o ciclo de uma viagem de LSD, que, segundo Auslander, "passa por diferentes fases ao longo de um período relativamente extenso". Assim, um músico que já tenha usado ácido pode "usar o instrumental ou a audição de quem consome a música como um meio para explorar seu universo interior", completa ele.

Embora os efeitos visuais do LSD sejam muitas vezes descritos nas letras, em alguns casos seus efeitos auditivos podem ser identificados na própria sonoridade da música. Devido ao efeito da droga no lobo temporal e nas áreas corticais frontais e posteriores, o LSD pode fazer com que sons ecoem e se misturem com outros barulhos, me disse Giordano. Auslander vê o interlúdio orquestrado no meio da música "Susan", da banda The Buckinghams, como um exemplo das estranhas transições acústicas características da música psicodélica.

Outro efeito comum do ácido é esquecer o significado daquilo que se diz e encadear palavras de forma aleatória com base no som delas, diz Giordano. Richard Goldstein, ex-crítico de rock da Village Voice, acredita que é por isso que, nos anos 60, nomes de bandas simples e diretos como The Beatles e The Animals deram lugar para nomes mais poéticos como Jefferson Airplane e The Peanut Butter Conspiracy.

Geralmente, o uso de ácido acarreta na perda das inibições presentes nos nossos sistemas auditivo e visual, o que nos faz imaginar sons e imagens que não imaginaríamos normalmente, diz Giordano. Isso pode ter inspirado artistas como Coltrane e Chance the Rapper a desafiar as convenções de seus gêneros musicais. "Efeitos surpreendentes e a junção de características musicais que em teoria não combinam entre si são uma marca registrada da música psicodélica", diz Auslander.

Jarnow cita o exemplo da banda Wolf Eyes, que usou folhas de metal como um instrumento, e os The Butthole Surfers, que usaram luzes estroboscópicas, máquinas de fumaça e projetores em suas performances, como exemplos da criatividade de influência psicodélica. "O LSD pode abrir a mente de músicos e fazer eles pensaram fora do que é convencional", diz ele. "E especialmente questionar a própria noção do que é música."

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