O Novas Frequências 2017 foi a busca pelo humano na música experimental
Phantom Chips. Foto: Francisco Costa/IHateFlash

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Música

O Novas Frequências 2017 foi a busca pelo humano na música experimental

Nada mais sincero do que fazer da busca pela superação das dificuldades a própria força artística e humana do festival.

A primeira série de apresentações do Novas Frequências 2017 começou com um recado do curador Chico Dub, a diretora de produção Tathiana Lopes e o gerente de cultura do Oi Futuro (principal patrocinador do festival) Victor D'Almeida, que tomaram o palco para avisar que a noite seria elegante. De fato, parecia ser o caso: o local escolhido para a abertura do festival foi o Teatro XP Investimentos, uma luxuosa e nova sala construída dentro do Jockey Club do Rio, no Leblon.

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Naquele recado, assim como nos textos que Tathiana e Chico escreveram para o catálogo do festival, a dificuldade de realização dessa sétima edição foi um assunto comum. As limitações se mostraram na própria estrutura do evento: apesar de ter se mantido em sete dias de duração, as mais de 40 atrações da edição de 2016 se tornaram 18 esse ano. Ambas passam longe do ápice do Novas Frequências, como as edições de 2013 e 2014, que ultrapassaram dez dias de duração cada.

Num primeiro momento, porém, essa não foi a característica marcante do festival. Quem deu a largada do Novas Frequências foram Thomas Rohrer, suíço radicado em São Paulo e conhecido por seu trabalho com improvisação, e Ute Wasserman, alemã que trabalha com composição, performance e voz. Ambos Rohrer e Ute deram shows viscerais: Thomas manejava a rabeca e dela extraía sons com as pontas dos dedos, enquanto Ute manipulava sua voz a um ponto de quase despersonalização. Logo depois, o mestre Otomo Yoshihide levou seu experimento com o turntablism a interagir com a dupla Felipe Zenícola (baixo) e Renato Godoy (bateria), que completavam sua improvisação com respostas arrítmicas, mas certeiras.

Da esquerda para a direita: Renato Godoy, Otomo Yoshihide e Felipe Zenícola. Foto: Francisco Costa/IHateFlash

Em suma, a primeira noite do Novas Frequências 2017 foi uma síntese do que o festival se proporia a fazer pelos próximos dias: driblar os problemas de realização e mudanças no lineup e estrutura com uma busca pelo que há de mais humano e ontológico na dita música experimental. Um termo que eu já discuti múltiplas vezes aqui, inclusive falando sobre o próprio Novas Frequências, e que sempre retorna, controverso e insuficiente. Se muito do que se considera "experimental" pode ser feito com pouca ou nenhuma intervenção humana, o Novas Frequências parece ter tomado outro caminho em sua definição do termo nesse ano.

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A começar, o festival mostrou um apreço pelas colaborações entre artistas, que renderam algumas das melhores apresentações do ano. O Chelplexx, quinteto resultante da união entre dois dos grupos mais representativos da música torta no Rio de Janeiro — Chelpa Ferro e Duplexx — apresentou as faixas de seu álbum lançado recentemente pela QTV com uma sintonia impressionante. O trio formado pela curitibana Sanannda Acácia e as cariocas Gabriela Mureb e Luisa Lemgruber provavelmente se encaixa como minha apresentação preferida do festival, unindo o trabalho de Luisa como geógrafa, o de Gabriela como artista visual e a pesquisa sonora de Sanannda em um ritual que explorou os limites entre corpo e paisagem.

Da frente para trás: Gabriela Mureb, Luisa Lemgruber e Sanannda Acácia. Foto: Francisco Costa/IHateFlash

A dupla Dewi de Vree (Holanda) e Patrizia Ruthensteiner (Áustria), por sua vez, se valeu do som retirado de campos magnéticos captados por grandes antenas nos três ambientes em que foi apresentado (Lagoa Rodrigo de Freitas, Igreja do Carmo da Lapa e Parque Lage) e do contato entre as duas artistas, que modificavam o som conforme se aproximavam ou afastavam. E a colaboração já longeva do grupo ensemBle Babel com o compositor Christian Marclay ganhou novos contornos na apresentação da peça To Be Continued, composta especialmente para o grupo e tocada no último dia do festival.

A interação entre pares foi explorada também com o público, principalmente nos shows que aconteceram na Audio Rebel. A apresentação do músico e educador Negalê Jones, Gabinete de Sonoridades Extraordinárias, foi baseada em uma oficina que o artista realizou durante a semana com um grupo de "alunos" e que, de alguma forma, ministrou também durante a apresentação, guiando as interações dos pupilos que tocavam ao seu lado. A australiana radicada na Inglaterra Phantom Chips, em residência no Rio de Janeiro pelas últimas semanas antes do festival, fabricou novos instrumentos com cacarecos que encontrou pelo centro da cidade e os deu para que a plateia tocasse, enquanto alterava as sonoridades no palco. Ao fim da apresentação, incentivou que todos se aproximassem para também mexer com os pedais e drum machines.

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A curitibana Aline Vieira, co-fundadora do selo Meia-Vida, se apresentou no quarto dia de festival e propôs uma exibição tão íntima quanto poderosa de seu projeto Flores Feias ao explorar a feminilidade marginal em seus loops de guitarra, letras de uma sinceridade desconcertante e vocais diretos.

Phantom Chips e seus instrumentos recém-construídos. Foto: Francisco Costa/IHateFlash

A grande apresentação do festival ficou por conta do possível maior nome no lineup, o norte-americano William Basinski, que veio tocar seu A Shadow in Time, lançado no início do ano. Sua homenagem aos heróis e amigos que se foram (entre eles, David Bowie) ganhou um tom ainda mais delicado ao ser apresentada dentro da Igreja do Carmo da Lapa. O som baixo e sutilmente construído por Basinski foi complementado e compensado pelas projeções de luzes e cores que se passavam no teto e lustre da igreja, iluminando os rostos do que foi o maior público dessa edição do festival.

Mas as boas apresentações foram dosadas com alguma quantidade de deslizes do Novas Frequências. Os shows apresentados pelo canadense Jeremy Gara (que tem como projeto principal ser baterista do Arcade Fire) e o francês Louis Laurain não se encaixaram na narrativa construída pelo festival, e a festa em parceria com a O/NDA contou com uma escolha estranha de local de realização, um galpão que deixava metade da pista para trás do palco, e dificuldades técnicas no set live da suíça Aïsha Devi, que teve que ser interrompido e realizado muito mais tarde que o programado.

Basinski na Igreja do Carmo da Lapa. Foto: Francisco Costa/IHateFlash

Em geral, o Novas Frequências 2017 foi uma edição que teve de se concentrar em lidar com diversos problemas externos e internos, e que o fez com a diligência da busca pelo contato, interação e expressões da natureza humana num meio que tende a se perder no mecânico e tecnológico. Se torna claro tanto para os organizadores quanto para o público que o festival não vive mais em seu momento áureo, mas o processo de busca por narrativas, conceitos e campos que o renderam o título de maior festival de música experimental da América Latina continuam vivos e latentes. E eu tendo a acreditar que continuarão por ainda muitos anos.

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