Você não quer viver num mundo sem abelhas
Caso as abelhas desaparecessem, a saudade do mel seria o menor do nossos problemas. Se a extinção ocorrer, diga adeus para castanhas, maçãs e outros alimentos. Crédito: Gabriela__F/flickr

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Você não quer viver num mundo sem abelhas

Caso as abelhas desaparecessem, a saudade do mel seria o menor do nossos problemas. Se a extinção ocorrer, diga adeus para castanhas, maçãs e outros alimentos.

Abelhas são legais, abelhas são do bem. Até mesmo aquelas que picam quando você está relaxado em algum canto são seres importantes, trabalhadores e justos – nada muda o fato de que, mesmo sem querer, a culpa da picada é sua. E por maior que seja a raiva nas horas de ferrão na pele, não há motivo para desejar a morte delas, o que, infelizmente, pode estar prestes a ocorrer. Pois é: no início deste mês de outubro sete espécies de abelhas, do gênero Hylaeus, foram declaradas em risco de extinção no Estado do Havaí, nos Estados Unidos.

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Não se trata apenas de uma questão de falta de mel. A principal razão para preocupar com esta notícia é que estes insetos são os maiores polinizadores de diversas espécies de vegetais. "As amêndoas, por exemplo, dependem 100% da polinização pelas abelhas", comentou o Lionel Segui Gonçalves, doutor especialista em genética das abelhas, docente aposentado da USP-Ribeirão Preto e criador da campanha Sem Abelha Sem Alimento. "em outras palavras, sem elas, não existe amêndoas", completou. Entre outros alimentos que seriam diretamente afetados pela possível extinção das abelhas estão: cenoura, brócolis, couve-flor, cebola, aspargo, abacate, maçã. As abelhas são responsáveis por 90% de toda a polinização desses vegetais, segundo a pesquisa The Value of Honey Bees As Pollinators of U.S. Crops, publicada no ano de 2000 na revista Bee Culture.

"Aproximadamente 70% da alimentação humana é consequência de trabalho de polinização das abelhas e 85% das áreas verdes também dependem delas", afirmou Gonçalves.

Não bastasse o fator polinizador, há também a biodiversidade. De acordo com o pesquisador, dependemos diretamente dos insetos. As abelhas possuem um peso enorme na cadeia reprodutiva das plantas frutíferas. Sem elas, haveria um desequilíbrio inestimável no ecossistema.

O que vem ocorrendo em muitos lugares dos EUA é o Distúrbio do Colapso das Colônias (CCD), um fenômeno que parece enredo de filme apocalíptico para abelhas. As colmeias ficam simplesmente vazias. Desaparecem. Às vezes há pouquíssimas trabalhadoras jovens e a rainha, mas solitárias e sem recursos para se manterem lá. Nestes casos, dizem os biólogos, o alimento na colônia permanece intocado. Não há a presença de pragas como traças ou besouros que poderiam causar efeito semelhante.

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Como explicar isso? O que de fato ocorre?

Vamos voltar alguns anos para sacar melhor.

Segundo estudo publicado pela Universidade da Pennsylvania em 2007, os primeiros casos registrados de desaparecimento das abelhas aconteceram em meados do século XIX. Mas foi apenas em 2006 que a situação se tornou realmente alarmante, com efeitos econômicos diretos e apicultores perdendo cerca de 90% de suas criações. No final daquele ano a estimativa foi de que cerca de 30% das criações de abelhas no país sofreram com o CCD. A causa? Química, claro.

"O que acontece é que a maioria dos produtores agrícolas está usando pesticidas indiscriminadamente, principalmente os Neonicotinoides que são os mais fortes que existem", explica Gonçalves. Esta substância age no sistema nervoso do inseto afetando a comunicação entre as células, o que interfere na sua memória e orientação.

Quando uma abelha sai de sua colmeia e vai para uma cultura onde foi lançado o pesticida, ela entra em contato com o neonicotinoide nas flores e imediatamente sofre os efeitos no sistema nervoso. Com isso acaba sem a condição de voltar para a sua colmeia de origem. "Neste caso ela desaparece. Por essa razão é chamada a síndrome do desaparecimento… Ela desaparece e acaba morrendo", comentou Gonçalves. Além dos pesticidas o especialista também apontou que mudanças climáticas, desmatamento, algumas espécies de ácaros, bactérias e vírus também estão entre as causas da redução das populações.

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Estes fatores levaram a questão das abelhas a entrar no radar do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Em seu levantamento mais recente, divulgado em fevereiro deste ano, cerca de 75% de todos os alimentos consumidos pela espécie humana depende da ação de polinizadores. As abelhas são os mais importantes. Estima-se que as culturas dependentes de polinização movimentem até US$ 577 bilhões.

O Brasil também no mapa da extinção

Embora o problema do desaparecimento tenha começado nos Estados Unidos, hoje já vários países em todos os continentes sofrem com isso. "Já atinge inclusive o Brasil", diz Gonçalves. Para o pesquisador, se nenhuma providência séria for tomada no sentido de proteger as espécies de abelhas e outros polinizadores, o mundo pode encontrar um futuro semelhante à província de Sichuan, na China. "Há 20 anos houve uso indiscriminado de agrotóxicos e pesticidas lá e hoje foi criada a figura do 'homem-abelha', que são na verdade chineses que sobem nas árvores, cerejeiras por exemplo, fazendo a polinização com as próprias mãos", contou Gonçalves.

Isso, na verdade, já ocorre em algumas regiões brasileiras. Para a doutora em ciências ambientais, Birgit Harter-Marques, do programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), uma das estudiosas sobre o fenômeno, o cenário futuro é preocupante. "Percebemos a diminuição das abelhas bem tarde e o nosso estado atual não favorece a manutenção delas", afirmou. Segundo ela os primeiros sinais da diminuição das populações de abelhas no Brasil começaram a ser sentidas em há pouco mais de cinco anos.

"Para te dar um exemplo mais claro do que já está acontecendo, hoje na região Sul a produção de maracujá é bastante afetada", conta a pesquisadora. Esta fruta necessita obrigatoriamente de abelhas, as Mamangavas. "Por falta de recursos e locais de estabelecimento de colônias, esta população está tão drasticamente reduzida que os produtores são obrigados polinizar manualmente as plantas", completou.

Diante desse quadro a pesquisadora lembra da frase atribuída a Albert Einstein: "Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência". Que a mente de um de nossos cientistas mais brilhantes sirva para agirmos.