O rock nunca nem esteve vivo no Brasil, comercialmente falando

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Noisey

O rock nunca nem esteve vivo no Brasil, comercialmente falando

Que o gênero está nas últimas globamente num é novidade. Mas no Brasil, até os anos 2000, o rock nunca chegou nem perto de dominar as paradas de sucesso.

No fim de maio desse ano, a famigerada banda carioca de metal Matanza anunciou o fim de seu Matanza Fest, que chega à sua sexta e última edição em 2018. Em companhia de Olho Seco, Golpe de Estado e Panic, o grupo fará quatro derradeiros shows em capitais diferentes do país e o tom solene da carta de despedida publicada no site dos cariocas levantou a questão: estaria o Matanza realizando o verdadeiro funeral do rock no Brasil?

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Sim, como sabemos, o rock morreu. Isso já foi dito, escrito e demonstrado diversas vezes ao longo dos últimos anos — o próprio Noisey gringo declarou o óbito há algumas semanas, explicando que o som não mais alcança os jovens entusiastas de música e frequentadores de festivais. Desde que o rap (principalmente ele), a música eletrônica e o pop tomaram conta das paradas, da cultura pop e dos memes – ferramenta importantíssima de divulgação musical hoje em dia –, as guitarras têm sido jogadas para um canto empoeirado da indústria musical. E não só figurativamente: a Gibson, uma das mais icônicas marcas de guitarra no mercado mundial, declarou falência em maio desse ano.

No Brasil, a situação é parecida. Ao invés de rap e música eletrônica, nossas paradas são dominadas pelo funk, o sertanejo, e um ou outro hit pop em língua inglesa do Ed Sheeran ou da Dua Lipa; e a importação de guitarras no país caiu em 80% nos últimos cinco anos. Mas quisemos elaborar esse atestado de óbito e fomos atrás de números que comprovassem por A+B que, realmente, o rock não é mais o que está em voga entre os jovens brasileiros.

Nessa busca, descobrimos o improvável. Não apenas o rock está definitivamente morto no Brasil como, falando em números de vendas, ele nunca nem chegou a estar plenamente vivo.

Para chegar a essa conclusão, usamos os números de estatísticas de vendas de discos elaboradas pelo Nelson Oliveira Pesquisas de Mercado (Nopem) entre 1965 e 1999, e reproduzidos pelo artigo Segmentação e consumo: a produção fonográfica brasileira – 1965/1999, do Doutor em Ciências da Comunicação pela USP Eduardo Vicente. A Nopem foi criada por Nelson Oliveira, que anteriormente tinha trabalhado no Ibope e criou o instituto para registrar dados da indústria fonográfica. Para isso, ele colheu informações de discos vendidos em lojas do Rio de Janeiro e São Paulo.

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A pesquisa tem algumas limitações: ela não trabalha com quantidade de discos vendidos, apenas o número e posição deles em rankings dos 50 mais vendidos, e abrange só grandes lojas no Rio de Janeiro e em São Paulo — o que, na época, representava dois terços do mercado fonográfico. Os dados contarem as vendas dos discos, porém, ao invés de a distribuição, representa uma vantagem, porque entra na pesquisa somente o que foi de fato adquirido pelo consumidor final.

E a pesquisa nos mostra que, desde 1965, o rock representa apenas uma pequena parcela da música que os brasileiros consomem. De 65 a 79, por exemplo, o rock chegou a representar apenas no máximo 4 dos 50 discos mais vendidos durante aquela década e meia. Até mesmo entre os artistas internacionais, que chegaram a tomar mais da metade do ranking, o rock nunca foi uma presença expressiva: discos dos Beatles (e, posteriormente, discos solo dos ex-Beatles) apareceram seis vezes durante os anos, e Elvis Presley alcançou uma única citação na lista, segundo o autor. Bandas como Rolling Stones, Pink Floyd, Led Zeppelin e The Who jamais apareceram entre os discos mais vendidos.

Ao invés disso, os brasileiros consumiam muita música romântica, música negra norte-americana (como Stevie Wonder e Michael Jackson) e samba.

Até 1981, os únicos roqueiros brasileiros a figurar na listagem eram Erasmo Carlos, Renato & seus Blue Caps, a banda The Fevers (os demais companheiros de jovem guarda foram encaixados na categoria 'romântico'), os Mutantes, assim como a carreira solo de Rita Lee, e Raul Seixas. Mas com a década de 80 veio a conhecida "explosão do rock" brasileiro essa lista se expandiu — mas, pelo que podemos concluir pela lista da Nopem, nem tanto assim.

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Os discos de rock, durante os anos de 1980 e 1989, chegaram a representar no máximo 16% dos 50 mais vendidos. Em seus melhores anos (de 84 a 87), ficavam empatados ou, ainda, atrás de números feitos pelos discos românticos, de MPB e samba. O último — ou, pelo menos, o mais importante — bastião do jornalismo roqueiro no Brasil, André Barcinski, chegou a fazer uma matéria utilizando os mesmos dados para o R7 em 2016, que levava o título "O rock brasileiro estourou de vendas nos anos 80… só que não!".

O que aconteceu na suposta década de ouro do gênero no Brasil foi que as bandas, que aproveitaram um excesso de casas ociosas com o fim da febre disco, atraíram o interesse de grandes gravadoras que procuravam novas faixas etárias de consumidores (o que motivou, também, o investimento na música infantil na mesma década). Com a ajuda de megafestivais (como o Rock in Rio, que surgiu em 1985) e rádios especializadas, o gênero conseguiu uma tração que trouxe muitas bandas aos holofote — isto é, Blitz, Kid Abelha, Ritchie, Barão Vermelho, Legião Urbana, Biquíni Cavadão e outros —, mas se refletiu pouco em vendas.

A atenção recebida durou pouco. De 91 a 94, nenhum nome novo figurou nas listas de mais vendidos e, a partir de 95, o gênero só apareceu de novo de forma bem discreta através de nomes como Skank e Cássia Eller, ou pela reciclagem de antigos trabalhos de bandas da geração anos 80, com Acústicos MTV ou gravações ao vivo.

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Os dados na Nopem cobrem só até 1999, mas, de acordo com os rankings de 20 CDs e DVDs mais vendidos da Pró-Música Brasil (antiga Associação Brasileira dos Produtores de Discos – ABPD), nenhum outro movimento do rock brasileiro teve forças para sair do underground. Com possível exceção do emo do fim dos anos 2000 — o NX Zero chegou a aparecer nas listas de 2008 e 2011 com o DVD 62 Mil Horas Até Aqui —, o gênero evaporou das listas e dos olhos e ouvidos do mainstream.

A guitarrada brasileira tem longa vida. Disso eu não tenho dúvidas visto que, depois de tantos anos vivendo na penumbra da indústria musical, o rock brasileiro continua a produzir bandas e discos que valem a pena ouvir e fazem algum barulho, mesmo que este não seja tão alto — as cenas carioca e mineira influenciadas pelo rock dos anos 90, o afro-indie, o metal alternativo de São Paulo e a veia experimental de bandas como Rakta e maquinas são bons exemplos disso.

Talvez uma superação ínfima do complexo de vira-lata e o conservadorismo ligado a figuras uma vez expressivas do rock brasileiro — acho que não preciso ir mais longe do que Lobão e Roger — tenha afastado boa parte dos jovens do gênero, mas uma parte significativa dessa faixa etária ainda, com certeza, se identifica com o rock. Portanto, sim, o rock no Brasil sempre esteve morto, mas sempre teve quem comparecer ao enterro e empunhar uma guitarra em cima do túmulo.

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