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análise

Como a Lua virou uma arma de espionagem na Guerra Fria

A improvável história de quando as forças armadas dos EUA esperavam transformar a Lua em um satélite natural de comunicações.

Em 24 de julho de 1954, o engenheiro naval James Trexler entrou em uma sala no Centro de Pesquisas Navais de Maryland, nos EUA, e ficou conversando sozinho. Para um observador externo, a situação pareceria estranha. Mas Trexler não estava louco – ele tinha acabado de inaugurar a guerra eletrônica.

Para sermos mais específicos, Trexler falava em um microfone conectado a uma antena nas instalações de rádio Stump Neck da base naval. O artefato estava direcionado para a Lua e, quando Trexler iniciou o discurso solitário, suas palavras retornaram a ele 2,5 segundos depois, após viajar um circuito de 500.000 milhas até a Lua e de volta à Terra.

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Embora o primeiro sinal de rádio a ir e voltar da Lua tenha ocorrido 30 anos antes, Trexler foi o primeiro a fazer e receber de volta uma transmissão de voz por meio da Lua.

A origem do marco experimental de Trexler remonta a seus dias de faculdade, quando percebeu que a ionosfera da lua poderia servir como refletor de ondas de rádio. Ao se juntar ao Centro de Pesquisas Navais, no fim dos nos 1940, ele deu continuidade a sua hipótese e considerou usar a Lua como "dispositivo para interceptação de radar", capaz de espionar a comunicação soviética. Nos dois anos seguintes, Trexler concentrou muito de sua energia em provar que um programa de inteligência de rádio lunar era viável.

Antena de rádio a bordo do USS Oxford utilizada para comunicação entre a Terra e a Lua. Crédito: Marinha dos EUA.

Nos anos 1950, a Marinha norte-americana estava convencida de que a ideia de Trexler era fundamentada e construiu duas antenas maiores, na tentativa de monitorar sinais de comunicação de rádio soviéticos. Assim, nasceu o projeto Passive Moon Relay (PAMOR) [ou Retransmissão Passiva da Lua].

O projeto PAMOR desfrutou de um sucesso moderado. Em 1964, ele conseguiu utilizar a Lua para interceptar um sinal soviético da sofisticada antena "Hen House" no sudeste da União Soviética. O exército norte-americano era fascinado por essa antena desde que ela fora descoberta, quando ondas de rádio foram refratadas da nuvem de um teste de bomba nuclear na URSS. Outras tentativas de transformar a Lua em um dispositivo passivo de espionagem foram razoavelmente bem-sucedidas.

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Logo após a criação do PAMOR, Trexler e seu supervisor Howard Lorenzen (o "pai da guerra eletrônica") estabeleceu contato de radar com a Lua em outubro de 1951. O projeto envolveu unicamente o envio e o recebimento de uma série de pulsos curtos, a fim de testar a fidelidade da utilização da Lua como dispositivo de retransmissão de comunicações.

Isso aconteceu seis anos antes de o primeiro satélite artificial ser colocado em órbita, e as forças armadas ainda dependiam de transmissão via propagação ionosféricapara enviar os sinais de rádio para suas tropas ao redor do mundo. Isso envolveu a refração de ondas de rádio para a ionosfera da Terra – uma camada superior da atmosfera com alta concentração de átomos eletricamente carregados – de modo a fazer contato com suas unidades do outro lado do mundo. Ao mesmo tempo em que funcionou muito bem, também se tornou um mecanismo de comunicação duvidoso – as chamas solares e tempestades geomagnéticas tornaram as transmissões pela ionosfera impossíveis.

A primeira imagem transmitida por meio da Lua como linha oficial de comunicação militar. Crédito: NASA.

Por meio desses experimentos novos, cujo codinome era Operação Moon Bounce, o exército dos EUA esperava transformar a Lua em um satélite natural de comunicações. Após uma série de testes bem-sucedidos, o exército dos EUA transformou a Operação Moon Bounce em um sistema de comunicação totalmente operacional, o qual foi utilizado para conectar o Havaí a Washington DC em 1959. Em 1960, o sistema foi inaugurado oficialmente com uma transmissão entre dois escritórios navais. Esta consistiu na imagem de um barco dentro do qual os marinheiros compuseram as palavras "MOON RELAY".

Embora esse sistema de comunicação fosse utilizado e até expandido por alguns anos, no fim dos anos 1960 ele se tornou obsoleto por causa da quantidade cada vez maior de satélites artificiais de comunicação lançados pelas forças armadas dos EUA. Ainda que essas redes de comunicação via satélite artificial só fossem possíveis por meio das lições aprendidas com a Operação Moon Bounce, um dos projetos militares mais audaciosos da Guerra Fria.

Um documento tornado público sobre o programa admite: "o esforço Moon Bounce é uma coleção de técnicas de inteligência que parecia 'intangível' no início, mas que acabou se superando completamente".

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