Meio Ambiente

As mudanças climáticas podem significar mais crianças, não menos

Os efeitos vão variar pelo globo e podem piorar a desigualdade.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Children walking down the street
Foto: Getty / Brasil2.

As mudanças climáticas ameaçam afetar cada centímetro da vida como conhecemos. Alguns dos desastres iminentes são óbvios: aumentos dos níveis do mar causando enchentes, secas restringindo acesso à água e tempestades intensas que vão destruir casas e propriedades.

Mas também há o impacto que vai acontecer nos nossos corpos. Um novo artigo na Environmental Research Letters, publicado semana passada, observou outro aspecto disso tudo: como o aquecimento global vai afetar nossa fertilidade.

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Os pesquisadores chegaram a algumas conclusões surpreendentes, e perturbadoras. Eles descobriram que o aquecimento global vai aumentar o número de filhos que as pessoas terão, enquanto baixa o valor da educação – mas apenas em certas partes vulneráveis do mundo. Isso aprofundaria as desigualdades já existente entre nações ricas e pobres, e a desigualdade entre homens e mulheres nessas comunidades.

A VICE falou com os dois autores do artigo, o professor-assistente de economia do Williams College, Gregory Casey, e o professor-assistente da Escola de Meio Ambiente, Empreendimento e Desenvolvimento da Universidade de Waterloo, Juan Moreno-Cruz. Eles nos explicaram exatamente como as mudanças climáticas podem influenciar quantos filhos as pessoas escolherão ter, e quais as consequências disso.

VICE: Pensar sobre mudanças climáticas pode nos sobrecarregar – todos os efeitos posteriores são difíceis de entender. Se focar em apenas um resultado em potencial pode ser uma maneira mais palatável de considerar as consequências que vamos enfrentar. Vocês escolheram observar como as mudanças climáticas vão afetar especificamente a fertilidade. O que motivou vocês analisar essa questão em vez de outras coisas que as mudanças climáticas podem impactar?

Gregory Casey: Educação e fertilidade são determinantes para os resultados econômicos de longo prazo. Quando eu estava na graduação, meu foco era principalmente em crescimento econômico. E enquanto eu começava a aprender sobre as mudanças climáticas, vi relativamente pouco sobre como essas mudanças vão afetar esses dois determinantes que, a pesquisa econômica nos diz, serão muito importantes para determinar o bem-estar a longo prazo.

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Juan Moreno-Cruz: Concordo e quero acrescentar que isso não é só sobre fertilidade, apesar desse ser o resultado definitivo. É sobre educação. E da minha perspectiva, também é sobre empoderamento das mulheres, o que também vem da educação.

VICE: Falando amplamente, quais são as maneiras como fatores econômicos afetam a fertilidade? Vocês podem explicar a relação e o que vocês chamam de “troca quantidade/qualidade”?

GC: Troca quantidade/qualidade é meio que um jargão econômico. A ideia geral é que sabemos que todo mundo, incluindo pais, tem recursos limitados, tanto tempo como dinheiro. Eles precisam tomar decisões sobre quantos filhos ter, e quanto tempo e dinheiro eles podem investir na saúde e educação de cada filho. Esse é um problema econômico padrão. Quando os benefícios e custos de investir em educação mudam, pais tendem a mudar seu comportamento. E junto com isso, eles ajustam o número de filhos e os recursos que podem investir em cada filho.

Dessa perspectiva, qualquer coisa que muda os benefícios para um filho ter educação vão afetar as decisões de fertilidade também. Num nível muito amplo: você vive numa sociedade onde frequentar a escola tem um alto retorno econômico? Isso vai obrigar os pais a ter menos filhos e usar seus recursos escassos para investir em educação. Quando o contrário é verdade, os pais têm mais chances de usar seus recursos para fazer outras coisas, incluindo ter mais filhos.

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VICE: Isso está ligado a mudanças climáticas porque, como vocês escreveram no artigo, essas mudanças vão causar guinadas na economia. Em alguns lugares, isso vai mudar para uma economia mais agrícola, e valor mais baixo para a educação. Falem sobre essa ligação: por que as mudanças climáticas mudam a economia para a agricultura, e por que isso levaria a ver a educação de maneira diferente?

GC: A premissa geral é que sabemos, especialmente perto do Equador, que as mudanças climáticas terão um impacto econômico grande. Isso é especialmente verdade para a agricultura, já que sistemas naturais são dependentes do clima. Quando alimentos se tornam muito escassos porque são difíceis de produzir num setor agrícola, isso vai aumentar os preços e os salários, o que vai criar um incentivo para as pessoas passarem de outros setores para a agricultura, para compensar parte da redução de alimentos disponíveis.

Outra coisa que sabemos é que a produção agrícola tende a colocar menos ênfase na educação que outros setores. Quando mudanças climáticas aumentam o benefício de trabalhar na agricultura, isso também reduz os benefícios de ter uma educação. Através da troca quantidade/qualidade, isso cria incentivo para os pais investirem menos tempo e dinheiro na educação de cada filho e, em vez disso, ter mais filhos.

VICE: Juan, você pode falar mais sobre o que você mencionou antes, e como essa mudança tem um impacto na habilidade das mulheres de trabalhar e seu lugar no mercado?

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JMC: É difícil quantificar, mas vejo a questão como a pessoa tendo que tomar decisões com base na quantidade de recursos, como Greg estava dizendo. Você tem alguma renda e precisa dividi-la entre os membros da família. Se você vive numa sociedade onde garotos têm privilégio sobre garotas, então você pode acabar sacrificando, em princípio, a educação de suas filhas, não dos filhos.

Novamente, essa é uma noção especulativa no momento, mas o que vai acontecer com as mudanças climáticas é que você agora tem um país que já tem regras culturais que favorecem os homens. As mudanças climáticas vão afetar ainda mais a divisão de recursos.

Olhando para várias décadas de progresso econômico de diferentes países, um dos indicadores mais claros é a participação das mulheres na força de trabalho local. Então as mudanças climáticas ameaçam esse canal, não?

Esse é um canal muito importante, e pode ser tornar muito regressivo em tempos ruins. Já sabemos que as mudanças climáticas vão afetar mais os pobres, mas agora estamos pensando sobre como a cultura começa a ter um papel no jeito como as mudanças climáticas se manifestam na economia.

VICE: Vamos falar sobre o modelo que vocês fizeram agora, porque vocês levaram isso além de especulações apenas abstratas e realmente quantificaram essas teorias.

GC: Sim. De um ponto de vista de modelo, muito do que fizemos foi juntar dois conjuntos bem estabelecidos de fatos e conjuntos de teorias. A primeira: há muita literatura sobre a relação entre resultados econômicos e fertilidade.

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Em particular, tentamos quantificar matematicamente essa decisão que os pais fazem sobre investir em educação versus investir em filhos. E tínhamos uma teoria de que haveria uma importância na agricultura versus outros setores. Juntamos isso com outras estimativas existentes dos impactos das mudanças climáticas, e tudo sugeria que a agricultura será impactada mais negativamente.

VICE: Algo que você encontraram no seu modelo é que as mudanças climáticas provavelmente vão afetar a fertilidade de maneira diferente em lugares diferentes – e isso depende da relação da comunidade com agricultura ou quão dominante a agricultura é em sua economia.

GC: Com certeza. Para pessoas vivendo em comunidades agrícolas, quando as mudanças climáticas vierem, será ainda mais difícil produzir alimentos. Isso significa que mais pessoas serão necessárias para trabalhar na agricultura para produzir comida suficiente para sustentar a população. Isso reduz a escolaridade e aumenta a fertilidade, o que exacerba mais os efeitos econômicos negativos das mudanças climáticas, especialmente em comunidades vulneráveis.

JMC: Isso cria esse impacto de curto prazo, que agora você tem mais pessoas e precisa alimentá-las. Mas também elas têm menos escolaridade, então você tem um impacto de longo prazo na economia. Mesmo se você estiver tentando se recuperar das mudanças climáticas, será mais difícil. Esse ciclo em particular na fertilidade parece ser bem negativo e tornar os impactos muito permanentes.

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VICE: Um dos impactos das mudanças climáticas que as pessoas falam muito é toda a migração que pode acontecer quando um lugar se tornar inabitável. Tendemos a pensar nisso como um desastre iminente – refugiados do clima. Mas neste caso, parece que a migração na verdade pode ser um jeito de escapar desse ciclo?

GC: É meio que os dois lados da migração. O fato de que as mudanças climáticas podem ser tão ruins que criam esses refugiados é, sem dúvida, negativo. Mas é um jeito de mitigar esses impactos negativos específicos. Então é uma coisa negativa que é necessária. Mas se as mudanças climáticas acontecerem mesmo, achamos que migração é um jeito de pelo menos mitigar as consequências negativas de algum jeito. Mas seria muito melhor se isso não fosse necessário.

VICE: Seu modelo usa uma economia hipotética baseada na Colômbia, e a compara com algo como a Suíça – por que vocês fizeram isso e o que descobriram dessa comparação?

GC: Nosso objetivo era pensar como esse efeito seria diferente em locais diferentes, e também para lugares com níveis diferentes de renda. Uma das coisas mais perniciosas que descobrimos foi que há todos esses impactos negativos para lugares próximos do Equador, que tendem a ser mais pobres e contribuir muito menos com a emissão de carbono em primeiro lugar. Mas quando você olha para locais mais ricos do norte, os padrões na verdade funcionam do jeito oposto.

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Em alguns lugares, as mudanças podem melhorar a produtividade agrícola. Isso introduz o conjunto oposto de resultados, o que pode beneficiar esses países mais ricos do norte, exacerbando a desigualdade já existente. Além disso, as consequências negativas das mudanças climáticas meio que estão punindo áreas que contribuíram menos com o problema para começo de conversa.

VICE: Resumindo: haverá áreas que não precisarão de tanta mão de obra na agricultura quando os impactos das mudanças climáticas começarem a acontecer. E não haverá necessidade de se distanciar da educação e ter mais corpos trabalhando no setor agrícola. Eles serão encorajados a ir na outra direção, que é focar mais na educação e ter menos filhos.

GC: Exato.

JMC: O outro exercício que fizemos foi pegar um país e mudar de lugar. E se a Colômbia fosse no norte? Vamos manter as características colombianas como país, além do clima, e mudá-lo para o norte para ver o que aconteceria. E então o que aconteceria se mudássemos a Suíça para o sul? Você ainda tem um país de economia forte, dá a ele um clima de país tropical e vê o que acontece.

VICE: E quando você muda a Suíça para a Colômbia e pergunta “tudo é igual mas agora o país é mais impactado pelo clima”, o que vocês descobriram?

GC: Se você pega a Suíça e coloca no lugar da Colômbia, você tem resultados muito parecidos com os resultados colombianos. Isso rendeu uma das nossas principais conclusões: vendo essa grande diferença entre lugares ricos do norte e lugares mais centrais pobres, parece que a geografia é que rende a diferença de impacto, em vez do nível de desenvolvimento.

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VICE: Esse parece um ponto muito importante quando pensamos sobre a desigualdade inevitável e preconceitos que temos com países menos desenvolvidos versus mais desenvolvidos. Podemos querer culpar os países sofrendo com seu nível de desenvolvimento, quando na verdade a coisa tem mais a ver com geografia, e se qualquer pessoa estivesse ali, ela passaria pelos menos problemas.

GC: Isso é verdade para o nosso mecanismo.

Mas acho que há outras razões para acreditar que renda em si pode ajudar a se adaptar a mudanças climáticas com outras margens que não eram necessariamente parte do nosso estudo.

VICE: Tudo isso pressupõe que a agricultura exige baixa qualificação ou que essa educação – pelo menos do jeito que fazemos agora – pode não ser tão importante para a economia agrícola. E se pensarmos num futuro onde a agricultura recebe uma repaginada tecnológica e as pessoas trabalhando no setor precisem de uma educação de alto nível?

JMC: Você pode dizer que talvez a Colômbia é mais afetada porque sua tecnologia é mais baixa, e porque o país não é tão desenvolvido. Mas o que descobrimos, como o Greg disse, é que quando você muda a Suíça de lugar – que tem uma tecnologia agrícola mais avançada – os efeitos continuam ali. Digamos que a agricultura seja realizada por AI ou algo assim, e você não precisa mais de tantos trabalhadores, como é em países mais desenvolvidos. Então não deveríamos ver um efeito na Suíça. A evidência sugere que os efeitos ainda estarão ali.

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GC: Acho que se vivêssemos num mundo diferente onde a educação sempre tivesse sido central na produção agrícola, o resultado poderia ser diferente. Para outras mitigações, comércio e migração, parecem as coisas óbvias na imagem maior, na escala macroeconômica.

Outra mitigação que mencionamos brevemente no artigo é ajuda internacional para impulsionar o setor agrícola. Em vez de ter compensar a perda de produção agrícola só com relocação de trabalho em países mais pobres, assistência de desenvolvimento visando impulsionar a agricultura pode ter um papel em ajudar as pessoas a se mover fora da agricultura e portanto mitigar essas consequências negativas.

VICE: Quanta promessa vocês sentem que há nesse tipo de modelo que vocês fizeram, que observa conexões entre áreas que podem não parecer óbvias, como fertilidade e economia? Quais são outros campos que vocês acham que poderiam ser observados em sua relação um com o outro, em se tratando de mudanças climáticas?

GC: Uma coisa que me vem na cabeça é saúde. Sabemos que as mudanças climáticas terão muitos impactos em várias formas de saúde. E sabemos que saúde tem grandes impactos nos resultados de economia e demografia. Então integrar essas nuances de compreensão dos impactos da saúde das mudanças climáticas em outras disciplinas, acho, só acrescenta ao nosso conhecimento dessas questões importantes.

JMC: A parte que mais gostei nesse artigo é precisamente que estamos fazendo uma pergunta que não é puramente econômica. E para isso você precisa de diferentes disciplinas. Enquanto as perguntas se tornam mais avançadas, elas vão exigir equipes multidisciplinares para analisá-las. Tenho visto muita necessidade de antropologia cultural e economia se juntarem, ou sociologia e economia, considerando que as mudanças climáticas podem ter um impacto profundo no jeito como interagimos como sociedade.

VICE: Uma última coisa, voltando para o que eu disse antes sobre como muita gente se sente sobrecarregada com a cascata de problemas em potencial das mudanças climáticas. Há espaço para algum otimismo nesse tipo de modelo? Isso te dá um sentido de agência onde podemos tentar prever o que vai acontecer? Ou só nos deixa mais apavorados?

GC: É uma pergunta muito interessante. Parte do que gosto em economia é que agência é sempre parte disso. Podemos pensar sobre o que as pessoas podem fazer, como o que estávamos falando antes sobre migração. Não necessariamente uma rede de coisas positivas, mas pelo menos jeitos de fazer tudo que pudermos, para adaptar ou mitigar as consequências negativas das mudanças climáticas.

Mas eu diria que, no geral, os resultados que encontramos no estudo não foram muito otimistas. E nesse sentido, eles me deixaram com uma visão mais pessimista dos efeitos das mudanças climáticas do que quando comecei.

JMC: O modelo te dá muitos resultados negativos das mudanças climáticas, mas o que vejo como um resultado positivo é que humanos são muito bons em sair de problemas. Somos muito bons em usar nossa inteligência para criar maneiras de resolver problemas. Fazemos isso há milênios.

Vendo meus estudantes e as novas gerações, essa inovação parece estar acontecendo num nível mais estrutural. Estamos começando a entender o valor de capital social, entender nossa relação uns com os outros, e dar mais valor para coisas do que antes. Mas as mudanças climáticas podem empurrar a sociedade para um jeito mais cooperativo de resolver problemas, e o entendimento de que estamos no mesmo barco.

A entrevista foi editada para melhor entendimento.

Matéria originalmente publicada pela VICE EUA.

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