MC Daleste é o sétimo assassinado do funk em SP

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MC Daleste é o sétimo assassinado do funk em SP

Cinco MCs, um DJ e um empresário foram mortos no Estado desde 2010.

O kissuco ferveu na internet durante o último fim de semana. O gatilho foi a publicação deste vídeo, que mostra o MC Daleste, expoente do funk ostentação de São Paulo, sendo assassinado em pleno palco durante um show em Campinas, interior do Estado.

O crime ocorreu no sábado (6), enquanto o MC fazia um show em uma quermesse da cidade. A festa era gratuita e aberta, e rolava num conjunto habitacional popular. Ainda no começo da apresentação, no intervalo entre as músicas, o MC começa a contar a história de um enquadro. Ouve-se um disparo e Daleste cai no chão, baleado. Ele tinha 20 anos e era um dos cantores do funk ostentação mais populares da atualidade. Mesmo sem nunca ter lançado um videoclipe oficial, ele tinha uma agenda de shows lotada, suas músicas acumulam milhões de visualizações no YouTube e milhares de likes além de garantir seguidores no Facebook e Twitter.

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Ele foi o sétimo artista do funk assassinado no Estado. Desde 2010, cinco MCs, um DJ e um empresário que trabalham com o gênero foram mortos em circunstâncias nebulosas. Dentre os crimes, o caso do Daleste (cujo nome de batismo é Daniel Pellegrine) foi o que obteve maior repercussão na imprensa e nas redes sociais. Vários vídeos do momento do crime, feitos pela galera que assistia ao show, circulam fortemente pelo Youtube e Facebook. Este é um deles. As cenas são fortes.

Teve aquele pessoal do "menos um", que acha o funk uma música vulgar (de pobre preto, pra ser mais específico), vendo com naturalidade o tipo de crime que vitimou o Daleste. Basta dar uma breve olhada nos comentários deste outro vídeo da morte, que já tem quatro milhões de visualizações.

Outra turma foi fundo e celebrou a morte do MC como se quem tivesse caído fosse um líder de um exército revoltoso em plena guerra civil, muito embalados pela canção "Apologia", hit da fase proibidão do Daleste que tem uns trechos pesados como "matar os polícia é a nossa meta/Fala pra nóis quem é o poder" ou "É o bonde do mk [MK 48] porque quem manda aqui é o 1 p e 2 c [PCC]". Até a presidente da Associação de familiares e amigos dos Policiais do Estado de São Paulo soltou uns rojões on-line para comemorar.

Neste outro post, é possível ler outros tantos comentários debatendo a importância dos direitos humanos pra sociedade civil. A tônica geral é de que o assassinato é a própria justiça sendo feita, já que o funk é aliado do crime. Não há necessidade de investigação, a execução dos músicos já é sua sentença.

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A paranoia ficou tão pesada que fizeram até um jogo first-person shooter para simular a morte do Daleste. No vídeo com o trailer do jogo, uma modificação do clássico Doom, dá para entender bem qual caldo cultural essa galera quer extirpar do mundo na base da execução. Referências à Rede Globo, Regina Casé (que apresenta o programa multiculturalista e popular Esquenta), a cantora de funk carioca putaria Tati-Quebra Barraco, cartazes do PT e do Bolsa-Família. No fim do vídeo, um grito de guerra do B.O.P.E, tropa de elite da polícia do Rio, como trilha para o tenebroso texto: "Graças à [sic] Deus agora ele está no inferno queimando, sentado na rola flamejante giratória de Satanás. Tomara que o caixão dele tenha buracos para os vermes vomitarem". É bem escroto, se tiver estômago, assista abaixo.

FUNK OSTENTAÇÃO

Há cerca de uma década, as periferias de São Paulo adotaram o funk, importado da cultura carioca através dos bailes. O sexo das letras e as batidas do Rio se embolaram com o rap norte-americano dos anos 2000 (aquela onda 50 Cent de carros, dinheiro e mulheres) e geraram o que ficou conhecido como funk ostentação. Tudo isso, enrolado com o crescimento econômico do Brasil, proporcionou uma boa dose de ascensão social para as classes mais pobres.

Essa ascensão também fez o pessoal dos picos mais pobres da cidade ter acesso a computadores, internet e redes sociais. O próprio Daleste começou a produzir seus primeiros sons em uma lan-house, em sua área da Penha, zona leste de SP.

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No começo desse processo, o tema do funk de São Paulo era o "proibidão", que tinha como ponto central a vida do crime urbano, com disputas de poder com a polícia, armas, histórias de tráfico, facções criminais, mortes. Aos poucos, esse vínculo direto com o mundo do crime foi deixado de lado e o funk ostentação virou o protagonista.

CAÍDOS NA BATALHA

Aproveitei o momento criado pela morte do Daleste para ver em que pé andam as investigações das outras seis mortes no mundo do funk ostentação paulistano. Todos os MCs mortos eram nomes de destaque no circuito, com suas músicas e vídeos acumulando milhões de visualizações. Eis o resumo da ópera:

Tudo começou em 10 de abril de 2010, quando o MC Felipe Boladão e seu DJ Felipe foram assassinados a tiros por uma dupla que dirigia uma moto na frente da casa do DJ, na Praia Grande. Eles esperavam a carona para uma apresentação em Guarulhos.

Também no litoral paulista, o MC Duda do Marapé foi morto com pelo menos nove tiros em Santos em abril de 2011. O músico tinha 27 anos. Testemunhas afirmam que uma dupla de moto foi a autora dos disparos. Um cartucho de bala calibre .40 foi encontrado na cena do crime, próximo à rodoviária da cidade e ponto de forte tráfico e consumo de drogas.

Jadielson da Silva Almeida, o MC Primo, de 28 anos, foi executado com 11 tiros em frente ao casal de filhos, no Jóquei, em São Vicente. O músico estacionava o carro em sua casa quando foi abordado por um Uno branco com dois homens que o mataram. Isso aconteceu em 19 de abril de 2012.

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Nove dias depois, a vítima foi MC Careca, também em Santos. Ele foi executado com tiros de calibre 12 no rosto, próximo ao salão de cabeleireiro onde trabalhava. Careca teria recebido uma ameaça de morte pelo celular durante o velório de Primo.

As mortes dos dois MCs chamaram a atenção da população para uma onda de assassinatos na região da Baixada Santista. Três policiais chegaram a ser presos, mas foram inocentados em seguida. Na época, o estado de São Paulo vivia em clima tenso. Nenhum dos crimes acima foi solucionado até agora.

O empresário conhecido como Japonês do Funk (Ricardo Vatanabe, 42) foi encontrado morto em seu escritório, em Santos, no dia 28 de novembro de 2012, estrangulado por um fio. Além de investir em artistas do funk, o Japonês trabalhava com o mercado imobiliário, era dono de uma casa de shows em São Vicente e já tinha se candidatado a vereador por duas vezes. A polícia prendeu sete homens em fevereiro, acusados de participar de um "tribunal do crime". Um dos envolvidos na morte era o cadeirante Marcelo Garcia.

Apuramos com a Secretaria de Segurança Pública de SP sobre o status das investigações de todos os casos. A secretaria confirmou que não há novidades em todos eles, à exceção do caso do Duda, que foi relatado à Justiça como autoria desconhecida, o que não quer dizer absolutamente nada.

O assassinato de Daleste será investigado pela Divisão de Homicídios da Delegacia de Investigações Gerais (DIG). Ainda não há informações sobre suspeitos. Vários MCs, de SP e do Rio, de funk e de rap, prestaram homenagens ao Daleste, como a MC Pocahontas, MC Rodolfinho, Guimê, Leo da Baixada, Emicida e Racionais MC's. Os fãs também fizeram suas honras on-line. Um ato pedindo paz no funk está sendo organizado para o próximo dia 16, no Vale do Anhangabaú em São Paulo.