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A expulsão de Milo Yiannopoulos do Twitter mostra o quão contraditório é o Gamergate

Ao contrário do que afirma o vaidoso e fútil (e recém banido do Twitter) @Nero, a indústria dos games não está acabando, mas sim passando por um positivo processo de transformação.

Milo Yiannopoulos. Foto via @Kmeron via Wikipédia.

Matéria original da VICE US.

Todo mundo que se considera parte do Gamergate, que diz acreditar na luta do movimento por liberdade de expressão e expressão artística apolítica, devia estar pouco se fodendo para Milo Yiannopoulos, um simpatizante conhecido do movimento, que, antes de seu surgimento, chamou gamers de "esquisitões babacas", "machos beta frustrados" e muito pior.

Em sua conta no Twitter (derrubada pelo próprio site), o editor da Breitbart se descrevia como "o mais fabuloso vilão da internet". Numa entrevista sobre o caso, resultado da acusação de Yiannopoulos de que o Twitter estava contribuindo e até encorajando o racismo online contra a atriz do novo Caça-Fantasmas Leslie Jones, Yiannopoulos disse: "Como todos os atos da esquerda totalitária regressiva, isso vai explodir na cara deles, me rendendo ainda mais fãs".

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"O Gamergate não vê futuro nos videogames."

As acusações de rotina do Gamergate é que as pessoas, hoje, coagem os desenvolvedores de videogames a representar e validar suas próprias visões políticas. Os simpatizantes da suposta causa do Gamergate, que se consideram parte dos pensadores livres da indústria dos videogames, invulneráveis a influência política ou pessoal, certamente não vão seguir um líder tão descaradamente narcisista. Está na cara que o homem está nessa para se autopromover.

Mas como ilustrado pelas hashtags "FreeMilo" e "JeSuisMilo", que apareceram no Twitter depois da expulsão, o Gamergate tem sido manipulado com sucesso para aceitar a perspectiva egoísta de Milo Yiannopoulos. O Gamergate argumenta que a política tem que ficar de fora da cultura pop. Mas aqui, num ato tão ignóbil que demole a credibilidade do grupo, o Gamergate e seus simpatizantes se apropriam da linguagem e da lembrança do ataque ao Charlie Hebdo, uma atrocidade que não podia ser mais política.

Se o movimento é fiel a suas ideias, à rejeição da política, à redução da personalidade nos videogames, o Gamergate, como coletivo, não podia existir. Isso é reconhecer que se unir é um ato político. Ele não se esconderia atrás de um indivíduo, certamente não um tão obcecado por si mesmo. Um Gamergate legítimo não teria nome.

Liberdade de expressão e anticensura são duas causa magníficas que o Gamergate usou para contrabandear sua sórdida base política. Ele confunde gente expressando suas preocupações pessoais com dissidência política. Ele fracassa em separar a supressão governamental da expressão do ato muito menos influente da crítica à mídia. Tudo é censura para eles.

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Essa é a hipocrisia congênita do grupo: o Gamergate não consegue reconhecer que fazer campanha para a retirada de alguma coisa dos videogames, seja feminismo, representações de qualidade de personagens não-brancos, ou outros projetos considerados "liberais", também conta como censura — pelo menos segundo a definição do Gamergate do termo. Equivocadamente, o Gamergate supõe que todos os desenvolvedores de videogames são como eles, que nunca iam querer fazer um jogo sobre, por exemplo, mulheres, e que se querem, foram vítimas de alguma coisa.

O Gamergate diz estar do lado dos jogos e dos desenvolvedores. Ao mesmo tempo, luta para limitar o que ambos têm permissão para fazer. E se isso fracassa e um jogo feminista chega ao mercado — como ocasionalmente acontece e vai continuar acontecendo, independente dos críticos — o Gamergate tenta tirar o status de videogame do jogo, dizendo que ele é muito curto para ser um game, muito linear para ser um game, muito político para ser um game; então não é um videogame e pronto. Usando linguagem política para defender apolítica e táticas de censura para combater a censura, o Gamergate afirma defender a liberdade de expressão dos desenvolvedores, simultaneamente dizendo que criações dos desenvolvedores não são legítimas. Resumindo, o Gamergate defende não a liberdade de expressão, mas seu próprio direito de consumir. Ele não está do lado dos videogames. Como Milo Yiannopoulos, o movimento quer os videogames só para si mesmo.

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Depois o Gamergate diz que quem se opõe a ele é contra os videogames em si — ou você simpatiza com as políticas e objetivos do Gamergate ou não é um gamer de verdade. Ignorando o valor absurdamente inflado que o Gamergate coloca na identidade "gamer", e na capacidade de qualquer pessoa madura de gostar de videogames, filmes e arte sem precisar disso para ter um senso de valor pessoal, o movimento duvida de qualquer outra pessoa interessada, ou que ame, videogames. Decretar ou tentar limitar o que os videogames podem ou devem ser é pessimista. É o equivalente a dizer para uma criança que ela nunca vai ser astronauta. O Gamergate, em vez de acreditar e se importar com os videogames como afirma, diz aos videogames que eles nunca poderão evoluir, eles devem e vão continuar sempre iguais. "Deixe a política fora dos games" quase sempre quer dizer "evite que os videogames aprendam e amadureçam".

Uma pessoa realmente fascinada por videogames recebe bem diferenças e mudanças — ela reconhece que essas coisas são fundamentais para a sobrevivência a longo prazo e comercial dos videogames. Assim como o verdadeiro patriota se envolve com sua sociedade contemporânea inteira, e não apenas com uma versão histórica idealizada dela, o verdadeiro gamer se anima com a variedade e a possibilidade — o potencial e a amplitude dos videogames, não com o status quo. É uma tristeza que esses "gamers" queiram limitar de propósito o que os videogames podem absorver.

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Pensando no Gamergate, é bom lembrar de Thomas Edison, o inventor americano que, acreditando que imagens em movimento eram uma modinha passageira, não patenteou sua filmadora pioneira, a Edison Kinetoscope. O Gamergate não vê futuro nos videogames. E mais, ele tenta impedir o futuro que já está chegando. Um grupo contraditório, cujas ações servem como endosso de tudo que ele diz ir contra, o Gamergate quer uma moratória contra a mudança. Indo contra antecedentes históricos avassaladores — do cinema à música até a pintura, todas as expressões humanas amadureceram com o tempo — Milo Yiannopoulous, @Nero, é uma figura tão fútil quanto o personagem de quem ele tirou o apelido, o imperador romano que, diz a lenda, tocava harpa enquanto assistia Roma pegar fogo.

Enquanto Yiannopolous e o Gamergate prejudicavam injustamente várias pessoas nos últimos dois anos, eles testemunharam não a destruição dos videogames, mas sua renovação. O COO da Electronic Arts, Peter Moore, reconheceu que, na esteira do Gamergate, a empresa começou a prestar mais atenção em diversidade entre seus funcionários. Jogos populares tão diferentes quanto Life Is Strange e Call of Duty: Black Ops III deram às jogadoras personagem com que se identificar — a última sendo ligeiramente token, mas a opção é produto de uma mudança de maré produtiva ocorrendo agora, em toda a indústria dos videogames. Ferramentas como Unity e Twine e plataformas como o Itch.io oferecem a novas vozes uma oportunidade de criar e serem ouvidas.

As mensagens maldosas e contraditórias do Gamergate, às vezes ditadas por pessoas como Yiannapoulous e às vezes não, bateram de frente com desenvolvedores, jogadores e um desejo articulado de melhorar. Enquanto os hashtaggers tocam harpa, os videogames prosperam.

Siga o Ed Smith no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor

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