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O que significa o Brexit e o que pode vir depois dele?

Mas a maior pergunta de todas é: a globalização pode ser repudiada? Ou é como repudiar um dia chuvoso?

Apoiadores da campanha Stronger In reagem após ouvirem os resultados do referendo no Royal Festival Hall em Londres. Foto: Rob Stothard / PA Wire.

Matéria original publicada na VICE UK.

Os britânicos que foram dormir cedo na última sexta (24), com Nigel Farage comentando 'Parece que o Fico levou', com certeza ficaram pensando no que os meses de confusão significaram. Não mudou nada, então. De volta pra caminha, galera. "A democracia é uma grande vencedora". "Todos aprendemos muito" e mais uma série de citações prontas.

Há tempos correm rumores de especuladores encomendando pesquisas privadas caríssimas então quando o preço da libra começou a subir após o fim votação, ficou a impressão de que eles sabiam algo que nós não sabíamos — o Fico continuou no comando.

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Mas como já vimos tantas vezes antes, eis a magia de se ter um referendo mesmo e não só algumas pesquisas de opinião. Os pesquisadores não chegam a todos. E quem nunca votou eram exatamente as pessoas com quem ele precisavam ter entrado em contato.

E assim foi. A participação foi de 72% — porcentagem impressionante que confere à votação inegável legitimidade. Havia uma espécie de curva prevista no começo da noite: se a presença fosse boa, isto significaria que os ausentes teriam ido votar e o Fico venceria. Se a presença fosse massiva, isso significava que os mais alienados finalmente mostrariam suas vozes.

Foi o que vimos. Por volta das 11h, Farage havia retirado suas declarações de "concessão". Em um ato bastante Farageico, ele "desconcedeu". Mas lá estava Boris, tristemente comentando com outro que provavelmente havia perdido. Então…?

A TV foi preenchida brevemente com os ruídos daqueles do Fico. Nicky Morgan confirmou a David Dimbleby que "suas fontes" sugeriram que era isso mesmo. Gibraltar, primeira a declarar, registrou 95% de Fico, fazendo os gráficos de Jeremy Vine ondularem brevemente como uma eleição no Zimbábue.

Logo, porém, as palavras de Farage assumiram um tom semelhante ao discurso de Al Gore em 2000.

O Deixo era uma voz distante em Londres. E na Escócia também. Mas havia algo no ar. Quando o Fico ganhou por pouco em Newcastle — cidade em que esperava-se que venceria com vantagem — uma certa palidez começou a surgir nos ministros do governo que estavam tranquilões no estúdio para falar sobre a campanha Stronger In.

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Logo após as 5 da manhã, o recepcionista eterno da história política, David Dimbleby, anunciava que a BBC apostava no Deixo.

Até ele parecia nervoso. A libra caiu a índices não vistos desde 1985. As telas assumiam tons semelhantes aos trechos da "BBC" em Extermínio. Farage, em meio a uma multidão em prol do Deixo, fez um curto discurso de vitória, falando sobre o "triunfo para as pessoas comuns". De volta ao estúdio da BBC, Emily Thornberry, do Fico, estava com cara de quem seus rins haviam parado de funcionar.

O que acontecerá daqui por diante serão anos de disputa sem fim. A resposta mais simples é a) não muito por um tempo, b) Cameron cairá fora até o Natal, c) Escócia e Irlanda do Norte estarão no coração que se desintegra de uma União que se desfaz. Os escoceses possivelmente conseguem segurar por uma década, mas por quanto tempo mais que isso? Com tanta dificuldade, Cameron provavelmente está bem feliz que pode ir à Sardenha de EasyJet uma última vez.

Mas, de verdade, o solipsismo de qualquer debate nacional é só metade de toda essa história. O mundo em geral ingere o significado disso e vomita de volta em nossa direção de formas que ninguém pode prever ainda. Como aconteceu no Oriente Médio em 2011, com a revolução da Praça Tahir.

A União Europeia agora precisa ir mais fundo que nunca — certamente além das crises migratórias e da zona do euro — para impedir que o projeto se desfaça ao longo dos próximos anos e torne-se um misturadão de Alemanha com alguns agregados semi-parasíticos do Leste Europeu. O líder do Partido da Liberdade holandês Geert Wilders já disse que os Holandeses Eurocépticos estão na vez. Os dinamarqueses certamente seguirão o exemplo, mas a bomba mesmo será o fato — e tente entender se puder — de que os franceses já estão mais eurocépticos que os britânicos. Mais que os britânicos.

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No próximo ano ocorrerão as eleições presidenciais francesas. Os candidatos se atropelarão para atacar o Projeto Europeu. E da parte britânica, já se fala de atravancar o Artigo 50 — cláusula do Tratado de Lisboa que dará início ao processo de dois anos que encerrará com a "liberdade" britânica, até depois da data para evitar se tornar uma fatalidade da narrativa "punição ao Reino Unido" daquela eleição. Com certeza a União Europeia tentará levar isso adiante o máximo que puder (dado que em termos de comércio como importador líquido, eles precisam mais da gente que nós deles). Eles vão querer fazer um exemplo, vão querer que a vida fora da União Europeia pareça uma terra de ninguém congelada. Mas ao mesmo tempo, comércio sempre mandará em tudo, e o comércio quase sempre é racional – eles ainda precisam que nós compremos as coisas deles, e nós deles.

Em meio a um show de horrores histórico, porém, há oportunidades reais. O fomento que tem tomado o continente — da feia ascensão de genuinamente fascistas como o Front National francês, o britânico UKIP e os populistas italianos do MoVimento Cinco Estrelas — pode ser neutralizado caso a União altere seu modelo radicalmente. Talvez um modelo mais antigo, de Mercado Comum ainda esteja escondido em alguma gaveta por aí. Talvez uma canetada dê cabo de gente como Le Pen. Ou talvez estejamos todos condenados.

Na Grã-Bretanha, as massas se inflamaram. Poucas vezes em nossa história — nem mesmo durante a eleição de 1945 — houve um ponto em que os resultados pareceram tanto ligados às classes.

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Este é um repúdio não só de todo o establishment político pró-Fico, mas também um repúdio à globalização, a um mundo em que os operários que foram às urnas viram mudanças ocorrerem de forma mais rápida do que poderiam lidar. A raiva está por toda parte — podemos ver isso como uma continuação perversa do contínuo da revolução de Corbyn. Ninguém desenvolve um apetite por caos social "de zoeira" e seria lamentável se os metropolitanos interpretassem isso como evidência do sistema educacional britânico em frangalhos.

Mas a maior pergunta de todas é: a globalização pode ser repudiada? Ou é como repudiar um dia chuvoso? Esta é a pergunta que guia a política democrática ocidental desde o final da Guerra Fria. É a pergunta com a qual os EUA lutam na forma de Donald Trump. Na sexta-feira os britânicos responderam a essa pergunta com um "Porra, não sabemos, mas vamos tentar…"

@gavhaynes

Tradução: Thiago "Índio" Silva

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