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Um papo sobre o MPL com o Pablo Ortellado

Prestes a lançar o livro "20 Centavos: a Luta Contra o Aumento", o professor de Gestão de Políticas Públicas da USP fala sobre o êxito do MPL

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Depois do dia 6 de junho deste ano, São Paulo nunca mais foi a mesma, com todo o clichê infeliz que esta frase nos permite. Nem o Brasil. As manifestações organizadas pelo Movimento Passe Livre contra o aumento da tarifa de transporte coletivo na cidade sacolejaram todo o território nacional, fazendo direita e esquerda se encontrarem nas ruas, num virginal macaréu político-ideológico.

Para falar sobre a atuação política do MPL, bati um papo com Pablo Ortellado, que lança no próximo fim de semana o livro 20 Centavos: a Luta Contra o Aumento, de autoria dele e em conjunto com Elena Judensnaider, Luciana Lima e Marcelo Pomar, pela Editora Veneta. A trajetória militante do autor começa nos anos 1980, quando o movimento punk se politiza e encontra a tradição anarquista no Brasil. Depois de passar pelo anarcosindicalismo e militar pelo movimento Antiglobalização durante os anos 1990, ele se gradua em filosofia, obtém o título de Doutor e hoje atua como professor de Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo. “O livro é a tentativa de fazer uma leitura do que aconteceu em junho, principalmente na chave do MPL, mas ressaltando as dimensões propriamente estratégicas e políticas do movimento”, adiantou. Antes de entrevistá-lo, colei num debate que rolou numa sala de aula da USP, onde ele falava sobre o livro na presença de estudantes, professores e militantes do MPL. A seguir você lê nosso papo sobre o livro e sobre o êxito do movimento na redução da tarifa.

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VICE: Participei de um debate na USP em que você falava sobre o livro. Lá, você disse que os novos movimentos não têm capacidade de pensamento estratégico. Por quê?
Pablo Ortellado: Movimentos desse tipo, como foi o movimento Antiglobalização, o 15-M na Espanha, o Occupy Wall Street, têm muita dificuldade de fazer uma ação estratégica. Como dizemos no livro, eles mobilizam mais processos do que resultados. Ou seja, eles valorizam muito mais o processo de constituição da luta, que seja democrático, horizontalista — e também que ele seja criativo e interessante —, do que a capacidade de transformação que ele tem a curto prazo. É como se o movimento fosse a gênese da nova sociedade. Por isso, ele precisa ser muito cuidadoso na maneira como conduz o processo, na maneira como zela por sua democracia interna. Outro elemento que ajuda a entender isso é que essa nova democracia traz para o jogo político pessoas que não têm experiência política. Com os envolvimentos de massa antigos, você tinha lideranças que conduziam. As opções estratégicas e as decisões eram tomadas por dirigentes que tinham pleno entendimento do funcionamento da política. Como esses movimentos são muito mais democráticos, no sentido de que eles efetivamente tomam as decisões importantes conjuntamente, isso faz com que pessoas que não têm experiência política participem da política e tentem aplicar restrições características da vida pessoal, que é o principismo: a ideia de que devo reger minhas ações por princípios. Ao que passo que, na política, quando você busca resultados práticos de curto prazo você mede suas ações não por princípio, mas por resultado.

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O livro analisa a capacidade de estratégia do MPL em 2013 como uma campanha intensa e de menor duração. Você acha que ter os R$ 0,20 como meta, em vez de tarifa zero, tornou o objetivo do MPL mais exequível?
Exatamente. Essa é a grande inovação. O MPL, hoje, é contra a mercantilização do transporte, que é o acesso ao deslocamento urbano por meio do pagamento de tarifa. Mas ele não colocou essa meta de longo prazo como resultado da ação — que tem resultado de curto prazo, a redução da tarifa. E essa estratégia mudou completamente a maneira como o movimento se colocava porque ela fazia com que toda a força da sociedade se direcionasse para uma meta: a revogação do aumento.

O livro acompanha de maneira conclusiva o posicionamento da imprensa. Por que você acha que nos primeiros atos tudo era visto de forma negativa pela mídia, inclusive com editoriais pedindo maior rigor policial contra as depredações?
Na verdade, no começo da campanha a imprensa seguiu o padrão clássico de condenar manifestações populares que fazem uso da ação direta e da desobediência civil. Não foi nenhuma novidade. O que teve de muito novo foi a mudança depois da repressão do dia 13 de junho. O que a gente defende no livro é que houve dois processos ali. Fazendo uma análise mais detida das redes sociais, tanto do Twitter quanto no Facebook, a gente vê que nos dias 12 e 13, antes da repressão, outras pautas já tinham se grudado na reivindicação pela redução da tarifa — principalmente as pautas relativas ao combate à corrupção. Esses movimentos que estavam atuando pela internet já tinham se espelhado na luta contra o aumento e falado: “Olha, o brasileiro luta, ele não é trouxa, ele vai pra rua”. Foi um fenômeno mais ou menos espontâneo. Essas outras pautas que ampliaram o foco, na verdade, fizeram o movimento perder o caráter estratégico de novidade. A grande novidade não é ter essa dimensão estratégica, é ser um evento de novo tipo, horizontal, participativo e ter essa dimensão estratégica. Isso quase se perdeu.

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Outro tópico do livro é abordar o apoio da juventude do PT na luta contra o aumento da tarifa. Foi um ponto relevante para estabelecer diálogo com a prefeitura?
Foi importante porque a pressão interna dentro do PT contribuiu bastante para a decisão da revogação do aumento. E a juventude do PT foi o primeiro setor do partido a apoiar a causa. Pelo que acompanhei, foi muito difícil, porque eles divulgaram a nota em um dia, e no seguinte, a sede do PT foi apedrejada. Eles sofreram muita pressão, mas abriram uma brecha. Pouco a pouco, nos dias 11, 12 e 13, outros setores foram somando. Até que, finalmente, depois da repressão do dia 13, aí até o Zé Dirceu apoia — a gente documenta isso no livro. E vários outros deputados e lideranças do PT começam, pouco a pouco, a mudar de posição em relação aos protestos. Isso foi muito importante para legitimar a decisão de revogação do aumento, que sai só no dia 19.

Durante o debate na USP, você disse que a luta criativa é uma característica da contracultura. Você acha que o MPL se encaixa nisso?
O MPL vem um pouco disso, mas acho que é uma característica que eles têm menos do que o movimento Antiglobalização, de onde vêm os militantes. Mas ele mantém um pouco a reflexão estética sobre a luta, a ideia de todas as faixas serem pretas, a organização da dinâmica da rua como uma espécie de teatro de rua. Em outras campanhas isso foi mais presente: a ideia de você ter uma paródia da tropa de choque, de você ter o exército de palhaços. Em outros MPLs, você tinha essa dimensão de teatro de rua também, como o MPL de Florianópolis. Acho que ele tem o cuidado e uma preocupação com essa dimensão estética e criativa do movimento, que é mais presente do que em movimentos tradicionais, embora eu ache que essa dimensão tenha dado uma diminuída com o passar dos anos na história do MPL.

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A queima da catraca em todos os atos é um grande símbolo, não é?
Um grande símbolo. A queima das catracas, a ideia de você abrir as faixas em lugares estratégicos, preparando a composição visual do movimento…

Como você analisa a horizontalidade do MPL? Isso valoriza a democracia interna do movimento?
Ele é um movimento bem horizontal. As decisões são tomadas em assembleias e as discussões do MPL são enormes. As reuniões deles costumam durar oito horas. Todas as decisões são tomadas coletivamente. É um movimento bastante horizontal, bastante participativo.

Depois do ato do dia 13, na Consolação, uma multidão foi às ruas se juntar ao protesto. As pessoas tinham muitas pautas, como saúde, educação, PEC 37, corrupção. Você acha que isso tirou o foco da luta sobre os 20 centavos?
Eu acho que ela quase tirou. Foi uma tensão que vivemos nos dias que se seguiram, do dia 16 até o dia 19. Rolou uma pressão. Por causa dessa ampla exposição nos meios de comunicação, isso lançou nas ruas uma multidão com um conjunto de reivindicações que desfocava tudo o que essa luta tinha trazido. Essa dimensão estratégica foi confrontada por um conjunto de pautas que não tinha meta nenhuma. Era simplesmente uma insatisfação genérica puramente autoexpressiva. No entanto, o MPL soube conduzir, acolher essas pessoas que estavam indo às manifestações e subordinar todas essas novas reivindicações à primeira demanda, que era a dos R$ 0,20. Por isso, acho eu, o MPL conseguiu efetivamente: a tarifa foi reduzida. Mas várias pessoas que entraram na luta com essas outras reivindicações se sentiram traídas, falando que o MPL abandonou a luta. Acho que isso tem a ver com essa expectativa que eles tinham de que essas outras demandas fossem incorporadas pelo MPL. Que é uma coisa que acho que não tinha nenhum cabimento.

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No debate, você fez uma comparação entre Occupy Wall Stret e MPL, dizendo que ganhamos meio bilhão por ano e eles não atingiram um objetivo concreto. A que se deve essa análise?
Eles tiveram ganhos. O que defendemos no livro é que essa dimensão processual é importante. Organizar milhares de pessoas, ensiná-las a se organizarem de maneira direta, criar novas relações sociais participativas é um ganho. A questão é que esse ganho, em geral, tem como contrapartida a perda, uma certa incapacidade de ganhos de curtos prazo, que é o que aconteceu com o Occupy Wall Street — um movimento que nasceu quando a revista Adbusters lança uma provocação e convoca ativistas a ocupar a Wall Street com uma única demanda. E as pessoas vão lá, cria-se um movimento com enorme repercussão que se nega a ter uma única demanda. Eles se negam a ter uma pauta única, que daria a eles uma pauta estratégica. A grande novidade do MPL é que ele consegue ser um movimento que, ao mesmo tempo em que valoriza o processo, consegue ter uma dimensão estratégica.

Analistas mais conservadores acham que o vigor do movimento se perdeu, enquanto analistas mais liberais acham que ainda estamos em um momento de latência. O que você acha?
Olha, o que acho curioso é que as coisas mais interessantes que aconteceram depois de junho não aparecem nos meios de comunicação, que estão seguindo uma pauta jornalística de cobrir pequenas manifestações, qualquer pequena passeata que surja. No entanto, quando a gente olha, principalmente para Belo Horizonte, com a Assembleia Popular, e para Fortaleza, na luta pela preservação de um parque, vemos os processos realmente acontecendo. Centenas, milhares de pessoas. Mas como elas não têm essa forma da manifestação de rua, e não estão em grandes centros como Rio e São Paulo, ficam meio invisíveis. Mas são os processos mais vivos hoje no país, herdeiros das mobilizações de junho.

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Você acha que depois da revogação, a população se sente mais empoderada para atuar em novas lutas?
Acho que sim. Desde os anos 1980, não tem uma mobilização popular que consiga um ganho tão efetivo, tão claro, tão completo. Todo dia, quem pega ônibus, metrô ou trem, passa o cartão e vê o resultado da luta. Isso vai ter efeitos de longo prazo. Não imagino nenhum governante aumentando essa tarifa nos próximos dois anos. Até esse aprendizado começar a ficar longínquo na memória, acho que ninguém vai ser tolo de aumentar a tarifa.

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