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Tecnologia

O YouTube está mantendo propaganda neonazista no ar

Propaganda, podcasts e audiobooks neonazis continuam existindo no YouTube. Mesmo quando denunciados, a plataforma desmonetiza e remove algumas opções deles, mas não deleta os vídeos.
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Traduzido por Marina Schnoor
Sérgio Felizardo
Traduzido por Sérgio Felizardo
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Imagem: Shutterstock.

Depois do ataque terrorista neonazi que matou 50 pessoas numa mesquita em Christchurch, Nova Zelândia, empresas de tecnologia que vão de sites hospedagem a gigantes das redes sociais estão banindo ou derrubando conteúdo militante da extrema-direita da internet.

Mas mesmo diante desses horríveis ataques, o YouTube continua sendo um bastião da militância nacionalista branca. Nos últimos dias, a Motherboard assistiu vídeos de propaganda nacionalista branca e neonazista no site que ou não foram detectados pelo YouTube, tiveram permissão para continuar na plataforma ou foram postados recentemente.

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Quando alguns exemplos foram mostrados ao YouTube pela Motherboard, a empresa disse que desmonetiza os vídeos, os coloca atrás de um alerta de conteúdo, remove opções como likes e comentários, e os remove das recomendações – mas no final das contas decidiu não derrubar esses vídeos. E eles continuam facilmente acessíveis através da busca do site.

A compartilhamento de propaganda de nacionalismo branco e neonazismo no YouTube é um problema de anos. O YouTube agiu rapidamente contra o Estado Islâmico depois de vários vídeos de decapitações e ataques terroristas, mas o site não tem conseguido remover conteúdo neonazista e nacionalista branco na mesma escala. Uma investigação da Motherboard em 2018, por exemplo, documentou uma vasta gama de conteúdo neonazi compartilhado no YouTube. Uma investigação da Bloomberg publicada na terça-feira mostrou que o YouTube persegue “engajamento” às custas da saúde de sua plataforma permitindo que vídeos tóxicos continuem online.

Nos últimos anos, o YouTube desativou ou deletou alguns canais neonazistas, mas muito do conteúdo continua ao vivo online. Por exemplo, em março de 2018, o YouTube desativou o canal central do grupo de ódio Atomwaffen Division, onde membros postavam vídeos pedindo uma “guerra racial”, e derrubou outro canal pró-Atomwaffen em janeiro deste ano.

Mas propaganda de organizações neonazistas, podcasts conhecidos de nacionalismo branco e textos genocidas da extrema-direita continuam na popular plataforma de vídeo, a Motherboard descobriu.

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Vários vídeos de propaganda do Atomwaffen, que mostram homens mascarados com armas fazendo o “sieg heil” e pedindo a membros em potencial para se juntar ao grupo, continuavam disponíveis no YouTube quando esta matéria foi ao ar. A Motherboard viu vários vídeos de propaganda conhecidos do Atomwaffen ainda disponíveis no YouTube; um deles postado nas últimas 24 horas. Essas repostagens de vídeos antigos que o YouTube tinha derrubado antes indicam que a empresa não os detecta automaticamente.

Ironicamente, em um dos vídeos do Atomwaffen, membros pedem que seu conteúdo seja compartilhado nas redes sociais.

“Espalhe e espelhe nosso trabalho em várias redes sociais: YouTube, Facebook, Twitter, etc.”, diz uma mensagem no vídeo de propaganda conhecido do Atomwaffen “Se junte aos seus nazistas locais”.

Mês passado, o serviço de hospedagem Bluehost derrubou um proeminente site da Atomwaffen, o que significa que o YouTube continua sendo um dos únicos lugares da internet onde o manifesto Siege – que é tipo uma bíblia da Atomwaffen, escrita pela influente figura neonazista James Mason nos anos 80 – pode ser facilmente encontrado como audiobook.

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Em Siege, Mason descreve como se apropriar de movimentos de resistência sem liderança, fazer ataques contra políticos americanos e perpetrar violência contra minorias, o que a Atomwaffen adotou como sua ideologia central. A obra é comparada ao Turner Diaries, outro trabalho de nacionalismo branco, que é citado como uma influência direta para o terrorista de Oklahoma City Timothy McVeigh, no que já foi o maior incidente de terrorismo doméstico da história dos EUA antes do 11 de Setembro.

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Enquanto isso, o Bluehost e o Zencast baniram o podcast neonazi Radio Wehrwolf, mas vários episódios continuam disponíveis no YouTube, incluindo uma entrevista com Mason. Depois de ser derrubado pelo Bluehost e Zencast, o Radio Wehrwolf usou o YouTube para incentivar seus seguidores a disseminar os links dos episódios na plataforma, prometendo retornar com o podcast.

“Estamos num pequeno hiato com o site. Vamos voltar com ele em breve”, dizia um dos apresentadores do Radio Wehrwolf num vídeo de mais de duas horas no YouTube, denegrindo as violações de termos de serviço que os derrubaram. No mesmo programa, eles pedem a morte de membros do Southern Poverty Law Center, uma organização que monitora extremismo de direita.

O YouTube pediu que a Motherboard enviasse os links de vários vídeos neonazistas. A empresa confirmou que cópias dos programas do Radio Wehrwolf e cópias de Siege continuam no streaming da plataforma. Diferente do Facebook, a empresa ainda permite que podcasts de nacionalismo branco usem seus serviços. O YouTube disse a Motherboard que não derrubou o conteúdo enviado pela Motherboard, mas que o desmonetizou, removeu comentários e likes, e os colocou atrás de uma mensagem de alerta.

Apesar de todas as evidências de conteúdo militante neonazi na plataforma, o YouTube diz que está levando a questão a sério. Numa entrevista para o New York Times semana passada, Neal Mohan, chefe de produtos do YouTube, disse que a empresa está tentando policiar o nacionalismo branco, mas diferente de propaganda do ISIS, isso é mais difícil de detectar e classificar como discurso de ódio.

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“No caso de algo assim”, disse Mohan, fazendo referência ao conteúdo de nacionalismo branco, “os desafios são maiores porque as diferenças, como você pode imaginar, às vezes são mais complexas entre o que claramente pode ser discurso de ódio versus o que pode ser discurso político que podemos achar desagradável e de que discordarmos, mas está vindo, sabe, de candidatos que estão nas eleições e coisas assim”.

Um porta-voz do YouTube disse a Motherboard que o site não tolera discurso de ódio ou promoção de violência, mas não chegou a proibir totalmente nacionalismo branco em sua plataforma, como o Facebook prometeu fazer recentemente.

“Discurso de ódio e conteúdo que promove a violência não têm lugar no YouTube”, disse o porta-voz. O gigante de streaming diz que está investindo em moderadores humanos e ferramentas de inteligência artificial para desmantelar conteúdo de ódio que viola seus termos de serviço.

“Nos últimos anos, investimos pesado em equipes humanas de moderação e tecnologia inteligente que nos ajude a detectar rapidamente, revisar e remover conteúdo desse tipo”, ele acrescentou. “Removemos milhões de vídeos que violam nossas políticas a cada trimestre, a maioria detectada primeiro por nossos sistemas automatizados.”

Mas o Counter Extremism Project – uma rede anti-extremismo dos EUA – destacou que o YouTube continua se recusando a remover Siege de sua biblioteca online.

“Acho que isso acontece porque eles não estão levando a ameaça a sério”, disse o pesquisador do CEP Joshua Fisher-Birch, numa entrevista para a Motherboard sobre por que conteúdo nacionalista branco continua se proliferando no YouTube.

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Fisher-Birch disse que tinha se logado recentemente em postagens de Siege e Turner Diaries que tinham milhares de visualizações, com várias novas postagens de propaganda do Atomwaffen aparecendo quase diariamente.

A Motherboard viu recentemente um canal ativo do audiobook Siege no YouTube com milhares de visualizações.

O pesquisador do CEP acredita que a diferença entre a proibição bem documentada do YouTube de conteúdo do ISIS versus nacionalismo branco tem a ver com imagem pública e modelo de negócio deles.

“Com o ISIS e conteúdo do ISIS, o YouTube estava recebendo muita publicidade negativa”, disse Fisher-Birch. “Isso estava se tornando um problema, com anunciantes saindo porque estavam preocupados que suas marcas fossem associadas com conteúdo do ISIS. E não há o mesmo nível de ultraje público ou corporativo sobre esse tipo de conteúdo.”

Depois que vídeos de decapitações e declarações do ISIS começaram a ser liberadas primeiro no YouTube em 2014, a empresa tomou uma posição dura e deliberada contra a organização terrorista, colocando vastos recursos para conter o problema.

Com Facebook, Microsoft e Twitter, o YouTube é um membro fundador do Global Internet Forum to Counter Terrorism, uma iniciativa formada especificamente para cortar o uso das redes sociais por grupos terroristas para recrutar e prosperar online. Mas o coletivo foi criticado recentemente por sua falta de atenção ao terrorismo online nascido do nacionalismo branco.

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No site do GIFCT, o YouTube mantém que 98% dos vídeos que eles tiram do ar são “detectados por algoritmos de aprendizado de máquina”, que ajudam “os revisores humanos a remover quase cinco vezes mais vídeos do que faziam anteriormente”.

Mas uma conta oficial do YouTube diz que é mais difícil detectar vídeos de nacionalismo branco que conteúdo de grupos jihadistas.

“Muitos grupos extremistas violentos, como o ISIS, usam filmagens e imagens em comum. E essas imagens podem ser sinalizadas pelos sistemas de detecção que nos ajudam a remover esse conteúdo em grande escala”, eles disseram numa thread no Twitter.

Matéria originalmente publicada no Motherboard EUA.

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