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Entretenimento

​Por que só agora o Ministério da Justiça resolveu se importar com grupos de ódio no Brasil?

O grupo Defensores da Sharia foi desarticulado nessa quinta-feira pela Operação Hashtag, mas nem de longe é o primeiro grupo que existe no país que prega mensagens preconceituosas na internet.
O ministro Alexandre de Moraes em uma das manifestações pró-impeachment desse ano. Foto por Felipe Larozza.

Na quinta-feira (21), a Polícia Federal cumpriu mais de dez mandados de prisão contra o grupo Defensores da Sharia, ditos simpatizantes do Estado Islâmico que discutiam virtualmente a possibilidade de coordenar um ataque durante as Olimpíadas do Rio de Janeiro para mostrar serviço ao califado. Batizada de Operação Hashtag, a Polícia Federal declarou ter passado seis meses monitorando redes sociais até desarticular o grupo 15 dias antes do evento esportivo.

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Primeiramente, o que chama a atenção é a falta de alinhamento nos discursos das autoridades. Na primeira coletiva do Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, tudo parecia encaminhando. Um homem de Curitiba foi apontado como líder, houve a negociação da compra de um fuzil AK-47 com um comerciante ilegal do Paraguai e, apesar de ter mencionando que se trata de um grupo "amador", há a sensação de dever cumprido por terem desmantelado um grupo "terrorista". O procurador da República Rafael Brum Miron responsável pela operação, declarou que os nomes dos envolvidos surgiu a partir de um memorando do FBI enviado para o Brasil sugerindo que fosse feita uma investigação.

Já o Ministro da Defesa, Raul Jungmann, deu uma apaziguada no discurso alarmista de Moraes. Classificou a atuação dos membros do Defensores da Sharia como uma "porralouquice", declaração que até rendeu fofocas nos corredores do Planalto, dizendo que talvez as vozes não estejam muito alinhadas em relação aos suspeitos capturados e que agora estão confinados em no presídio federal de Campo Grande.

Marcos Josegrei da Silva, juiz titular da 14ª Vara Federal, durante uma coletiva , contrariou a fala alarmista de Moraes. Primeiro, disse que o homem apontado como liderança não é um líder proeminente e nem se o grupo deveria ser chamado de terrorista, já que todas as conversas monitoradas eram feitas pela internet e o grupo era visivelmente amador.

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A Operação Hashtag pode até ser motivo de elogios pela eficiência e por seu combate profilático ao terrorismo, mas levanta também a possibilidade (bastante possível) de a Operação ser uma forma de o Ministro da Justiça mostrar serviço e também utilizar da atuação da Polícia Federal como seu próprio palanque para futuras eleições. Pelo teor das conversas entre os membros do grupo supostamente terrorista, dá para ver, logo de cara, que o grupo Defensores de Sharia não é o primeiro do tipo a pipocar no país. Porém, é o primeiro a receber tamanha atenção do Ministério da Justiça, Polícia Federal e Judiciário para ser desmantelado e logo enquadrado na lei antiterrorismo.

Em 2011, o país ficou em choque quando Wellington Menezes de Oliveira entrou na sua antiga escola no Rio de Janeiro, matou a tiros 10 meninas e um menino, deixou mais de 13 pessoas feridas e se suicidou logo em seguido. Após longas investigações, foi descoberto um link do chamado Massacre de Realengo com uma seita de homens perturbados chamada Homens Sanctus, que além de ter exercido uma influência sobre o atirador a cometer o crime com motivações visivelmente misóginas também planejava um ataque à UnB, inclusive já traçando um mapa para executar a operação. O grupo pregava o extermínio de pessoas que não são homens brancos, além de manterem um leque de sites na época com conteúdo misóginos, racistas e a fins.

Os Homens Sanctus não eram novidade na época que foram desmascarados. Há tempos que algumas blogueiras feministas, principalmente a Lola Aronovich, denunciavam as constantes ameaças dessa seita na internet. A Polícia Federal desmantelou o grupo, mas não é nada difícil até hoje encontrar páginas remanescentes do grupo no Google. Algumas até estão, inclusive, na ativa.

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Mês passado, a UnB foi novamente foco de ataques de intolerância. Desta vez partiu de um protesto que terminou em ataques de motivação racista e homofóbica contra alunos no Instituto Central de Ciências (ICC). Momentos depois, começaram a se alastrar diversos áudios e prints de alunos discutindo e se gabando dos ataques contra os alunos que eles consideram "de esquerda". Isso, analisando a fala do ministro Moraes, também não seria um motivo de preocupação? Afinal, falou-se de ações realmente concretas.

Acompanhamos de perto o nascimento da Frente Nacionalista, um grupo de pessoas assumidamente simpatizantes do Integralismo, antissemitas e contra o movimento migratório que está acontecendo no Brasil. Enquanto a FN tenta entrar pelas bordas no movimento democrático, nada foi feito por parte das autoridades até então — exceto na investigação do evento cheio de bandas ruins que a FN estava organizando em Curitiba. Considerando que o próprio Ministro da Justiça revelou que as conversas do grupo Defensores da Sharia eram repletas de mensagens de discriminação racial e religiosa, nos questionamos por que a Frente Nacionalista, que explicitamente coloca esse tipo de conteúdo no seu estatuto, não foi desarticulada até agora e, inclusive, consegue pedir doações na internet para manutenção do grupo.

As comemorações do golpe militar em São Paulo. Foto por Equipe VICE publicada originalmente aqui.

Isso sem contar com grupos nazistas que ainda estão até hoje na ativa no Brasil. Embora em São Paulo exista um órgão como o DECRADI, não há sequer um registro disponível para os cidadãos saberem quantos grupos nazistas em média ainda existem no país. Embora esses grupos se afastarem das ruas desde a morte do punk Johnny Raoni Falcão Galanciak, em 2011, muitos começaram a agir no campo virtual na tentativa de disseminar o ódio contra minorias. Muitas dessas pessoas também encontram uma casa com o levante da direita extremista desde as Jornadas de Junho de 2013 . Por que, então, não há uma força tarefa para desmantelar a existência desses grupos na internet?

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Em 2013, a Polícia levantou que pelo menos quatro grupos nazistas estão na ativa no Rio de Janeiro, e não precisa ir muito longe no centro de São Paulo para ver pichações do Impacto Hooligan, cria do Front 88, tradicional grupo neonazista da capital paulista. Investigações em 2016 revelaram que só no Brasil há mais de 300 núcleos neonazistas espalhados pelo país.

Também em 2013, antropóloga e pesquisadora da UNICAMP Adriana Dias, em uma entrevista para a VICE, informou que existem cerca de 105 mil simpatizantes do neonazismo no Brasil. Para a EBC, a pesquisadora alertou sobre a falta de agentes capacitados e investimento da Polícia Federal para desmantelar esse tipo de organização.

O ministro Alexandre de Moraes foi célere em mostrar que o país está preparado para evitar possíveis ataques terroristas. Foi tão afobado que soltou que as investigações monitoraram redes sociais como o WhatsApp. Mas como as autoridades conseguiram monitorar um aplicativo que passou pelo terceiro bloqueio só em 2016 por não fornecer dados pessoais para a Justiça, já que ele se utiliza da criptografia?

O modus operandi da Polícia durante a Operação começa também a demonstrar rachaduras. A família de um dos capturados, Vitor Barbosa Magalhães, concedeu uma entrevista criticando a prisão e dizendo que Vitor, convertido ao islamismo em 2010 e convidado para estudar a língua no Egito em 2012, não tinha nenhuma ligação com o terrorismo.

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O grupo não chegou a planejar nenhuma ação efetiva durante as Olimpíadas (embora tenha manifestado o desejo em realizar tal ato), mas só o conjunto de elementos que envolvem as conversas elogiando ataques terroristas e a negociação da arma, já é um crime previsto na lei antiterrorismo por caracterizar atos preparatórios para ataques terroristas. Porém, segundo Flávio Bastos, jurista, advogado constitucionalista e colaborador de longa data para a VICE, a prisão desses membros depende de um conjunto probatório que seja forte o suficiente para justificar uma prisão temporária.

"As autoridades brasileiras estão tomando uma medida preventiva, que é conectada com serviços de informação de vários países para evitar o pior, mas o que me parece é que há um sacrifício do direito de ir e vir, pelo menos no que diz respeito no caso da prisão do Vítor Barbosa

Qual seria a justificativa para ele ser enquadrado na lei? Viajar para o Egito para aprender árabe e seguir os preceitos do islamismo é, por si só, um indício de que ele está ligado ao terrorismo? Então se eu estiver andando com uma mochila e uma blusa de manga comprida em um dia quente já sou suspeito de terrorismo? Espero que a autoridade tenha elementos que justifiquem isso, senão são prisões abusivas", explica.

O jurista frisa também que há a evidente preocupação do país em mostrar um bom trabalho diante de tantos fatores que giram em torno do evento como a criminalidade e a falência financeira do Rio de Janeiro, que são talvez mais preocupantes do que o terrorismo em si. "Não que o terrorismo não seja um risco possível", diz "mas temos uma ação midiática de perfumaria, para chamar a atenção e passar a mensagem de que o Brasil está atento para isso. Foi uma ação questionável, e demonstrou uma falta de preparo das autoridades."

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