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Identidade

Os cérebros das mulheres trans

Publicado pela Nature, estudo inédito de pesquisadores da USP revela estrutura cerebral ímpar de mulheres transexuais.
Crédito: Dorian Miguel Ospino Caro/flickr

O cérebro é uma das partes mais complexas do nosso corpo e sua formação pode definir mais sobre quem somos nós, o que pensamos e o que entendemos do que o nosso ego racional gostaria de admitir. Apesar disso, continuamos sem entender boa parte de seus mecanismos e muitas vezes sem conseguir estabelecer relações de causa e efeito. Uma das provas da premissa está no estudo publicado recentemente no periódico Scientific Reports, do grupo Nature, que indica que a estrutura cerebral de mulheres transgênero possui algumas características próprias diferentes das de homens e de mulheres cisgênero.

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O estudo, conduzido por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, constatou que o volume cerebral total das mulheres transgênero apresentou pouca diferença em relação ao de homens cisgênero, ambos maiores do que o visto em mulheres cisgênero.

Além disso, a pesquisa também notou diferenças na ínsula — região do cérebro que tem papel fundamental na percepção do próprio corpo — de mulheres transgênero. Essa região tem menor volume de massa cinzenta em ambos os hemisférios cerebrais em mulheres trans, em comparação a mulheres cis.

Para chegar à conclusão, o estudo contou com a participação de 80 pessoas com idades entre 18 e 49 anos, dentre essas 40 mulheres transgênero — 20 que não tomam nenhum tipo de hormônio e outras 20 que fazem tratamento hormonal há pelo menos um ano —, além de 20 mulheres cisgênero e 20 homens cisgênero.

Os participantes tiveram seus cérebros analisados por meio de ressonância magnética aliada à técnica de morfometria baseada em voxel — a análise de pixels em três dimensões que possibilita analisar as diferenças de volume e densidade de regiões específicas do cérebro.

Para o pesquisador Giancarlo Spizzirri, primeiro autor do artigo, os resultados observados no estudo estão de acordo com outras observações feitas da região cerebral observada e podem indicar uma característica específica do cérebro de mulheres trans. “Há algo mais estrutural do que a simples vontade da pessoa ser assim”, comentou.

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O estudo também discute que a terapia hormonal não seria um fator que influencia o tamanho reduzido da ínsula, uma vez que ambos os grupos de mulheres transgênero apresentaram a mesma característica.

Para o pesquisador, essas diferenças não devem ocorrer após o nascimento, pois a diferenciação sexual, da genitália, ocorre logo no início da gestação, enquanto as diferenças estruturais cerebrais começam a acontecer a partir da segunda metade da gestação. “Para a maioria das pessoas o cérebro acompanha o resto do corpo. Para os indivíduos transgênero, isso não acontece da mesma forma”, observou Spizzirri.

“Até então, se buscava em pessoas transgênero estruturas cerebrais mais semelhantes ao gênero com a qual elas se identificavam”, diz. “O que os estudos têm mostrado é que existe uma particularidade no cérebro das pessoas trans.” Ele aponta que apenas algumas estruturas são mais semelhantes às mais comumente apresentadas pelas pessoas com o gênero aos quais elas se identificam. “Estamos começando a entender um pouco melhor as diferenças sexuais cerebrais”, comentou.

O pesquisador salienta que não é possível falar em cérebro tipicamente masculino ou tipicamente feminino. O que existe, afirma Spizzirri, são variações. E que mais importante do que a parte de estrutural, é a parte funcional do cérebro. “Um estudo recente com mulheres e homens cis e trans viu que, de certa maneira, o processamento das vozes pelas mulheres trans têm um outro circuito que não é tão parecido com mulheres e homens cis”, apontou.

Ele salienta que as diferenças encontradas são apenas características. “Isso não quer dizer que a pessoa é mais nem que é menos. Nosso maior objetivo é diminuir preconceitos.”

Atualização 12/03 : O texto foi atualizado para deixar mais claro as diferenças entre os cérebros dos grupos estudados na pesquisa. Inicialmente o texto dava a entender que a pesquisa havia encontrado grandes diferenças entre o cérebro de mulheres transgênero e homens e mulheres cisgênero.

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