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comportamento

Fiz várias atividades masculinas clichês para tentar aumentar minha testosterona

Comi ovo cru, disparei uma arma e fiz uma tatuagem na minha busca para entender esse papo de ser macho.
Imagem pelo autor.

Como alguém que regularmente defende ideologias progressistas na internet, estou acostumado a ter minha masculinidade questionada. Esse tipo de antagonismo dificilmente é novidade. Na maior parte da história da humanidade, os conceitos de compaixão, empatia e clemência bateram cabeça com os impulsos de base comandados pelo id do homem. E enquanto a direita política há tempos reclamou a masculinidade como uma característica intrínseca de sua plataforma, essa marca de machismo está passando por uma renascença na era dos memes, Trump e Bolsonaro.

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Enquanto o escárnio de personagens liberais afetados como o “pajama boy” serviu como os primeiros rumores do que viria, foi a ascensão do presidente norte-americano atual, a própria paródia ambulante do machismo, que funcionou como catalisador para essa última onda agressiva de masculinidade tóxica.

A alt-right, em particular, parece profundamente obcecada com provar a própria masculinidade e refutar a de seus oponentes. Essas amostras de masculinidade tomam várias formas familiares, como defender a subjugação das mulheres através de uma “xaria branca”, ter coleções de armas ou fantasiar sobre as esposas infiéis de adversários políticos. Mas indo mais fundo, os padrões de masculinidade da alt-right se tornam mais confusos, frequentemente discordando um do outro, como essas duas postagens do ponto de encontro da alt-right /r/The_Donald, uma dizendo que “homens de verdade seguram seu próprio guarda-chuva”, enquanto outra sugere que “homens de verdade não precisam de guarda-chuva”.

A linguagem usada para analisar esse tipo de machismo pode ser igualmente convoluta e difícil de definir. Com o insulto antes onipresente “corno” agora fora de moda, e os SJW MSM os obrigando (geralmente) a usar “viado” apenas em contextos privados, um novo xingamento favorito emergiu nos EUA: “soy boy”. O termo pejorativo se baseia numa crença refutada cientificamente de que o consumo de produtos de soja feminiza homens, baixando seus níveis de testosterona, e a suposição sem base de que os liberais comem grandes quantidades de soja.

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Francamente, é exaustivo. Com tantas horas dedicadas às diretrizes arcanas do que constitui e não constitui um homem, fiquei imaginando onde esses protótipos de masculinidade acham tempo para viver as vidas machas de seus sonhos.

Decidi explorar essa ideia tendo o dia mais masculino que fosse humanamente possível, enquanto testava meus níveis de testosterona – a métrica de masculinidade com que esse pessoal mais se preocupa – antes e depois, para ver o impacto dessas atividades.

Depois de vasculhar a internet e juntar uma lista de atividades e atitudes clichês que caras da alt-right e outros cantos machos da internet consideram masculinas, montei um itinerário para colocar minha força testicular à prova.

Na manhã em que meus pelos faciais alcançaram um nível ideal de masculinidade, coletei a amostra de saliva do “antes” e fui trabalhar.

O dia começou com uma viagem até a academia do meu prédio, onde levantei os pesos mais pesados que consegui, enquanto me certificava de vocalizar bem alto meus esforços. Fico feliz que a academia estava vazia, porque se alguém tivesse encanado com meus grunhidos, eu seria obrigado a dar uma de alfa, encarando a pessoa até ela se submeter.

Dito isso, fora as amostras reacionárias de agressão, prometi não acabar com o dia de mais ninguém com meu experimento, então merdas como dar cantadas na rua e outras formas de assédio “red pill” estavam fora de questão.

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Chegando em casa e dando apenas uma lavada rápida no sovaco (para preservar o musk da minha malhação), coloquei uma gravata. Daí tirei a gravata, já que eu estava meramente demonstrando minha habilidade de dar nó em gravata, e coloquei minha verdadeira roupa masculina do dia: jeans preto, botas, uma camisa de flanela e uma camiseta por baixo com uma gola aberta mostrando meus pelos do peito. Sei o que você está pensando. Se preocupar com o visual não é a antítese de masculinidade? Bom, adivinha, colega? Estou pouco me fodendo pro que você pensa, essa mentalidade sendo fundamentalmente mais masculina que a sua dúvida.

Meu café da manhã consistiu de um ovo cru, um energético Monster e o que eu achei que era carne seca da vaca mas na verdade era carne seca de porco, mas era isso mesmo que eu queria porque homens não admitem erros.

Ignore a cor feminina do muro atrás de mim.

A próxima coisa na minha agenda era a tarefa masculina clássica de trabalho automotivo. Meu carro estava funcionando bem e não precisava de uma troca de óleo, então só levantei o carro com um macaco e tirei um pneu, colocando de volta quando minhas mãos estavam satisfatoriamente sujas. Contente com meu trabalho, acendi um charuto e comecei a dirigir para o próximo item da minha agenda, ficar acelerando em todo semáforo vermelho.

Isso com certeza me torna um homem.

Passei as próximas duas horas e meia num estúdio de tatuagem, com um artista macho tatuando uma caveira foda no meu braço, que tinha sido desenhada especialmente para essa ocasião masculina. Enquanto a agulha se enfincava repetidamente na minha pele, me certifiquei de não mostrar nenhum traço de dor no meu rosto. Nem deixei claro quão feliz fiquei com o trabalho que o artista estava fazendo.

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Quando a tattoo ficou pronta, fui para uma cervejaria tentar assistir esportes tomando uma gelada. Infelizmente, o lugar que escolhi não tinha nenhuma TV passando esportes. Como eu estava proibido pelo código do homem de pedir sugestões para onde poderia ir, levei mais três tentativas para encontrar um local servindo álcool e passando alguém tipo de “jogo”. Pedi uma stout – a mais masculina das IPAs – e me obriguei a assistir um pouco de basquete universitário. Os pit stops nos bares sem esportes me atrasaram, então, depois de alguns minutos assistindo basquete, virei o resto da minha cerveja – também de maneira bem masculina – e vazei.

Ignore a iluminação rosa.

A próxima coisa foi pedir um prato de bifão com uma porção de batatas, o único vegetal permitido naquele dia. Tomei uísque com uma mão, enquanto segurava meu filé na outra, arrancando pedaços de carne da maneira mais carnal possível.

Eu tinha planejado ser mais macho aqui, mas eles me obrigaram a usar o protetor de ouvido.

Marcando o final da minha refeição com um arroto, parti para meu destino final daquela noite, um estande de tiro. Depois de embelezar meu nível de experiência para o caixa, entrei no estande e disparei numa caixa de balas. Minha pose era perfeita, mas errei o alvo, então você vai ter que acreditar na minha palavra.

Chegando em casa, encerrei meu dia macho com um último esforço para aumentar minha testosterona: tomando um soco do meu colega de apartamento logo antes de ir pra cama. Se isso não me tornasse um homem, nada mais tornaria.

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Na manhã seguinte, tirei minha amostra de saliva do “depois” e mandei os dois frascos para o laboratório. Agora, de volta ao meu eu normal, tudo que eu podia fazer era esperar.

Os resultados vieram duas semanas depois, com a EverlyWell, a empresa que forneceu o exame, me explicando os resultados. Acontece que o dia de atividades masculinas na verdade tinha baixado ligeiramente meus níveis de testosterona. A média “normal” para um adulto saudável é algo entre 48,0-185,0 picogramas de testosterona por miligrama, com dieta, exercícios, genética, níveis de stress e vários outros fatores afetando os números. Em apenas 24 horas, meus níveis tinham caído de 65,0 para 54,0 picogramas, perigosamente perto do ponto de corte.

Extrapolando dessa experiência, a única conclusão que pude tirar desse estudo nada científico com uma pessoa só é que esses caras obcecados por masculinidade não estão apenas sendo babacas com toda essa coisa de macho – o stress de sustentar toda essa banca na verdade pode ser contraprodutivo para o objetivo final deles.

A chefe médica do EverlyWell, Dra. Marra Francis, me explicou que o corpo tem uma flutuação diária de produção de testosterona entre 5 e 12%, e que minha pequena queda estava dentro dessa variação biológica, tornando-a insignificante. A Dra. Francis apontou que sim, há jeitos comprovados de aumentar seus níveis de testosterona, mas eu só tinha feito um deles no meu dia tentando provar os métodos da alt-right. Para ter um aumento significativo nos meus níveis de testosterona, eu teria que me comprometer com meses de levantamento de peso e uma mudança total de dieta. Mas, como Francis me informou, a menos que a pessoa esteja buscando a psique de um levantador de peso, não há uma razão real para tentar mudar seu nível de testosterona se ele já está na faixa saudável.

Então, vai nessa, gente. Chore em todos os filmes, aprenda tricô e ajude seu tofu a descer com um latte de soja. Isso tem pouco ou nenhum efeito nos níveis medíveis da sua masculinidade. E mesmo se tiver, quem liga pra essas merdas? Ser um homem tem muito mais a ver com a sua personalidade do que com qualquer atividade superficial ou nível hormonal.

Melhor ser uma boa pessoa com testosterona baixa do que ser o cara de voz grossa segurando uma tocha num protesto.

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