Qual a importância da identidade real do criador anônimo do Bitcoin?
Digamos que Bitcoin é um sistema político, e Satoshi é o seu chefe de Estado desaparecido. Crédito: Flickr/JD Hancock

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Qual a importância da identidade real do criador anônimo do Bitcoin?

Digamos que Bitcoin é um sistema político, e Satoshi Nakamoto é o seu chefe de Estado desaparecido.

O australiano Craig Wright está tentando provar ao mundo que é Satoshi Nakamoto, o criador anônimo do Bitcoin. Entre os especialistas, o consenso é que a evidência apresentada por Wright até o presente momento não é confiável.

A descoberta da verdadeira identidade de Satoshi daria fim a um dos maiores mistérios da tecnologia moderna. Mesmo entre leigos, a perspectiva da revelação de um gênio anônimo gera uma imensa euforia. Mas, surpreendentemente, muitos membros da comunidade Bitcoin não ligam nem para Wright, nem para Satoshi Nakamoto.

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Eles estão completamente errados, diga-se.

Andreas Antonopoulos, um empresário proeminente no meio Bitcoin, anunciou no Reddit que havia recusado a oportunidade de atuar na verificação da prova criptográfica apresentada por Wright. Por quê? Nas palavras de Antonopoulos, "o Bitcoin é uma rede neutra que pode fortalecer bilhões de pessoas economicamente. Ela não depende de nenhuma autoridade. Nem mesmo de Satoshi."

Não é bem por aí. Sabemos que o nome de Satoshi, tal como seus supostos desejos, exercem sim certo poder sob a rede Bitcoin. O poder é a essência da política e, apesar daqueles que dizem o contrário, o Bitcoin é um sistema tão político e social quanto técnico. Satoshi é importante porque ele — ou ela — pode mudar o destino do Bitcoin.

Apesar de Wright ter concordado com Antonopoulos em um post publicado na última terça-feira, ele certamente está ciente de sua capacidade de influenciar o rumo de todo um sistema econômico, social e técnico.

Os códigos podem ser a principal arma do Bitcoin, mas nessa guerra política, o nome de Satoshi também é uma arma e tanto

"Não posso permitir que as falsas informações espalhadas por aí prejudiquem o futuro do Bitcoin e do Blockchain", teria dito Wright em um comunicado enviado a diversas publicações. Mas, antes que ele possa analisar o futuro do Bitcoin, "o Sr. Wright tem de convencer o mundo de que ele está dizendo a verdade", como disse a The Economist.

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É importante acrescentar que Wright diz não poder gastar a quantidade astronômica de bitcoins atribuída a Satoshi (que valem pouco menos de um bilhão de dólares), algo que, caso o verdadeiro Satoshi decidisse fazer, causaria uma explosão no número de vendas da moeda, o que desestabilizaria toda a economia Bitcoin. Wright explicou que esses bitcoins estão sob a supervisão de um fundo — mas talvez ele só queira esconder o fato de que ele não é Satoshi. Como podemos ver, a influência de Satoshi é o único trunfo de Wright.

É verdade que as "regras do jogo" estão, de certa forma, escritas no código da própria rede Bitcoin. Ainda que Satoshi tenha criado o Bitcoin, ele não pode simplesmente aparecer do nada e mudar tudo. Mas isso não impediu que certas pessoas invocassem a suposta vontade de Satoshi ao tecerem seus próprios argumentos em prol de certas mudanças.

Um exemplo: Mike Hearn, ex-desenvolvedor do Bitcoin, já usou um email assinado por Satoshi Nakamoto em 2009 como arma durante uma "guerra civil" que dividiu a comunidade Bitcoin. O motivo da briga era uma mudança no código da rede que aumentaria o tamanho dos "blocos" de informações de transações, o que, por sua vez, tornaria a rede mais veloz e eficiente. O que está em jogo são duas diferentes visões do Bitcoin — um sistema de pagamento popular ou uma ferramenta financeira de nicho.

Os códigos podem ser a principal arma do Bitcoin, mas nessa guerra política, o nome de Satoshi também é uma arma e tanto.

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Para os críticos que defendiam que o Bitcoin deveria permanecer como Satoshi o havia criado — eles mesmos dispostos a invocar sua autoridade — Hearn respondeu que "Satoshi sempre quis [ênfase dele] que o Bitcoin competisse" com outros sistemas de pagamento mais velozes, como o Paypal e o Visa. Em meio ao furor do debate, muitos pediram a intervenção direta de Satoshi.

No ano passado, alguém que se passava por Satoshi Nakamoto tentou encerrar a discussão com um email enviado para uma mailing list pública. Esse email foi amplamente ignorado, posto que seu remetente não o assinou criptograficamente, o que significa que o email pode ter sido enviado por alguém interessado em promover seus próprios interesses.

Mas agora aqui está Wright, que, além de tudo, conta com o apoio de ninguém menos do que Gavin Andresen, o primeiro desenvolvedor a sugerir o aumento dos blocos.

Coroar Wright como o verdadeiro Satoshi Nakamoto daria a ele um poder sem precedentes dentro da rede Bitcoin. Isso não deve ser visto de forma leviana, especialmente por um sistema que se orgulha de estar acima das autoridades financeiras tradicionais.

Há apenas uma coisa que Wright pode fazer para provar de uma vez por todas que é Satoshi Nakamoto, e essa coisa é assinar uma mensagem com a chave privada do primeiro bloco Bitcoin já criado: o bloco zero ou "bloco gênesis". Esse é o único bloco criado incontestavelmente por Satoshi Nakamoto.

Se por algum motivo Wright ou qualquer outro pretendente ao trono se disser incapaz de fazer isso —alegando, por exemplo, ter perdido a senha dessa chave — então toda missão de encontrar Satoshi Nakamoto deveria ser abortada. O risco de dar a autoridade de Satoshi a um possível falsário é grande demais.

No fim, talvez a identidade de Satoshi não deva ter tanta importância — ao menos não enquanto ela não puder ser confirmada — mas por um só motivo: porque é importante demais.

Tradução: Ananda Pieratti