O que o casal Marcos e Emilly do BBB17 ilustra sobre relacionamentos abusivos

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O que o casal Marcos e Emilly do BBB17 ilustra sobre relacionamentos abusivos

Especialistas falam como identificar uma relação abusiva.

Imagem: reprodução/ GloboPlay.

*Reportagem atualizada às 17h15.

O BBB17 está na reta final e, mais uma vez, um polêmico episódio repercutiu. Durante a madrugada do sábado para o domingo (9), o cirurgião plástico Marcos Härter protagonizou cenas de violência psicológica, verbal e física contra sua namorada, Emilly Araújo. "Tu me beliscou de novo, Marcos, tu apertou meu pulso e tá doendo", disse a gaúcha, que foi colocada contra a parede durante a discussão. A história acabou virando caso de polícia depois que a diretora da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher do Rio de Janeiro (Deam) teve acesso às imagens. Um inquérito foi instaurado e a polícia quer ouvir o casal.

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"Presta atenção", gritava Marcos repetidamente enquanto colocava o dedo no rosto da namorada e depois em sua boca, para que ela ficasse quieta e lhe ouvisse. Depois, o médico chorou e disse que gostava muito dela, mas que ela precisava mudar. Resignada, a jovem, 18 anos mais nova (ela tem 20 e ele, 38), o abraçou e chorou junto.

Os vídeos repercutiram na internet e geraram a hashtag #MarcosExpulso. Nas redes sociais, muita gente cravou que aquilo se tratava de um relacionamento abusivo e que a violência cometida pelo médico era motivo de expulsão do programa, mas não foi o que aconteceu. Ao vivo, o apresentador Tiago Leifert acabou normalizando a situação e afirmando que a Rede Globo estava preocupada com o "comportamento do casal", e não especificamente com o de Marcos. "O que vimos hoje acontece no mundo real, só que sem as câmeras", proferiu o apresentador. Ele também explicou que a produção do BBB conversou separadamente com os dois. Marcos teria sido alertado sobre seu comportamento e sobre as regras do programa. "Depois falamos com a Emilly e reforçamos que ela pode e deve procurar a produção do programa pra denúncias e reclamações", falou o apresentador.

Quando voltou do confessionário, onde conversou com a produção, a gaúcha parecia atônita. Como se, pela primeira vez, tivesse entendido que o comportamento do namorado não era saudável.

Mas, afinal, o que caracteriza um relacionamento abusivo? Para a psicóloga Semíramis Vedovatto, representante do Conselho Regional de Psicologia do Paraná, onde coordena a Comissão de Psicologia e Saúde, a primeira coisa é o jogo do controle entre os parceiros. "[Querer] saber onde está, com quem fala, quem são os amigos. Na vida real, vemos muitos relacionamentos abusivos em que o casal de namorados se controla por redes sociais," define. "Esses relacionamentos têm a necessidade do controle, o ciúmes, a violência, a frieza emocional e a frieza ou abuso sexual."

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Para ela, essa discussão é importante porque faz com que as pessoas reflitam sobre o assunto. "Relacionamentos abusivos podem acontecer tanto com uma mulher sofrendo a pressão, quanto um homem. Não temos uma pesquisa que quantifique que são as mulheres que mais sofrem com isso", pondera Vedovatto. "O que mais vemos são mulheres que reportam relacionamento abusivo porque normalmente estes terminam de uma forma muito ruim: com agressão, Lei Maria da Penha", menciona a profissional sobre a lei que pune homens que agridem fisicamente ou psicologicamente a uma mulher ou à esposa. "O homem, porém, é sempre mais violento do que o abuso da mulher em relação ao homem", enfatiza a psicóloga.

Definir os limites e até mesmo o que é ou não violência pode ser complexo. É difícil saber o que pode ser aceitável dentro de um relacionamento. Um pode gritar com o outro? Fuçar no celular? Proibir de sair com tal pessoa ou ir a tal lugar? Apertar o braço durante um bate-boca?

De acordo com Tânia Mendonça Marques, mestre em psicologia e psicóloga aposentada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), violência física e psicológica estão interligadas. "Não há violência física sem que antes tenha havido violência psicológica", declarou. "Sem desferir um golpe sequer, o parceiro consegue destruir o outro."

A pessoa que abusa costuma usar meios sutis, repetitivos, velados, ambíguos e adota uma série de atitudes e expressões que visa aviltar ou negar a maneira de ser de uma outra pessoa, expõe a profissional.

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Um relacionamento enquadra-se como abusivo quando "as tentativas de negociações das diferenças falham", esclarece a doutora em psicologia clínica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Maria Thereza de Alencar Lima. Para a professora e psicóloga, "o não reconhecimento da necessidade de saber lidar com as diferenças, a idealização do parceiro e do encontro amoroso; a rigidez de entendimento sobre os papéis femininos e masculinos; modelos e valores sociais e pessoais referentes à história de vida de cada um, além do contexto social e emocional que se apresenta" dificultam a ênfase de um relacionamento.

BBB17 VIROU CASO DE POLÍCIA

Depois de acompanhar a repercussão que as cenas do BBB tiveram na internet, a diretora da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher do Rio de Janeiro (Deam), Márcia Noeli Barreto não teve dúvidas. "Fato que é violência doméstica, fato que é violência psicológica", afirmou à VICE por telefone. "Quando se trata de lesão corporal, temos o dever de ofício de instaurar inquérito e apurar o caso. Foi isso que fiz."

À frente do caso está a delegada Viviane da Costa Ferreira Pinto, da Delegacia de Atendimento à Mulher de Jacarepaguá, que irá apurar todas as imagens com a Rede Globo e, se necessário, pedir que uma perícia de lesão corporal seja feita. "Se for o caso, pediremos as medidas protetivas", finalizou a diretora.

NÃO FOI A PRIMEIRA VEZ

Nos primeiros dias de confinamento, a então líder Mayara ficou indignada ao ouvir de Marcos que dentro de alguns meses as participantes mulheres seriam vistas peladas em revistas por todos da casa. Em resposta às atitudes e comentários tidos como machistas do cirurgião plástico, ele foi indicado ao paredão, mas não foi eliminado.

Leia: Seria este o BBB desconstruidão?

No início, Emilly deixava muito claro que não queria ficar com Marcos e que eles eram apenas amigos. Na primeira festa da casa, o médico chegou a beijá-la a força. Foram muitas investidas desagradáveis até que Emilly cedeu e os dois engataram um relacionamento cheios de cenas de amor, sexo e ódio. Chamada de "ninfeta" pelo participante Rômulo, diplomata que pregava a moral, a ética e os bons costumes dentro do programa, Emilly foi acusada diversas vezes de manipular o namorado e os amigos mais próximos. Talvez, por isso, muitas espectadores achem que ela "mereça" o comportamento agressivo do médico.

Não foram poucos episódios de machismo. Ao tentar se servir em uma das festas, Emilly foi interceptada pelo médico, que bradou como achava feio uma mulher segurar uma garrafa de bebida. "Evita", ordenou. Quando teve coma alcoólico, ela ouviu do namorado que não poderia mais beber. "Se beber, eu que vou controlar. Pode substituir no teu vocabulário as palavras ice, vodka e champanhe por outras, como profissão, carreira, estudo, faculdade. Mulher não tem que beber. É feio pra caramba ver uma menina da tua idade fazendo isso", disse.

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Além de constantemente demonstrar que é um homem instruído, bem resolvido e que fez terapia por muito tempo para evoluir como ser humano, Marcos sempre ataca o que considera como defeitos da gaúcha, a quem chama de mimada e cujas atitudes são egoístas. Quando perguntou ao namorado quais eram suas qualidades, ele respondeu: "Você beija bem, transa legal". Indignada, ela questionou se esses eram os únicos atributos que ela enxergava nela.

Orgulhoso, o médico sempre bate no peito como é bem sucedido e afirma que sua clínica fatura mais de R$100 mil por mês. Em diversas oportunidades, deu a entender que Emilly precisava estudar pra ser alguém na vida, já que não faz faculdade, nem trabalha. Em tom de deboche, chegou a perguntar se ela sabia a tabuada do 10.

Em outro momento, enquanto Emilly dizia que tinha opinião, pensamento e vontades próprias, Marcos a interrompe e diz: "Vai botar roupinha que tu tá muito pelada e vai pegar uma gripe".  Isso acontece também em outra situação, quando ele pede que ela troque de roupa porque estava "com ciúmes".

Questionada sobre as atitudes do casal, a psicóloga Vedovatto salienta que existem alguns componentes de abuso emocional e outros não. "O fato de eles estarem sob pressão, confinados há mais de 60 dias, faz com que algumas características se excedam mais, tanto da parte dele, quanto da parte dela", informa. Para ela, tudo que transborda é abusivo. "Ciúmes demais, violência demais, manipulação demais", finaliza.

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