Quem foram as guerrilheiras do movimento estudantil no México
Imagem exposta no Memorial 68. Cópia digital do Centro Cultural Universitario Tlatelolco.

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Politică

Quem foram as guerrilheiras do movimento estudantil no México

A participação política das mulheres no histórico 2 de outubro de 1968 não pode ser apagada.

Os protestos do movimento estudantil de 1968 tomaram o mundo e também ecoaram no México, fazendo com que jovens de diversas partes demonstrassem suas insatisfações políticas pelas ruas. Durante meses essa tensão foi elevada e acabou eclodindo em 2 de outubro daquele ano, numa noite que ficou conhecida como Massacre de Tlatelolco. Faltavam 10 dias para os Jogos Olímpicos na Cidade do México quando o então presidente Gustavo Díaz Ordaz Bolaños ordenou que o exército colocasse um fim nas manifestações e ocupasse violentamente a Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), a maior da América Latina. Milhares de jovens foram detidos e até hoje o número de mortos é tido como incerto.

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A história foi contada pelos eles, mas elas também participaram. Não é possível entender uma sociedade representada somente por homens. Muito menos tentar relembrar um movimento social tão grande quanto esse sem elas: mulheres ativistas, mulheres que não ficaram em casa, mulheres em busca de seus maridos, de seus irmãos e de seus filhos, mulheres que panfletavam nas ruas.

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E elas também estavam lá. Foram mulheres que desafiaram a inércia das normas e abriram o espaço público para as novas gerações ao construir um processo histórico feminino importante quanto à tomada de decisões políticas e sociais. Eles, e também elas, apropriaram-se das ruas em busca de mudanças.

A 50 anos do movimento estudantil de 1968, relembramos aqui alguns nomes daquelas mulheres que, de suas trincheiras, tiveram uma participação ativa. Não se pode deixar no anonimato todos estes personagens femininos e seu grande papel no movimento de 1968 no México.

Embora existam muitos outros nomes que ainda não conhecemos, não esquecemos delas. Leia abaixo as conquistas dessas mulheres.

Ana Ignacia “La Nacha” Rodríguez Márquez, 24 anos

Estudante da Faculdade de Direito da UNAM (Universidade Nacional Autônoma do México)

Ignacia Rodríguez fazia parte do Comitê de Luta da Faculdade de Direito, integrava a área de finanças e era a encarregada de conseguir materiais para as atividades realizadas pelas brigadas de luta. A primeira de suas três detenções foi no dia 18 de setembro, quando o exército entrou na Cidade Universitária. Ali, ela foi detida junto a outras 41 mulheres e levada para a penitenciária de Lecumberri. Seu crime, segundo sua ficha carcerária, foi o de “agitadora”. Depois desse episódio decidiu se unir formalmente ao movimento.

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Ela trabalhou como brigadista e informava as pessoas sobre o que acontecia no movimento. Nunca ficou calada. No dia 2 de outubro foi a Tlatelolco com o Comitê de Luta da Faculdade de Direito e se lembra de estar em frente ao edifício Chihuahua quando viu um braço com uma luva branca tapar a boca de David Vega, o último orador. Foi aí que começou a rajada de tiros, a incerteza e o caos. Nesse dia ela conseguiu escapar com vida, mas no dia seguinte foi detida. Havia passado duas semanas presa quando a libertaram, não sem antes ser advertida de que deveria deixar a cidade, caso contrário a matariam.

Em uma entrevista à publicação mexicana Processo, Nacha comentou que “era triste ver como os meios de comunicação comemoravam a medalha de ouro de Tibio Muñoz [em 1968 rolavam as Olimpíadas no México] enquanto ninguém se lembrava de tantos mortos”. Ao regressar, nos primeiros dias de janeiro de 1969, foi sequestrada pela polícia secreta junto a um companheiro. Foi acusada de 10 crimes, oito deles comuns e dois políticos: sublevação e incitação à rebelião. Nacha foi presa pela terceira vez no dia 13 de janeiro de 1969, e liberada em 24 de dezembro de 1970. Na mesma entrevista, comenta: “Em 1968 as mulheres conquistaram a mesma participação política que os homens. Elas também foram às praças, mercados, fábricas, ônibus e caminhões informando, porque a imprensa estava vendida. Apanhamos, fomos perseguidas e ameaçadas da mesma forma que eles. No entanto, tanto as mulheres como as brigadas ficaram no anonimato e, como consequência, não tiveram o reconhecimento que mereciam”.

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Lucía Castillo Luna, 23 anos

Estudante da Escola Nacional de Medicina Veterinária e Zootecnia, Cidade Universitária

Lucía fazia parte dos comitês de luta e atuava como brigadista quando o exército ocupou a Cidade Universitária no dia 18 de setembro de 1968. O Conselho Nacional de Greve (Consejo Nacional de Huelga, CNH, no original) se preparava para fazer uma reunião no auditório da Faculdade de Medicina quando, de repente, chegou o exército. Em uma entrevista para Milenio, Lucía conta que ela e outras cinco companheiras foram obrigadas a subir em um tanque e mantidas numa casa em construção por cinco dias.

Foram liberadas no sexto dia, em um local afastado da Cidade do México, e Lucía pôde finalmente voltar para casa. Ela não esteve presente na manifestação convocada pelo Conselho Geral de Greve em Tlatelolco. Seu estado emocional depois de sua liberação não permitiu. Lucía, no entanto, seguiu a luta mesmo sem estar presente.

Roberta “La Tita” Avendaño, 25 anos

Estudante da Faculdade de Direito da UNAM (Universidade Nacional Autônoma de México)

Antes de ingressar na Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM), Tita havia estudado na Escola Normal de Professores. Em 1966 passou a atuar como brigadista nas ações que resultaram na queda do reitor Ignacio Chávez. Durante o movimento estudantil de 1968, Tita era uma das poucas mulheres que integravam o Conselho Nacional de Greve e fazia parte do comitê de finanças da faculdade. Sofria ataques de seus colegas, que diziam que “a faculdade deveria estar representada por um homem. Por um orador”. Antes de 2 de outubro de 1968 suas atribuições nas brigadas de luta consistiam na realização de tarefas como entregar panfletos e explicar à população a situação tanto do país como dos estudantes.

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No dia 2 de outubro, ela estava lá, ao lado de Nacha. Ambas conseguiram escapar de um desfecho trágico, mas no dia seguinte ao massacre em Tlatelolco ela foi detida. Ela e Ana Ignacia foram levadas a Santa Martha Acatitla, onde passaram dois anos – embora sua sentença fosse de 16 anos –, acusada de crimes falsos como homicídio, desacato à autoridade e incitação à rebelião. Mesmo na prisão Tita representava seus companheiros como advogada. Depois de sua liberação se tornou professora normalista e docente do CCH Oriente até o dia de sua morte, em agosto de 1999. Antes de morrer publicou o livro “Testemunhos do cárcere. Da liberdade à prisão”.

Luz María Aguilar Térres, 16 anos

Ativista secundarista

Era estudante secundarista quando começou a se envolver com o movimento estudantil de 1968. Foi brigadista e entre suas tarefas estava a de informar as pessoas sobre o que estava acontecendo, além de ter sido representante do Comitê de Luta e, tempos depois, integrar o Conselho Nacional de Greve. Luz María também participou da redação de um jornal independente que explicava conceitos marxistas aos leitores; ali ela escrevia sobre o movimento operário.

No dia 2 de outubro ela se dirigia à uma reunião quando foi alertada sobre o massacre que estava acontecendo. Depois de 1968 ingressou na Faculdade de Economia da UNAM e ali iniciou uma luta que se estenderia por toda a sua vida. Em 1971 também viveu outra repressão contra estudantes, que ficou conhecida como o “Halconazo”. Nesse mesmo ano, cansada de tanta repressão, uniu-se ao movimento “Los Guajiros”, uma guerrilha do estado de Chihuahua liderada por Diego Lucero Martínez. Luz, que foi ativista e guerrilheira desde muito jovem, ainda hoje afirma que se fala muito pouco sobre a transcendência das mulheres na luta contra a opressão.

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Adela Salazar de Castillejos

Mãe de duas estudantes e advogada

Ela não era estudante nem líder estudantil, mas foi detida no dia 18 de setembro de 1968 na Cidade Universitária quando foi buscar suas duas filhas. Adela era conhecida por participar de movimentos de esquerda. Junto a seu marido, Armando Castillejos, participou do Movimento de Libertação Nacional criado por Lázaro Cárdenas para a defesa da revolução cubana e teve uma participação muito importante na revolução sexual dos anos 60. Adela era advogada e ativista, dedicava-se a defender sindicatos de operários independentes e defendia os trabalhadores das grandes corporações.

Esteve presa em Santa Martha Acatitla junto a Roberta Avendaño, Ana Ignacia Rodríguez e Amada Velasco. Nacha ainda se lembra dela como uma mulher de personalidade forte e capacidade de liderança. Em uma entrevista para La Jornada, sua filha, Margarita Castillejos, conta como Adela organizou suas companheiras na prisão. Ensinou-as a ler, a limpar suas celas e a cuidarem de si mesmas, além de incentivar que estudassem e de emprestar livros para que ocupassem seu tempo.

Após sua liberação continuou fazendo parte da defesa dos sindicatos independentes e ganhou três vezes o Prêmio Nacional de Jornalismo por seus artigos de opinião. Adela Salazar foi uma figura importante não somente para o movimento estudantil de 1968, como também para muitos outros movimentos que lutavam contra a repressão. A advogada trabalhista morreu em janeiro de 2015.

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Adriana Corona Vargas, 18 anos

Ativista secundarista

Adriana conseguiu se salvar dos acontecimentos do dia 2 de outubro em Tlatelolco. Apesar de ter sido alertada sobre uma forte repressão, saiu, junto a outras pessoas, para se manifestar. Para ela era importante sair às ruas e exigir que o país deixasse de ser “autoritário, repressivo, tradicionalista e muito machista”.

Naquele 2 de outubro, ao dobrar a esquina da Praça das Três Culturas, viu o início do tiroteio e correu. Aos 18 anos passou a integrar a Liga Espártaco, um coletivo de esquerda formado por estudantes. A partir daí, seus ideais começaram a mudar, tornando-se mais consciente da importância de lutar para conseguir justiça em um país desenganado.

Antes do dia 2 de outubro Adriana era representante da Escola Preparatória 6 da UNAM e fazia parte do Conselho Nacional de Greve, o que a permitia participar de assembleias gerais, brigadas e “boteos”, ações realizadas para a arrecadação de dinheiro. Assim como muitas outras mulheres, ela também saía para falar com as pessoas e atualizá-las sobre a situação. Em uma entrevista concedia à publicação Cimacnoticias, Adriana comenta que “como mulher sempre foi mais difícil participar, e que algumas das suas companheiras tinham inclusive que fugir de casa, mentir para suas famílias e até se disfarçar para conseguir participar do movimento”. Tempos depois se dedicou à educação e começou a dar aulas, sendo mais tarde professora oficial da Universidade Pedagógica Nacional (UPN).

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Para Adriana Corona, assim como para muitas outras mulheres, este movimento derrubou barreiras para que elas pudessem ter mais participação pública de maneira massiva, mas acredita que o mais importante é que a partir de 1968 as mulheres perceberam que era de grande importância terminar seus estudos superiores.

Rina Lazo, 43 anos

Pintora guatemalteca

Esta pintora é conhecida como a última grande muralista. Discípula de Diego Rivera, Rina Lazo fazia parte do Partido Comunista do México, assim como seu marido, Arturo García. Ela não esteve envolvida diretamente com o movimento estudantil, mas como ativista não precisava estar presente nas marchas e reuniões para se considerar parte de um movimento inconformado com um governo repressor.

No mesmo dia em que a Cidade Universitária foi tomada, Lazo foi detida em casa e levada para a prisão Santa Martha Acatitla. Assim como outros presos de 68, foi acusada de crimes falsos. Mesmo estando ali, continuou desenhando, já que carregava dentro de si a necessidade de fazer uma arte que falasse daquele momento e contexto, uma arte revolucionária.

Antes de ser presa, a pintora guatemalteca estava trabalhando no mosaico da estação de metrô Insurgentes. Depois de sua liberação – e quando foi inaugurada a estação Insurgentes em 1969 – viu seu projeto realizado, mas sem os créditos correspondentes. Recebeu como resposta que era impossível usar seu nome porque ela havia participado do movimento de 68. Até o momento Rina Lazo não foi reconhecida como a autora do desenho da estação de metrô.

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Cecilia Naranjo, 15 anos

Estudante

Cecilia vivia em um ambiente muito complicado em sua casa, uma família conservadora e religiosa onde ela era proibida de falar sobre movimentos estudantis, revoluções e rebeliões. Estudava na escola vocacional número 7, localizada em Tlatelolco, e apoiou o movimento estudantil depois da infiltração de policiais nas escolas vocacionais até o momento que esteve internada no Hospital La Raza por conta de uma ferida no pulmão.

No dia 2 de outubro não pôde ir a Tlatelolco, mas “ela conta que do seu quarto dava para escutar as balas e ver as centelhas de luz no céu”. Depois desse dia não voltou a ver ninguém com quem ia às marchas. Seus pais a proibiram de ir às manifestações ou falar sobre o assunto. Nesta casa, diziam eles, jamais seria mencionada qualquer coisa sobre 1968. Tempos depois se formou em economia e se tornou professora do Instituto Politécnico Nacional.

Outros grupos como a União Nacional de Mulheres Mexicanas e as estudantes de teatro de Belas Artes são mulheres muitas vezes esquecidas, mas que também estiveram na luta. Estas organizações decidiram não se conformar com a situação de seus companheiros e começaram a participar de brigadas de luta. As estudantes de teatro, por exemplo, organizavam happenings e outros tipos de ações para conscientizar as pessoas e informar sobre o que estava acontecendo. Formavam brigadas artísticas usando seus talentos e conseguiram fazer com que muitas pessoas conhecessem a luta política de outros estudantes. A organização da União Nacional de Mulheres Mexicanas, por sua vez, realizou uma marcha no dia 30 de setembro de 1968 para exigir a liberação de presos políticos e o fim da repressão. A organização havia surgido em 1964 em um congresso de unidade feminina, onde um grupo de mulheres decidiu que queria melhores condições de vida para a mulher mexicana e que lutaria para alcançar a igualdade de gênero e de oportunidades.

Eufrosina Rodríguez, Ana María Teuscher Krüger, Agustina Matus Campos, Mika Seeger e – como é possível ler no Monumento a los Caídos localizado na Praça das Três Culturas – “muitas outras companheiras, cujos nomes e idades ainda não conhecemos”. Todas essas mulheres fizeram parte do movimento que mudou os paradigmas de comportamento e a perspectiva da mulheres em relação à participação política e social. A participação das estudantes, das mães, das filhas, das irmãs, das brigadistas. A participação da mulher nas entregas de informes, na pintura das ruas com as palavras de ordem do movimento. As mulheres conheceram novas realidades em seu próprio espaço, romperam estereótipos – por elas, para elas, com elas – e reivindicaram um lugar, ou pelo menos um país mais significativo.

Matéria originalmente publicada pela VICE México.