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Stoya Fala Sobre a Importância de Escrever com Exatidão Sobre Trabalho Sexual

Quando considero aceitar um pedido de entrevista, pesquiso os trabalhos anteriores do escritor, seu blog pessoal e linha do tempo no Twitter, tentando, assim, avaliar a probabilidade de seus preconceitos me enxergarem de forma positiva ou negativa.
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Por Stoya

Todas as fotos por David Kornfield.

Visões sobre a diferença entre o sexo na frente das câmeras e sexo recreativo variam de artista para artista e de situação para situação. Os diretores de produções mais roteirizadas tendem a apreciar atores que continuam no personagem durante as cenas de sexo, enquanto um projeto cujo tema é composto de pernas, peitos ou bundas vai exigir mais foco nessas características físicas. Uma cena gonzo não é, para mim, diferente de qualquer outra situação em que faço sexo na frente de outras pessoas — fora ter que ficar sentada por uma hora ou mais fazendo cabelo e maquiagem antes.

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A diferença entre como sinto o sexo num set de filmagens e como a cena parece depois da aplicação de ângulos de câmera, iluminação, edição e correção de cor é toda uma outra história. Às vezes, o produto final tem um tom inteiramente diferente do que tinha durante as filmagens. Isso vem a calhar naqueles raros dias em que tudo, dos circuitos da câmera à hidráulica física do ator principal, passam por dificuldades técnicas. Também é útil quando alguém (OK, com “alguém” quero dizer eu) tem um roxo gigante na coxa. Quando alguém engasga com pelos ou cai da cama/sofá/bancada/chão, a edição salva o dia e faz a gente (bom, muito provavelmente eu de novo) parecer mais coordenada do que é na realidade. A edição é uma das principais coisas que separam um vídeo pornográfico de, digamos, vigilância por câmera de segurança.

Levei anos para perceber que os artigos da imprensa passam por um processo de edição similar. Dependendo do meio de comunicação, do número de pessoas editando um artigo e do estilo do editor, o artigo final pode acabar como qualquer coisa entre uma versão ligeiramente mais polida do original a um artigo em que o ponto e o tema pretendidos pelo autor ficaram irreconhecíveis. Isso, em geral, é mais um efeito colateral dos mecanismos de publicação do que intenção maliciosa por parte de qualquer uma das pessoas envolvidas. Não chego nem perto de ter experiência suficiente nos bastidores de um meio de comunicação para tentar explicar esse intrincado processo.

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Mas tenho muita experiência tentando coordenar interações com a imprensa como uma trabalhadora do sexo. Mesmo quando o repórter ou escritor está confortável com a sexualidade e a atividade profissional do sexo, ele ou ela ainda chegam com várias noções preconcebidas. Eles também veem o assunto baseados em suas próprias experiências. Isso é normal. Eu faço isso quando escrevo e também faço quando leio.

E você provavelmente está fazendo isso agora, a menos que já tenha desistido de ler isto e ido jogar Candy Crush, passear com seu cachorro ou seja lá o que o pessoal descolado faz hoje em dia. Quando considero aceitar um pedido de entrevista, pesquiso os trabalhos anteriores do escritor, seu blog pessoal e linha do tempo no Twitter, tentando, assim, avaliar a probabilidade de seus preconceitos me enxergarem de forma positiva ou negativa. Também observo a publicação de destino do artigo para avaliar qual será o ângulo provável que a história final terá. Se eu encontrar palavras gentis sobre Gail Dines ou Pat Robertson, é provável que o pedido de entrevista será educadamente negado. Em minha experiência, entretanto, as diferenças entre o tom de uma entrevista e o tom da história final são tipicamente mais sutis e não intencionais.

Um editor que corrige erros de grafia e gramática num artigo também pode mudar palavras, o que muda significados. Ele também, às vezes, rearranja parágrafos ou corta sentenças inteiras. Ele faz isso para ajudar o artigo a se encaixar melhor no tom da publicação, ou para tornar esse artigo mais legível ou empolgante. Editores têm boas intenções e fazem várias coisas importantes, mas não foram eles que fizeram a pesquisa, falaram com os entrevistados diretamente ou tiveram a experiência em primeira mão. Essa lacuna de conhecimento, combinada à pressão dos prazos e à demanda cada vez maior por histórias, significa que os escritores (incluindo eu) podem não ver seu artigo editado até que ele apareça na internet, o que pode levar a erros acidentais. Tenho certeza de que isso acontece com artigos sobre qualquer coisa — de sindicatos de encanadores a tendências de batom — mas sou mais sensível à deturpação do trabalho sexual e da sexualidade não tradicional.

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Entrevistar uma variedade de trabalhadores sexuais é vital para entender a indústria do sexo profissional. As pessoas que trabalham ou que já trabalharam nessa indústria fazem, aparentemente, um trabalho muito melhor quanto à preservação da exatidão e da integridade da informação apresentada. O livro Playing the Whore, de Melissa Gira Grant, discute as percepções do grande público dos diferentes tipos de trabalho sexual e como esse trabalho vem sendo julgado, aplaudido ou politizado, enquanto examina a relação volátil entre trabalho sexual e várias facções do feminismo. Ela argumenta eloquentemente que reenquadrar o trabalho sexual como um simples trabalho poderia diminuir muito os perigos e riscos de exploração dentro da indústria. Ela foi capaz de escrever sobre o assunto de maneira tão fluente porque tem uma experiência significativa como trabalhadora do sexo.

Fornecendo uma visão ainda mais ampla, temos o Red Umbrella Project. Desde 2009, Audacia Ray, uma ex-trabalhadora do sexo, tem ajudado a amplificar as vozes dos trabalhadores da indústria, que descrevem suas próprias experiências num evento de narrativa mensal chamado Red Umbrella Diaries, ou participam das oficinas de biografia do grupo. Os resultados dessas oficinas começaram a ser publicados recentemente num jornal literário chamado Prose & Lore, e Audacia está trabalhando com uma equipe de filmagem para criar um documentário que conta as histórias de sete trabalhadores do sexo. Novamente, por causa de seu conhecimento na área, acredito na habilidade de Audacia para retratar com exatidão cada dimensão das experiências desses trabalhadores, além da variedade de motivações de quem entra para o comércio do sexo.

Precisão em reportar e relatar a experiência de trabalhadores do sexo é fundamental para criar uma imagem autêntica do trabalho sexual e das pessoas que o fazem. Temos muita sorte em ter essas duas mulheres ajudando a equilibrar a balança, pesando do outro lado dos relatos distorcidos e sensacionalistas que vemos por aí.

@Stoya